'Intermitências' é o novo álbum do cantor mineiro Jonathan Tadeu

Cantor e compositor usa de sentimentos como melancolia, nostalgia e tristeza para tratar de assuntos que o acompanham antes da pandemia

Guilherme Araújo 13/10/2020 04:00
Flávio Charchar/divulgação
O novo álbum do músico mineiro foi gravado em casa e produzido entre os meses de março e setembro (foto: Flávio Charchar/divulgação)

Ainda que tenha sido produzido e gravado entre março e setembro deste ano, totalmente em casa, o novo álbum do músico mineiro Jonathan Tadeu não é sobre a pandemia. Pelo contrário, Intermitências usa sentimentos como a melancolia, a nostalgia e a tristeza para tratar de assuntos que acompanham o cantor e compositor antes do coronavírus.

Quando começou, 2020 se mostrava auspicioso para o músico. ''Comecei o ano com a promessa de um novo emprego, minha esposa estava para abrir um consultório de psicologia, minha saúde emocional estava bem, tinha tudo para ser um ano de transição na nossa vida. Com a chegada da pandemia, perdi o emprego, minha esposa perdeu pacientes e não conseguiu abrir o consultório. Todas as nossas previsões caíram por terra'', conta ele.

Assim que recebeu o dinheiro da demissão, Jonathan comprou uma interface de áudio, pegou um microfone emprestado com um amigo e começou a compor e gravar o que viria a ser seu quinto disco. No processo, ele precisou lidar com uma crise de consciência, já que não via sentido em produzir um trabalho em meio à pandemia.

''Parecia que eu estava fugindo, me alienando. Eu briguei muito com esse disco. Só fizemos as pazes quando entendi que produzi-lo também poderia ser uma contribuição. Por isso, tentei compor canções que de alguma forma pudessem soar como companhia para as pessoas'', conta.

Segundo ele, as letras são mais sobre o ''estado de espírito'' atual do que sobre a situação em si. ''Falta de dinheiro, desemprego, desesperança política, tudo isso já existia antes, as coisas só se agravaram. Evitei falar da pandemia porque já estava completamente imerso nisso tudo. O disco foi um jeito de fugir dos pensamentos negativos que eu tinha sobre tudo isso.''

Mais enxuto do que os outros quatro trabalhos do artista – Casa vazia (2015), Queda livre (2016), Filho do meio (2017) e Sapucaí (2018) –, Intermitências aborda, ao longo das suas faixas, temas como a solidão, a falta de esperança e a incompletude.

ANGÚSTIA

Penso e perco tempo, responsável por abrir o trabalho, traz versos de pura angústia em meio ao arranjo ruidoso, ecoando Cat Power e Big Thief, influências declaradas do músico. Outro exemplo disso é a ótima Éramos jovens emocionados, que discute a passagem do tempo. A faixa ganhou clipe caseiro filmado e dirigido pelo próprio Jonathan.

Na sexta canção do trabalho, Sentir ódio cansa, ele renova sua própria marca e entrega letras que comentam o cotidiano de forma crua, sem se preocupar com métricas e melodias. ''Eu não assisto lives/ Eu não faço receita de pão/ Eu não acordo cedo pra meditar/ Eu não rezo mais'', ironiza ele num dos versos da canção.

''Eu não me considero um bom letrista'', declara o músico. ''Acabo escrevendo sobre as minhas próprias vivências. Minha inspiração maior é o momento que antecede a ruptura. Aquele momento antes de você ter a certeza absoluta de que está apaixonado por alguém, ou o dia anterior ao momento em que você termina um relacionamento ou é demitido. A maior parte da vida é uma rotina de repetição constante, com alguns intervalos para eventos positivos e negativos. Eu gosto de escrever sobre esses intervalos.''

Essas rupturas aparecem em outros momentos do disco, como nas faixas Palestra motivacional, Homem de bem e É difícil encontrar um amigo. Destaque para O amor é o troço mais difícil do mundo, canção quase animada cujos sons sintéticos a transformam numa balada divertida; e Todo dia eu torço para um final feliz, canção em que o músico assume um discurso menos niilista.

''Este foi o primeiro disco que eu produzi, gravei e mixei sozinho. Com exceção de algumas participações especiais de amigos – Pedro Flores, Fernando Motta, Vitor Brauer e Luden Viana –, foi a produção mais solitária da minha vida. E eu gostei do processo. Sou muito ciumento com minhas músicas. Nos discos anteriores, eu sempre tinha uma sensação de que alguma coisa poderia ter sido diferente. Desta vez, pude lançar um disco exatamente com a sonoridade que eu imaginei quando comecei a compor'', diz.

Isso resulta num trabalho que, de fato, não fala diretamente sobre pandemia, mas aborda uma série de questões dolorosas que não morreram com a chegada do vírus. Afinal, ''esses dias tensos vão ficar pra trás, mas nossa história vai continuar'', como diz uma das canções.

MAIS SOBRE MUSICA