Quatro clipes para entender como estes talentos projetam nacionalmente o rap de Minas

FBC, Sidoka, Hot e Chris MC conquistam fãs na internet e chamam a atenção do Brasil para o hip-hop de BH. Parceiros de Djonga, eles representam as quatro gerações do rap mineiro

Tiago Rodrigues* 09/06/2019 08:00
Rubia Cely/divulgação
Rubia Cely/divulgação (foto: Rubia Cely/divulgação)

Na década de 1970, Belo Horizonte ficou conhecida como o berço do Clube da Esquina. Depois, virou a cidade do heavy metal, com o surgimento do Sepultura. Nos anos 1990, Skank, Jota Quest e Pato Fu consagraram o pop mineiro. Neste século 21, BH é o celeiro nacional do rap.

Desde 2007, multidões se reúnem embaixo do viaduto Santa Tereza, no Centro, para acompanhar animadas disputas de jovens que improvisam rimas em batalhas do chamado freestyle. Promovido pelo coletivo Família de Rua, o Duelo de MCs já ultrapassou as montanhas há tempos. Em dezembro, promove sua oitava edição nacional, com 16 finalistas. A “peneira” é gigantesca: etapas classificatórias vêm mobilizando rappers em 300 cidades de todos os estados, além do Distrito Federal. Neste domingo (9), aliás, tem pré-seletiva debaixo do viaduto, em BH.

Djonga, de 25 anos, é fruto dessa cena, um dos nomes mais importantes do rap brasileiro. Fenômeno na internet – as 10 faixas do álbum Ladrão, lançado em março, bateram 27 milhões de visualizações em seu canal oficial no YouTube –, tem três discos no currículo e o respeito da crítica.

FBC, Sidoka, Hot e Chris MC comprovam que o rap mineiro não se limita a Djonga. A diversidade é a marca registrada do hip-hop de BH, observa Pedro Valentim, o PDR, integrante do Família de Rua.

“FBC é de uma escola anos 1990, mais pesado. Ele consegue conversar bem com o rap atual, com o trap. A dupla Hot e Oreia tem uma veia de humor que, apesar de não ser algo novo, traz um fôlego diferente. Os dois falam de coisas sérias de forma mais debochada. Chris tem sangue de MC de batalha, mas transita com tranquilidade no estilo melódico, sempre usando bem o autotune. E o Sidoka, que acompanho de longe, é o reflexo do novo momento do rap. Tem aquela atitude mais punk no lance de usar a voz e de não respeitar muito os padrões”, afirma PDR. A pedido do EM, o quarteto se reuniu para falar de seu trabalho e da cena de BH, comparada a Compton, o celeiro californiano do hip-hop americano.

FBC, o cronista

Em outubro, o disco S.C.A – Sexo, cocaína e assassinato foi lançado por Fabricio Soares Teixeira, o FBC, de 29 anos, 16 de hip-hop. Ele pertence à primeira geração do rap de BH. “Apesar de não ser um assunto que as pessoas conversem diariamente ou falem abertamente em público, escolhi o título por ser a realidade próxima do meu dia a dia”, comenta ele, que mora em uma ocupação urbana na capital, é casado e tem três filhas. Depois de vender muita água no sinal, hoje FBC aposta na carreira solo. Há poucos meses, era o fiel escudeiro de Djonga nos palcos.

O artista integrou um celeiro de talentos: o coletivo DV Tribo, já extinto, ao lado de Djonga, Clara Lima, Hot, Oreia e do DJ Coyote Beatz. S.C.A é um liquidificador sonoro. Cronista da BH contemporânea, Fabrício fala do dia a dia da periferia, violência, preconceito, da luta por moradia e da causa LGBT. Com 10 faixas, o álbum tem capa “histórica”: traz FBC no Cemitério do Bonfim, assim como fez a banda Sarcófago, pioneira do death metal brasileiro, em seu disco de 1987.

