Há 30 anos na estrada, Atack Epiléptico relança primeiro álbum com show em BH

Banda segue fiel aos princípios de contestação e se apresenta nesta noite ao lado de Slama, Desespero e Estática

por Pedro Galvão 22/12/2018 06:00

“Mundo animal, é o poder do capital/ É um jogo vulgar, muitos matam para ganhar/ Matam os animais, exterminam os vegetais/ Religião em excesso, me sinto enjoado, fui batizado/ Implantam multinacionais, destroem estatais, é o poder dos maiorais.” A letra de Mundo animal, em poucos versos, toca em questões atuais de grande ressonância midiática, que pautam debates políticos e movimentos sociais. No entanto, foi gravada há 30 anos, pela banda Atack Epiléptico. Grande ícone do punk rock belo-horizontino, eles são prova contundente de que o movimento “não está morto”, tal qual alertam adesivos, pichações e até estampas de camisetas mundo afora, sobre essa forte contracultura que também encontrou seu nicho na capital mineira nos anos 1980 e preserva os ideais libertários até hoje.

Executada em velocidade máxima nas baterias, desarmonia nos acordes e vocal extremamente gutural, ela é uma das faixas do disco Convulsões e distúrbios da consciência, de 1990, e relançado agora pela Cogumelo Records. A edição especial inclui ainda as músicas do álbum Decadência social, que era parte da coletânea BH Core, de 1988. Para marcar o relançamento e celebrar os 30 anos de longevidade, a banda se apresenta hoje na Marcenaria Artística, no Bairro Nova Esperança, Região Noroeste da capital, no mini-festival chamado Aqui não tem Natal, que reunirá outros grupos de rock contestador. “É um evento de denúncia e protesto contra a farsa materialista que é essa data”, explica o vocalista Enieverson “Ameba” Rodrigues, fundador do Atack Epiléptico ainda na adolescência, juntamente com o irmão e baterista Nado, falecido em 2014 e homenageado no encarte do disco, que traz fotos e outras imagens de arquivo do grupo.

Ameba é o único remanescente dos primórdios da banda, mas hoje tem a companhia de outros contemporâneos de movimento que, assim como ele, não deixaram o tempo levar a postura combativa contra as injustiças sociais e sistemas políticos, alvos dos protestos que fazem nas músicas. Ou melhor, nas “anti-músicas”, como define o próprio cantor.
Leandro Couri/EM/D.A Press
Ronaldo, Morto, Ameba e Carl, do Atack Epiléptico, defendem a bandeira do "faça você mesmo" (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


GRINDCORE

A efervescência criativa e rebelde do underground belo-horizontino nos anos 1980 era dominada pelo heavy metal, cujo expoente máximo foi o Sepultura, além de outras bandas de alcance internacional, como Sarcófago, Overdose e Mutilator. No entanto, também havia espaço para o punk, movimento que, em São Paulo, explodia musicalmente através do Cólera e do Ratos de Porão. Por aqui, o Atack Epiléptico foi ponta de lança em uma vertente ainda mais barulhenta do estilo. “Fomos um dos precursores do grindcore no Brasil, a chamada antimúsica ou noise music. O Convulsões e distúrbios da consciência foi o primeiro LP de uma única banda punk em BH”, destaca o vocalista e letrista.

Na época, assumir a filosofia do punk e sua indumentária subversiva à estética convencional, com os cabelos coloridos, jaqueta de couro, trajes rotos, piercings e tatuagens, tudo bem antes de isso se tornar moda, chegava a ser um risco. “Ser punk em Minas Gerais na década de 1980 era muito difícil. Sofremos preconceito, incompreensão, perseguição da polícia, discriminação da sociedade, mas atravessamos esses anos levantando a bandeira do anarquismo, confrontando a sociedade conservadora, machista, chauvinista e racista. O Atack Epiléptico é uma metralhadora giratória influenciada pela desgraça social”, relembra Ameba.

Ele conta que, mesmo entre outros grupos contestadores, a aceitação era complicada. “Tivemos nossos atritos com o pessoal ‘headbenger’ do metal, mas felizmente isso foi superado e hoje convivemos em harmonia. Não há motivo para rivalidade, são movimentos rebeldes, de contracultura, e temos que nos unir contra o Estado e o sistema”, argumenta.

Em sua constante batalha musical e comportamental, o Atack Epiléptico, bem como outras bandas punks, grita contra a violência policial, o militarismo, os governos de um modo geral, as religiões, a indústria da carne, os preconceitos e desigualdades de gênero, raça e classe social. Temas em voga atualmente e já levantados por eles no passado. No álbum recentemente relançado, Indústria da seca fala sobre o descaso do governo federal com o Nordeste. Apelo de mercado critica a prostituição e a exploração sexual de mulheres, enquanto Economia roubada protesta contra o imperialismo e o capital estrangeiro.

ATIVISMO

“Fomos persistentes na proposta do ‘faça você mesmo’. Estivemos lado a lado com diversos grupos sociais, como o Movimento Negro Unificado, movimentos de mulheres, a causa do veganismo, sempre publicando fanzines e organizando passeatas”, detalha o mais antigo integrante da banda, que hoje tem Carl Dornellas (baixo), Ronaldo Seth (guitarra) e Morto Drums (bateria).

Com pelo menos 30 anos dedicados ao movimento punk e ao rock extremo, Ameba vê evolução nas relações sociais e na aceitação da ideia defendida por ele e seus companheiros. “O anarquismo tem várias vertentes e o movimento punk vários nichos. Hoje, há mais compreensão, temos mais autonomia para organizar eventos, gravar discos, tudo isso é mais possível do que há 30 anos. Estamos sempre refazendo e reformulando”, compara. Por outro lado, ele alerta para um avanço do conservadorismo e de movimentos de extrema-direita que ganharam força no Brasil nos últimos anos. “É um momento delicado, que coloca em xeque vários direitos conquistados. É uma ameaça real e a nossa mensagem é que fascistas não passarão. Somos um país multicultural e assim tem que ser. Somos apátridas, internacionalistas, o que vale é a humanidade. Regionalismo, nacionalismo e patriotismo são sentenças de morte”, dispara o líder do Atack Epiléptico.

Acesse o portal Uai E+ e confira o material de vídeo da reportagem.

AQUI NÃO TEM NATAL
Shows com Atack Epiléptico, Slama, Desespero e Estática
Sábado (22), às 14h, na Marcenaria Artística (Rua Itaiumi, 1.033, Nova Esperança). Ingresso: R$ 10

Convulsões e distúrbios da consciência Decadência  social (BH Core 1988)
Cogumelo Records
29 faixas
R$ 25

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