Trilha da novela global ambientada na Bahia ajuda a dar novo impulso para o axé

Ritmo dominou a música nacional nos anos 1990. Mas há dúvida, até entre quem já fez sucesso com o gênero, se a moda vai pegar

por Ana Clara Brant 23/06/2018 09:00

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Felipe Pezzoni, novo vocalista da Banda Eva, diz que o grupo incorporou outras influências e deve ficar atento ao futuro (foto: Image Dealers/Divulgação )

O mais belo dos belos, Me abraça, Baianidade nagô, Mal acostumado e Beleza rara são clássicos da axé music que ganharam nova roupagem em 2018. Todas essas canções fazem parte da trilha sonora de Segundo sol, novela das 21h da TV Globo. Na trama de João Emanuel Carneiro, Beto Falcão (Emílio Dantas) é um cantor baiano que teve fama no passado graças a seu hit chiclete Axé pelô. O artista estava praticamente no ostracismo quando se viu de volta aos holofotes por conta de uma armadilha do destino. O avião em que deveria estar caiu, e amigos, família e imprensa, sem saber que ele não havia embarcado, deram-no como morto. Foi o suficiente para sua carreira deslanchar de vez.


“Nossa intenção principal ao regravar esses sucessos do axé é homenagear o gênero, que é tão importante para a nossa cultura, mas com arranjos novos e outros cantores. Queríamos trazer os grandes clássicos da axé music dos anos 1990, mas com algum diferencial. Então, reunimos canções lindas e contagiantes que fazem parte da memória afetiva de quem viveu aquela época. Conseguimos um resultado incrível!”, avalia Dennis Carvalho, diretor artístico da produção. Ele acrescenta que, justamente por ser ambientada na Bahia, era importante a presença do axé no folhetim global. “Axé music é um gênero muito popular. Ninguém consegue ouvir e ficar parado. Gosto muito da Ivete Sangalo, do Carlinhos Brown... Tem artistas que acho que têm um carisma excepcional. Se a novela ajudar a reerguer o axé, ficaremos muito felizes”, afirma.


Entre os artistas convidados para fazer parte da trilha de Segundo sol está Alcione, que fez uma bela versão de O mais belo dos belos/ O charme da liberdade. A canção se tornou famosa na voz de Daniela Mercury, quando a baiana estourou nacionalmente, no começo da década de 1990. A Marrom conta que foi convidada pelo departamento musical da Globo para interpretar a música e não pestanejou.
Ângelo Pontes/Divulgação
Daniela Mercury teve um de seus sucessos dos anos 1990, a canção O mais belo dos belos, sobre o Ilê Aiyê, regravada por Alcione (foto: Ângelo Pontes/Divulgação )

“Sempre adorei essa música. Ela foi uma das que levantaram o axé. E tem todo um simbolismo, não só para a Bahia, mas para mim, já que a letra fala do Ilê Aiyê, o mais antigo bloco afro do carnaval de Salvador, no qual já desfilei. Acho que não teria como falar de Bahia sem ter axé na história”, comenta.


O duo Anavitória, formado pelas tocantinenses Ana Clara Caetano Costa e Vitória Fernandes, conta que o axé embalou a infância das duas e, por isso, elas têm uma ligação afetiva forte com o estilo. Foi na folia deste ano que as meninas decidiram gravar Me abraça, sucesso na voz de Ivete Sangalo que é o tema do casal protagonista da novela global, Beto e Luzia (Giovanna Antonelli). “A gente queria gravar um EP de carnaval, e a ideia era regravar alguns hits do axé. O resultado ficou lindo, e a canção acabou entrando na trilha da novela”, conta Vitória.    