As faixas de S.C.A somam 10 milhões de visualizações no canal do artista no YouTube. FBC tem 243,6 mil ouvintes mensais na plataforma Spotify. Feliz com esses resultados, batalha para ser reconhecido nacionalmente. Em 2018, S.C.A foi considerado o melhor disco do ano em pesquisa do site especializado RND. Ficou em quinto lugar na lista de álbuns do ano da revista Red Bull.

FBC diz que vem conquistando espaço graças à “guerrilha no Twitter”. Nas redes sociais, ele posta a frase “escuta meu álbum”, marcando fãs e celebridades – de Marcelo D2 ao presidente Jair Bolsonaro. Os admiradores aderiram ao “guerrilheiro” e retuítam: “Hoje você já escutou o álbum do FBC?”.

Fabrício tem feito shows em Minas, Pernambuco, São Paulo e Mato Grosso. Em 22 de junho, estará no line up do Gang Festival, na Serralheria Souza Pinto, em BH, onde vai apresentar na íntegra o repertório de S.C.A . Inscreveu-se para participar da Virada Cultural de Belo Horizonte. Os fãs já se mobilizaram, lançando a campanha #FBCnaviradaculturalBH.

CHRIS MC, o campeão

Ele tem 22 anos, foi criado nos bairros Ribeiro de Abreu e Monte Azul, na Região Norte de BH. Muito jovem, fez história no Duelo de MCs, assim como a irmã, Clara Lima, de 19. Victor Silva de Lima, o Chris MC, foi campeão do Mic Master Brasil 2017. Há dois anos, mudou-se para o Rio de Janeiro. É parceiro de FBC e de Djonga. Seu “rap love” Se você quiser foi ouvido 7 milhões de vezes no Spotify. No YouTube, os vídeos do mineiro bateram 34 milhões de visualizações.

Prin$ (2019), o álbum de estreia, tem 11 faixas, com referências tanto à mitologia grega quanto à série histórica Vikings. As letras falam de amor, amizade, autoestima, negritude e orgulho. Com produção de Malive (do grupo 1 Kilo), o trabalho foi lançado pela produtora Pineapple Storm com participações de SOS, Baviera, Luccas Carlos, Pan Mikelan e FBC.

A capa traz o rosto do artista com os olhos cobertos por uma faixa branca e derramando lágrimas de sangue, referência a Slime season 3, álbum do americano Young Thug. “Uma produção 100% Chris MC”, resume. O clipe de Pros meus manos traz cenas de onde o rapper foi criado, com direito à participação dos amigos. “Essa música é um prelúdio do disco. Traz o recado de que eu me sentia meio em débito com quem me aplaudiu quando participava das batalhas. E que continuou a me aplaudir quando toquei no Planeta Atlântida e no Planeta Brasil”, conta, referindo-se a importantes festivais do país.

O jovem mineiro participou de EP gravado no Uruguai com os rappers Cesar MC, Xamã e Knust, veiculado pelo canal da produtora Pineapple. As seis faixas bateram 36 milhões de reproduções. Chris promete para agosto o EP Jovem estrela, com Knust e Malive.

SIDOKA, a revelação

Aos 19 anos, Nicolas Paolinelli, o Sidoka, representa a quarta geração do rap mineiro. Seu canto veloz chama a atenção, além das letras inusitadas com gírias criativas. Esse garoto-prodígio é cria da internet: mensalmente, 300 mil fãs o ouvem no Spotify. No YouTube, já ultrapassou 19 milhões de acessos.

Sidoka ganhou destaque em 2018, ao participar de UFA, faixa de O menino que queria ser Deus, o elogiado disco de Djonga – com ela, a dupla superou 12 milhões de views nas plataformas digitais.

Criado na região da na Serra, em BH, Nicolas estudava no Estadual Central, onde ocorriam batalhas parecidas com os duelos no Viaduto Santa Tereza. Foi ali, no colégio, que Sidoka “nasceu”. No início, ele rimava “de zoação”. Mas os amigos insistiram e passou a escrever letras. Gostava de improvisar.

