Chico César lança o disco 'O amor é um ato revolucionário' em BH

O Brasil dividido e intolerante é tema das canções do artista paraibano, convidado do Festival de Arte Negra. Show desta terça (19), no Sesc Palladium, tem entrada franca

Mariana Peixoto 19/11/2019 06:00
José de Holanda/divulgação
(foto: José de Holanda/divulgação)

A agenda do cantor e compositor Chico César sofreu algumas mudanças nos últimos meses. Um show em Barueri, na Grande São Paulo, foi cancelado. O argumento foi que a prefeitura da cidade queria um evento menos político, mais voltado para o entretenimento. Convidado para um programa de um grande canal de TV, o paraibano foi logo avisado de que teria que cantar seu primeiro sucesso, Mama África, e não o recente reggae Pedrada (do verso “Fogo nos fascistas”). Um dia antes, ele desistiu de ir.

“Minha agenda diminuiu em alguns lugares e aumentou em outros. Hoje, tenho tocado muito mais do que há cinco anos. E muito em festivais para jovens, daqueles em que o pessoal acampa. Fiz um grande em Brasília, outro em São Paulo, Curitiba, dois em Pernambuco. Algumas cidades muito peessedebistas não me levam mais. Mas tenho ainda muitos lugares do mundo para tocar”, diz Chico, que desembarca em Belo Horizonte nesta terça-feira (19) para participar do Festival de Arte Negra (FAN-BH).
Nesta noite, no Sesc Palladium, ele faz o show de lançamento de seu nono álbum, O amor é um ato revolucionário – nome da faixa de abertura, canção com vocação para hino com solo de guitarra de Luiz Carlini. Lançado em setembro, o disco, com 13 faixas, é um retrato não só do Chico César de hoje como também uma crônica, por vezes leve, noutras ácida, de um país dividido.

“Aos idiotas falsos patriotas/ Vendilhões do templo-nação/ Digo: não”, diz a letra de Cruviana. “Deixa de ser mané/ Deixa a mulher só ser/ É melhor”, canta ele com Agnes Nunes (que participa do show em BH), em De peito aberto. Com suingue, Eu quero quebrar traz as palavras de ordem: “Eu quero quebrar a porra toda/ Onde houver o mal que eu leve o mel/ Eu quero que o sistema se foda/ Eu quero tirar minha ira do papel”, que Chico interpreta de maneira rasgada.

Ele rima bosta com posta na irreverente Like, com acento blues: “Quando curto essas besteiras/ Que você posta/ Às vezes eu me sinto um bosta/ Mas eu gosto/ Pois eu sei que você gosta.” A internet é tema recorrente no novo trabalho: “Eu tô ligado que você visualiza meu history/ Quer saber da minha vida”, são os versos iniciais de History, canção quase brega e cheia de malemolência que ganhou há três semanas um clipe criado a partir de vídeos enviados pelos fãs de Chico.

DIVERSIDADE 

O amor é um ato revolucionário é um disco de muitos temas, diverso também na sonoridade. “Musicalmente, quis exercer minha liberdade neste trabalho. Por isso os improvisos longos, por isso gravei com a banda ao vivo, com todos ao mesmo tempo, sem pressa de acabar”, conta Chico. A banda do show é a mesma do álbum, “três moças e três rapazes”, ele diz. Gledson Meira (bateria), Simone Sou (percussão), Ana Karina (baixo), Helinho Medeiros (teclados), Sintia Piccin e Richard Fermino (sopros).

Ao vivo, o septeto “toca o disco novo até enjoar”, diz Chico. “Mas como é o Festival de Arte Negra (do qual ele participou anteriormente, com show e aula-espetáculo), em algum momento vou encaixar canções antigas como Negão, Mama África, Mand'ela. E também há canções no disco novo, como Luzia negra, As negras e Minha morena, já que são o tema do FAN. O lugar de fala do artista negro é a sua arte. Quanto mais nos expressarmos com liberdade, melhor é para a própria causa.”

Artista politicamente engajado desde sempre, Chico César, a partir de 2013, começou a observar como o Brasil “estava caminhando para um lugar muito escuro, tanto do ponto de vista das relações humanas quanto de trabalho.” Lançou, em 2015, Estado de poesia, que já trazia algo de sua observação do período – a verborrágica e crítica Reis do agronegócio chegou a ser cantada por ele no Congresso Nacional.

“Ao mesmo tempo que estava vivendo o momento feliz de voltar para a estrada depois de um período na gestão pública (entre 2011 e 2014, ele foi secretário de Cultura da Paraíba na gestão de Ricardo Coutinho, do PSB), passei a me envolver com movimentos sociais. (Dessa maneira) Fui compondo canções que são também um comentário meu como cidadão, como usuário da rede”, continua. A produção se intensificou a partir de questões nacionais – “o movimento pela derrubada de Dilma, o Fora Temer, o assassinato de Marielle, a prisão de Lula”.

Algumas das canções do novo trabalho – Pedrada, O amor é um ato revolucionário e History – ficaram conhecidas primeiramente nas redes sociais do músico, em registros informais. “Comecei a achar que algumas delas não precisavam de ineditismo. Ali, naquele momento, era apenas um cara tocando violão em casa. O disco, de certa forma, vem coroar as minhas observações nesse período.”

O álbum de estreia de Chico César está completando 25 anos – ainda que tenha sido lançado em 1995, Aos vivos foi gravado no ano anterior. “Estou sempre mudando. Naquele primeiro disco, era só voz e violão. Já o segundo foi com banda”, comenta. Faz também um quarto de século o hit Mama África. “É uma música que ainda gosto de tocar, acho que ela tem o que dizer. Afinal, ali é a história da mulher negra largada pelo marido.” Essa história, independentemente da roda do tempo, está sempre se repetindo.

Aos 55 anos, o cidadão ilustre de Catolé do Rocha nota algumas diferenças em sua carreira. “Sinto que nos últimos cinco, seis anos, meu público vem rejuvenescendo. Hoje, tem tanto o pessoal mais ligado na MPB quanto gente muito jovem da cena mais alternativa independente. São garotas e garotos de 14 anos, acho incrível, muito animador. A arte tem um poder tão transgressivo que ela atravessa a coisa da idade”, conclui.

CHICO CÉSAR
Show de lançamento do álbum O amor é um ato revolucionário. Nesta terça-feira (19), às 21h, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Entrada franca. Ingressos serão distribuídos no local a partir das 19h. Informações: www.fan.pbh.gov.br 

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