Para Ana, o axé já teve seus momentos mais gloriosos, mas, assim como os demais gêneros musicais, é natural que ele passe por ciclos. “Teve uma época em que ele estava no auge, e agora vivemos o momento do sertanejo e do funk. Acho que a novela pode dar uma reavivada nisso, até porque muita gente adora o ritmo”, diz. Outro que está achando “massa” é Netinho. O cantor tem duas músicas na trilha da novala. A versão original de Milla, gravada por ele em 1996, e Preciso de você, que ganhou novas cores com Sandy. “Acho bacana a novela mostrar o axé, principalmente para essa geração mais nova, que não viveu aquela época das grandes micaretas e carnavais. Espero que esse pessoal assista, ouça e curta essas canções que fazem parte da história da nossa música.”

RENOVAÇÃO O marco inicial da axé music é Fricote (1985), de Luiz Caldas. O cantor e compositor mantém há sete anos o projeto de lançar a cada mês um novo disco, passeando por vários estilos musicais. Na opinião dele, assim como o samba, a valsa e o carimbó, por exemplo, a axé music é um gênero musical estabelecido. “Como criador do axé, posso afirmar isso. Ele já esteve no topo, mas não está mais. Mas tudo é cíclico. A novela tem um poder muito grande de promover qualquer coisa, inclusive um estilo musical. É natural, mas não determinante”, analisa.


Autor de sucessos como Milla, Acabou, Praieiro, Ê saudade e sócio-fundador da banda Jammil e Uma Noites, Manno Góes não é tão entusiasta em relação à probabilidade de Segundo sol trazer o axé à tona. Para ele, o estilo parou no tempo e não passou pela renovação que deveria, por culpa, sobretudo dos próprios artistas. “Todos nós somos responsáveis por isso. Cada um olhou para o próprio umbigo. O axé ficou limitado a seus personagens, como se eles fossem maiores do que o carnaval e até do que a própria Bahia. A classe é muito desunida. O axé teve uma força mercadológica impressionante, muita música de qualidade, mas perdeu espaço em rádio, eventos e, o pior, entre o público. Infelizmente, o axé envelheceu”, lamenta.


Manno enfatiza que a própria trilha da novela é uma prova disso, já que traz sucessos do passado, mesmo que repaginados. “Isso não significa que os artistas deixaram de fazer shows, discos, mas o que a Bahia precisa é de músicos comprometidos com a criatividade. É preciso se renovar, sair da zona de conforto. E não ficar se prendendo em novela que fala do passado”, opina.


Luiz Caldas é mais cauteloso quando o assunto é renovação. Para o baiano, o que tem qualidade não tem a mínima necessidade de ser renovado. “Renovação é uma palavra muito mais usada pelo lado comercial do que pelo lado criativo. O que poderíamos renovar ou modernizar no trabalho de Tchaikovsky ou Mozart, por exemplo? Nada, porque é perfeito, muito bem feito e muito difícil de ser executado. Mas existe, sim, a renovação de seus artistas e isso vem ocorrendo não só no axé, mas em vários segmentos. Mas a gente sabe também que o lance da propina, essa coisa de pagar para ser divulgado faz com que, muitas vezes, só um gênero apareça no país”, afirma.


Por falar em novas caras, Felipe Pezzoni, vocalista da Banda Eva desde a saída de Saulo Fernandes em 2013, acredita que o fato de o axé estar numa novela da Globo impacta de uma forma muito forte o mercado e acaba beneficiando não só os artistas, como toda a Bahia. Para o cantor, o axé segue firme e com bases sólidas. “As duas maiores cantoras brasileiras, na minha opinião, a Ivete Sangalo e a Claudia Leitte, representam o gênero. O mercado é cíclico. O axé, que já foi o gênero mais tocado no Brasil, agora não está no seu momento mais favorável e por isso passa por uma reestruturação. A gente tem percebido ano a ano um crescimento significativo, devido a essas novas caras que vão surgindo”, declara. Pezzoni acredita que o gênero pode, sim, se repaginar e, consequentemente, atrair novos fãs e adeptos. “A sonoridade do Eva de hoje é bem diferente do que fazíamos antes, porque percebemos novas influências que nossos ancestrais não tinham. O nosso som já pertence ao ‘new axé’, que já é mais próximo dessa geração. Nunca podemos esquecer de onde viemos, mas temos que manter sempre um olhar no futuro”, resume.

