Djavan faz show em BH e fala sobre a responsabilidade política dos artistas

Cantor diz que a vida está mais acelerada aos 70 e que "tudo volta a funcionar com a precisão de antes" quando ele reencontra o palco

por Mariana Peixoto 04/04/2019 08:00
 NANA MORAES/DIVULGAÇÃO
(foto: NANA MORAES/DIVULGAÇÃO)

Djavan tem pressa. E isso não tem nada a ver com a chegada dos 70 anos, em 27 de janeiro. “Não penso na idade, pois, para mim, ela é ligada à saúde, e a minha está legal. O que faz a gente correr cada vez mais são as atividades. A internet deixou a vida mais dinâmica, então trabalhamos muito mais. Quando vejo, já está na hora de dormir. É uma loucura, mas gosto do dinamismo.”

De sua geração, Djavan é um dos autores mais prolíficos. A cada três anos – “antes eram dois”, ele observa – lança um álbum. Com uma produção autoral muito vasta, não se detém, como outros contemporâneos da MPB, a ficar repisando o passado. “Sinto necessidade de, periodicamente, fazer novas canções. Durante um ano e meio componho, produzo, arranjo. Depois, passo outro ano e meio em turnê. Gosto de ter ciclos em minha vida.”

TURNÊ
Lançado em novembro, Vesúvio, seu 24º álbum, está no início da segunda parte do ciclo. Recém-estreada, a turnê chega a Belo Horizonte, com show neste sábado (6), no KM de Vantagens Hall. “E já estou pensando no disco que vem, ainda que não esteja necessariamente compondo. O tempo urge, tenho que estar atento a tudo, pensar com muita antecedência.”

Vesúvio reúne 13 faixas – seis delas estarão no show. “Teve gente que associou a Novena (1994) e Malásia (1996). Eu acho que é um disco que mostra o que sou hoje. Embora tenha um acento pop numa canção ou outra, obedece à diversidade que me formou”, continua.

No palco, ele estará com a banda que gravou o disco – Felipe Alves (bateria), Arthur de Palla (baixo), Paulo Calasans (piano) e Renato Fonseca (teclados). O guitarrista Torcuato Mariano, velho parceiro de Djavan, não está na turnê, porque não tinha agenda – foi substituído por João Castilho. “Sempre levo a banda do estúdio para a estrada, pois a coisa fica mais tranquila e rápida”, diz.

Para quem está com Vesúvio na ponta da língua, Djavan vai apresentar canções como Orquídea, Viver é dever e Solitude, além da canção-título. São todas músicas marcantes do álbum. O samba Orquídea é resultado da paixão dele por uma das maiores famílias de plantas existentes. Em sua casa, na região da Barra da Tijuca, o músico montou um orquidário que tem mais de 300 espécies – o número de exemplares chega à casa das oito centenas. Ele e um funcionário cuidam de tudo.

Para a letra, ele citou 16 espécies. “A escolha foi mais ou menos aleatória. Fui colocando aquelas cuja sonoridade pudesse fazer alguma analogia”, conta o autor de Flor de lis, Pétala e Açaí. “Lembra aquela Phalaenopsis/Que você me deu/Me deixou com Sophronitis/Por um beijo seu”, são os versos iniciais de Orquídea. “No momento em que descobri que havia uma Javanica, que parecia algo inventado em relação com o meu nome, pude me divertir”, acrescenta.

Viver é dever – “Tudo vai mal/Muito sal/Nada vai bem/Pra ninguém” – e Solitude – “Quem é que sabe/O quanto lhe cabe/Dessa solitude?/Por isso a hora/De fazer é agora/Tome uma atitude” – são canções-irmãs pela temática. “Acho que a pessoa que lida com arte, principalmente quem tem tribuna, voz, tem que dizer alguma coisa. O Brasil é um país imenso, com uma potencialidade absurda, que só não é uma grande potência por falta de uma administração séria. Se você diz as coisas e as pessoas o ouvem, você também tem responsabilidades quanto a isso”, diz.

