Gilberto Gil lança álbum com mensagem pelo amor e contra intelorância

Ok ok ok traz canções dedicadas à família, aos amigos e uma resposta, na faixa-título, em nome de ''todos os perseguidos por essa obsessão recente do discurso de ódio''

por Estadão Conteúdo 14/08/2018 08:00
HELVÉCIO CARLOS/EM/D.A.PRESS
(foto: HELVÉCIO CARLOS/EM/D.A.PRESS)


O destino que foi determinado ao ex-presidente Lula é um destino complexo, entristecedor para uma parte muito grande da vida brasileira, que teve nele uma referência para as questões da emancipação na vida social do país e que vê na condenação e prisão dele um viés de perseguição política

. Gilberto Gil, cantor, compositor e ex-ministro da Cultura

Existe uma plenitude no olhar de Gilberto Gil, de quem passou por uma tempestade e saiu ileso. Mas Gil não fez essa travessia sozinho. Ao seu lado, estavam família, velhos amigos, novos amigos. Em 2016, o músico fez tratamento para insuficiência renal. Veio, então, a apreensão. E criou-se uma rede de amor ao seu redor, que ele, como compositor, captou e transformou em música. Nesse período de tratamento e recuperação, compôs de quatro a cinco músicas. A elas uniram-se outras canções inéditas e, juntas, deram origem ao seu novo disco, Ok ok ok, já disponível em vinil, CD e no Apple Music. A partir de sexta (17), estará em todas as plataformas digitais.

É o disco mais afetivo de sua carreira. “Sem dúvida”, concorda o músico, aos 76 anos, em entrevista sobre o lançamento. “É (o trabalho) mais explicitamente afetivo, porque tive de trazer a afetividade para as denominações familiares: filhos, netos, bisneta.” Explica-se. Nesse universo de acolhimento que Gil recriou em Ok ok ok, há uma coleção de músicas dedicadas a personagens específicos desse seu círculo de vivência – e convivência. Canções à sua mulher, Flora (Na real e Prece); às novas musas Maria Ribeiro e Andréia Sadi (Lia e Deia), ao amigo e violonista Yamandu Costa (Yamandu, com o homenageado tocando na faixa). Para seus médicos, Roberta Saretta e Roberto Kalil, fez, respectivamente, Quatro pedacinhos e Kalil (esta, como uma das faixas-bônus). Na primeira composição, Gil transformou em poesia a biópsia ao qual seu coração foi submetido; na segunda, fez um tributo ao Dr. Kalil numa roupagem quase naïf.

Nas referências às novas gerações, a sensação é de celebração aos entes que vão dar continuidade à família e, por tabela, à linhagem Gil. Sua bisneta é tema de Sol de Maria. Para os netos, fez Sereno (a primeira parceria dele com o filho Bem Gil, produtor do disco) e Tartaruguê (esta em homenagem a Dom). “Para ele, praticamente só existiam as Tartarugas Ninjas, além do pai, da mãe (risos). Aí fiz a música para ele. Tartaruguê quer dizer o quê? Não quer dizer nada, é um balbuciar infantil sobre alguma coisa”, diverte-se Gil.

A canção Jacintho foi pensada para um amigo que entrou em sua vida mais recentemente, quando estava às vésperas de completar 100 anos. Isso fez o músico refletir sobre o envelhecer. Esse tema também é debatido por ele e Caetano Veloso no primeiro episódio de Amigos, sons e palavras, programa de entrevistas feitas por Gil,  que estreia no dia 21, às 21h30, como parte das comemorações de 20 anos do Canal Brasil.

Foi um assunto sobre o qual Gil pensou durante sua recuperação, conta ele. “Mas com o consolo de ter tido essa preocupação mais jovem, de ter me dedicado, durante longa parte da minha vida, à questão da saúde, de ter respeitado essa questão da velhice. Ao mesmo tempo, a gente se habitua a lidar com a ideia permanente da finitude. Como dizia Canô (mãe de Caetano), quem não morre envelhece. E quem envelhece traz a carga disso, de ter vivido com essa questão da finitude cotidianamente, de ter pensado nisso para que isso não viesse a se tornar um drama.”

ÓDIO
Em contrapartida a todo amor que envolve seu disco, a primeira faixa, Ok ok ok, é o único momento em que Gil fala de como ele é alvo de ódio nas redes sociais – e de como é exigida dele opinião sobre tudo. É um desabafo? “Para nós e para muita gente. Todos esses visados, perseguidos por essa obsessão recente do discurso de ódio, da manifestação ofensiva contra as pessoas, contra certas escolhas de vida das pessoas, esse discurso da intolerância. Ali é a parte que me toca, especialmente no meu caso, por causa de um certo hábito histórico que se instalou da nossa vida, por força da função que a nossa geração teve nos anos 1960, 70, de se fortalecer junto à sociedade brasileira, para resistir à ditadura. Em Ok ok ok sou eu, mas são todos os nossos colegas, conhecidos e anônimos.”

Por falar em redes sociais, após muitos pedidos, Gil atualizou, duas décadas depois, a letra de Pela internet, que, no novo disco, ganhou a versão Pela internet 2. Ainda falando em redes, como é se posicionar politicamente nos dias de hoje, como fez no Festival Lula Livre? “Acho que é importante, porque o destino que foi determinado ao ex-presidente Lula é um destino complexo, entristecedor para uma parte muito grande da vida brasileira, que teve nele uma referência para as questões da emancipação na vida social do país e que vê na condenação e prisão dele um viés de perseguição política, que, para mim, também é visível”, responde Gil. “Cantar Cálice (com Chico Buarque, no festival) foi simbólico; cantei-a raríssimas vezes. Aí Chico sugeriu, e eu disse: ‘Vamos cantar’. Acho (essa música) triste, pesada. Ali tinha uma coisa política.” (Estadão Conteúdo)

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