 

 

“Axé music é um gênero muito popular. Ninguém consegue ouvir e ficar parado. Se a novela ajudar a reerguer o axé, ficaremos muito felizes”

Dennis Carvalho,
diretor-artístico de Segundo sol

“Teve uma época em que ele estava no auge, e agora vivemos o momento do sertanejo e do funk. Acho que a novela pode dar uma reavivada nisso, até porque muita gente adora o ritmo”

Ana Clara Caetano Costa,
cantora do duo Anavitória

“Cada um olhou para o próprio umbigo. O axé ficou limitado a seus personagens, como se eles fossem maiores do que o carnaval e até do que a própria Bahia. A classe é muito desunida. Infelizmente, o axé envelheceu”

Manno Góes,
cantor e compositor

“A sonoridade do Eva de hoje é bem diferente do que fazíamos antes, porque percebemos novas influências que nossos ancestrais não tinham. O nosso som já pertence ao ‘new axé’, que já é mais próximo dessa geração”

Felipe Pezzoni,
vocalista da Banda Eva

Superação e positividade

Hilso Junior/Click Interativo/Divulgação
O cantor baiano declara que sua canção #Somostodosum não foi bem compreendida pelo público: Um dia as pessoas vão entender essa música (foto: Hilso Junior/Click Interativo/Divulgação)

Câncer, AVC, uso excessivo de anabolizantes, depressão, problemas no fígado. Muito se especulou sobre a saúde de Ernesto de Souza Andrade Júnior, o Netinho. O cantor baiano – que completa 52 anos em julho – prefere não entrar em detalhes sobre o que de fato ocorreu, apesar de já ter dado alguns depoimentos falando sobre a perda de peso, da voz, e das internações em hospitais. “Essa história já foi tão mal colocada, gerou tanta confusão e impressões erradas por ser cheia de detalhes que não quero mais falar sobre isso”, declarou ao Estado de Minas. No entanto, o artista assegura que, na próxima semana, vai ser entregue à Justiça, inclusive com provas, tudo o que realmente ocorreu com ele em 2013. “Qualquer pessoa vai ter acesso a isso. Todo mundo vai saber exatamente o que houve, para evitar achismos, especulações”, garantiu.


Completando três décadas de carreira, Netinho voltou a puxar um trio elétrico em abril, algo que não fazia há cinco anos. O retorno do músico ocorreu durante a Micareta de Feira de Santana (BA), considerada a primeira do Brasil. “Foi uma vitória absurda de superação. Cheguei a ter um dia em que me vi sem voz, sem movimento, sem memória recente e achei que nunca mais ia cantar. Depois de muita terapia, tratamento, consegui voltar a cantar”, ressalta.


Para ele, mais do que uma conquista para o artista Netinho, foi uma conquista para o ser humano. “Aquilo foi incrível. Não tenho palavras para descrever. Foi uma vitória e um exemplo para todos. Seja para quem passou pelo que passei, para quem está passando e, especialmente, para quem nunca passou, para mostrar que pode acontecer com qualquer um, seja famoso ou não. O importante é acreditar, ter fé.”


Para celebrar o novo momento em sua vida, o cantor baiano lançou, no fim do ano, o single #Somostodosum. A música fala de união, positividade, cumplicidade, justiça, amor e gratidão, valores que, para Netinho, estão em falta na humanidade atualmente. “Fiz essa música porque prometi a mim mesmo, ao universo e à vida que, quando saísse do hospital, gravaria uma música extremamente positiva. O prognóstico que fizeram era de morte e esse single é meu agradecimento pelo fato de ter ficado vivo.”


No entanto, o artista lamenta que a composição não tenha provocado o efeito esperado junto ao público. “Estou ciente de que essa música vai na contramão total do mainstream pelo fato de falar de coisas que não estão sendo mostradas atualmente pela música de massa. É uma canção que está lá na frente, mas, infelizmente, ninguém entendeu o seu propósito. Um dia as pessoas vão entender essa música.”

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