Para Djavan, a transformação que está em curso é mundial. “E o Brasil, como poucos, está no meio disso, algo que te envolve de maneira irreversível. Estamos vivenciando coisas inimagináveis há 10 anos.” Mesmo diante das dificuldades, ele se diz um otimista. “Tento mostrar, mesmo nas letras com cunho político, que pior que está não dá para ficar. Temos que avançar.”

Em cena, Vesúvio obedece ao projeto gráfico do álbum. Na época do lançamento, muito se falou da capa, que emula, para alguns, Tutu (1986), de Miles Davis. Os dois álbuns trazem imagens dos respectivos músicos em fotos do rosto em close. A do trompetista é em preto e branco; a de Djavan, com foto de Nana Moraes, traz o rosto do cantor pintado em grafite, com alguns detalhes em dourado.

VULCÃO “A capa foi uma analogia ao vulcão Vesúvio (localizado em Nápoles, Itália) e o dourado e o preto remetem à lava viva e à lava seca. O show traz as mesmas tonalidades. A referência ao vulcão vem por meio de uma onda dourada, de forma bem sutil”, diz. Quando conversou com o Estado de Minas, Djavan só havia apresentado Vesúvio em duas ocasiões. “A ideia é sempre fazer uma mescla do trabalho novo com músicas de todas as épocas.” Questionado se os gritos das fãs mais afoitas, marca de suas apresentações há décadas, continuam, ele, um tanto sem graça, se limita a dizer: “Fã é fã, então os gritos continuam”.

Já são 42 anos desde o álbum de estreia, A voz, o violão, a música de Djavan. Diferentemente do que se nota em alguns de seus pares, a voz, a despeito da passagem do tempo, sofreu poucas alterações. “Tenho um pouco de estudo, de sorte e de cuidado”, conta ele, que atualmente trabalha a voz com a fonoaudióloga mineira Janaína Pimenta (que tem também entre seus clientes Ivete Sangalo e Gilberto Gil).

No início da década de 1970, quando o alagoano Djavan chegou ao Rio de Janeiro, atuou como crooner em boates. “E foi nessa época que adquiri algumas técnicas que me trouxeram até agora de uma maneira tranquila. Fazia parte de uma banda em que o líder gostava de cantar em tons altos, muito mais altos do que normalmente eu cantaria. Tive que desenvolver uma técnica própria para aprender a defender a minha voz de um desgaste tão grande”, conta.

Começar uma nova turnê é, na opinião de Djavan, “algo impressionante”. “Voltar a encarar do palco a plateia dá uma renovada na alma, no corpo. Tudo volta a funcionar com a precisão de antes.” Por ora, Vesúvio já tem agendados 18 shows no Brasil e seis no exterior – Argentina, Chile, Portugal e Inglaterra. A participação de Jorge Drexler em Esplendor, faixa-bônus do álbum (a canção é uma versão em espanhol de Meu romance) é uma tentativa de Djavan ir além.

“Quando compus Meu romance, vi que, como era um bolero, eu poderia lançá-la no mercado latino. Liguei para o Jorge (uruguaio radicado na Espanha), que me perguntou se eu queria uma letra nova ou uma versão. Disse que o que ele preferisse, então gravamos uma versão.” Esplendor foi gravada por Djavan no Rio e por Drexler em Madri. Os dois nunca se viram pessoalmente. A ideia é que este encontro se dê no palco, de preferência no exterior.

DJAVAN
Show neste sábado (6), às 22h, no KM de Vantagens Hall, Avenida Nossa Senhora do Carmo, 230, São Pedro. Ingressos: mesa – R$ 1.120 (quatro pessoas); arquibancada 4º lote – R$ 140 e R$ 70 (meia). À venda na bilheteria e no www.ticketsforfun.com.br.

MAIS SOBRE MUSICA