Nicolas lançava raps na plataforma Soundcloud. Surpreendeu-se ao notar que os colegas de sala, de manhãzinha, já tinham as rimas na ponta da língua. Decidiu virar artista. E trocou o Soundcloud pelo palco virtual do YouTube.

Certo dia, Sidoka foi ao Growers Espaço de Cultura, no Anchieta. Pediu a Gustavo BP, atração da noite, para fazer uma participação durante o show dele. Djonga estava lá. Nervoso, o menino subiu ao palco. Surpreso, constatou que a casa, lotada, sabia cantar o refrão que ele havia criado.

“Vou procurar saber de você”, avisou Djonga. E cumpriu a promessa, convocando o garoto para gravar UFA. Foi a primeira vez que Sidoka entrou em um estúdio. O marcante refrão veio de Nativo, rap do jovem da Serra. “Minhas letras são ‘sujas’. Se você for conferir no Soundcloud, vai ver que as mais antigas são pesadas. Mas também tem música sobre superação”, diz ele.

Em dezembro, Sidoka lançou Elevate, seu primeiro disco, com 13 faixas. Em março, soltou o LP Sommelier, com seis. Até o fim do ano, promete mandar para as redes o EP Doka language.

HOT, o marionetista

Mario Apocalypse do Nascimento, de 26 anos, é conhecido como Hot. Aos 7, esse menino criado no Bairro Floresta já trabalhava com teatro de bonecos. Aliás, ele não se considera rapper, mas ator e marionetista. “Mais marionetista do que ator”, reforça.

Tá no sangue. Ele é neto de Álvaro Apocalypse (1937-2003), artista plástico, cenógrafo, professor e fundador do Grupo Giramundo, aclamada companhia mineira de teatro de bonecos. Um dos idealizadores do Sarau Vira Lata, coletivo que leva poesia para as ruas da capital, Hot passou a frequentar o Duelo de MCs em 2009. Lá, conheceu o DJ Coyote, FBC e Well. O quarteto criou o grupo Caos. Anos depois, nascia DV Tribo – Geração Elevada, coletivo de hip-hop formado por Coyote, Djonga, FBC, Clara Lima, Hot e Oreia.

“A gente – ou seja, a Geração Elevada/Original GE – foi crescendo. No começo, a parada caiu na minha cabeça e eu não sabia o que era. Uma crew? Um coletivo? Hoje sabemos que é um sentimento”, diz Hot. As letras de seu último EP, Lua em escorpião (2018), falam das prisões de cada um de nós, sobretudo nesta era digital. “Vivia muito isso. Às vezes, deitados na cama, ficávamos eu no celular e a minha mulher no dela. Dava a sensação de que ambos estávamos presos em outro lugar. Foi muito louco. Foi assim que descobri o conceito do meu trabalho”, revela.

A primeira faixa, Sol, tem clipe gravado na Praça da Liberdade e produzido por Djonga. Midnight lupa é parceria com Sidoka. A capa homenageia Antimaldito (1985), disco de Jorge Mautner, uma das maiores referências para Hot.

Em 3 de junho, a dupla Hot e Oreia mandou para o YouTube o clipe Eu vou. Com participação de Djonga, ele remete a Auto da Compadecida, obra-prima de Ariano Suassuna, e fala do Brasil atual. Em três dias, ultrapassou 500 mil visualizações no YouTube. É o primeiro single de Rap de massagem, disco que os dois pretendem lançar em julho.

“(O título) É uma brincadeira com o rap de mensagem, que, aliás, a gente considera um conceito sério. Estamos tirando uma onda com isso. Há algumas tensões no ar, mas o nosso som vem para tranquilizar”, explica Hot. “Temos uma veia potente humorística. É onde a gente se encontra com facilidade. Mas o disco também é sério, tenso. Esperamos fazer uma massagem metafórica”, conclui.

* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

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