Titane mergulha no universo mítico do compositor baiano Elomar

A cantora mineira faz show neste sábado, no Palácio das Artes

por Mariana Peixoto 10/03/2018 10:03
LUIZA PALHARES/DIVULGAÇÃO
Em seu novo disco, Titane optou pelo repertório com "pegada nordestina" de Elomar (foto: LUIZA PALHARES/DIVULGAÇÃO )

Obra-prima de Elomar, a ópera Auto da Catingueira (1983) conta a história da pastora de cabras Dassanta, mulher que de tão bela “matava mais qui cobra de lagêdo”. A narrativa acompanha, em sertaneza (linguagem dialetal), a personagem do primeiro ao último dia de vida.

O último ato, Das violas da morte, mostra o duelo entre os apaixonados violeiros Chico das Chagas e Cantador do Norte. Os dois são interrompidos por Dassanta, que, em Segundo pidido, lembra que “viola cum violença/ é plantá na terra quente/ de miã ispaia a semente/ de noite coe incelença”.
Zuleika de Souza/CB/D.A Press - 4/10/04
Recluso no agreste baiano, Elomar, de 80 anos, dedica-se a criar romances operísticos (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press - 4/10/04)

Pois foi a partir de uma gravação de Segundo pidido que Titane chegou a seu novo álbum, o primeiro dedicado a um único autor. Titane canta Elomar, que reúne 10 músicas do compositor, violonista e cantor baiano, será lançado neste sábado (10), com show no Palácio das Artes.

A seu lado a mineira terá os músicos que participaram do projeto: Hudson Lacerda e André Siqueira (violões), Kristoff Silva (diretor musical do álbum), Aloízio Horta (contrabaixo acústico) e Toninho Ferragutti (acordeom).

Sete anos atrás, na mesma época em que seu marido, o diretor e dramaturgo João das Neves, montou Auto da Catingueira (encenação com o Grupo Giramundo), Titane recebeu o convite do violonista Hudson Lacerda para gravar Segundo pidido. O registro acabou rendendo encontros despretensiosos da dupla no palco, em apresentações acústicas do repertório elomariano.

Titane começou a amadurecer a ideia de fazer um disco ao ouvir do músico e produtor Kristoff Silva que, depois de cinco álbuns com repertórios de diferentes autores, havia chegado a hora de se dedicar à obra de um só criador. “‘E ele é o Elomar’, me disse o Kristoff”, relembra.

Foi mais que natural trabalhar com Hudson Lacerda (coordenador da transcrição das 49 partituras do compositor para Elomar em partituras – Cancioneiro, de 2008) e Kristoff Silva, que participou do mesmo projeto, realizado em Minas.

“(Trabalhar com um autor único) Foi uma decisão muito emblemática. Em meus outros discos, explorei os contrastes. A música de Araçuaí com Edvaldo Santana, um compositor paulista, por exemplo. Isso vinha da necessidade de mostrar a diversidade da cultura na qual sempre estive imersa. E isso acontece também agora, com Elomar, porque tudo é possível com ele”, comenta a cantora.

Titane levou para sua casa, em Lagoa Santa, todos os músicos envolvidos com o projeto. “Eles ficaram hospedados comigo durante 15 dias. Optamos por um formato acústico, mais camerístico. Concebemos coletivamente os arranjos, sempre partindo do violão do Hudson e da direção do Kristoff”, continua. Titane é a primeira cantora a dedicar um álbum exclusivamente a Elomar. A maioria dos intérpretes da obra do baiano é formada por homens.

O repertório foi definido seguindo alguns preceitos. “Primeiramente, escolhi músicas com pegada mais nordestina, porque foi o que sempre me atribuiu na obra do Elomar”, comenta ela. Dessa seara, gravou Chula no terreiro (com a voz de Pereira da Viola, em participação especial) e Na quadrada das águas perdidas. “Quando fui gravar, estava num outro momento, de encantamento com o mundo de princesas, cavaleiros e reis. Então, há algumas canções sobre esse universo bem encantado”, continua ela, referindo-se a Cavaleiro do São Joaquim e Na estrada das areias de ouro.

Por fim, Titane perguntou a Elomar o que ele gostaria que ela gravasse. O violeiro, uma de suas canções mais conhecidas, foi incluída por sugestão do próprio.

As 10 faixas do álbum estarão no repertório do show, além de alguns extras e outras composições de Elomar. Titane também incluiu trechos de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, em que a personagem Marcela, “uma mulher muito bonita e desejada pelos homens, decide se retirar para as montanhas e se tornar pastora”. Foi o que Elomar fez com a Dassanta do Auto da Catingueira. “As genialidades de Elomar e Cervantes são irmãs. Inevitavelmente me vi pensando na condição feminina”, conclui a cantora.


TITANE CANTA ELOMAR
Show neste sábado (10), às 21h. Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro (31) 3236-7400. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada).

IMAGENS


O encarte do CD Titane canta Elomar reúne o trabalho de dois artistas de BH. Ilustrações de Marcelo Lelis estão na capa (foto) e na parte interna do disco, que também traz o retrato da cantora pintado por  Leonora Weissmann. Titane deu total liberdade a Lelis, “um grande conhecedor da obra de Elomar”. As imagens serão projetadas durante o show.


Três perguntas para...

João Omar,
violonista e filho de Elomar

Conhecido pela reclusão, Elomar é receptivo a novas interpretações de sua obra?

Muito, ainda mais quando o intérprete é da linha popular da cantoria. Pra você ter uma ideia, ele já permitiu até que dois rapazes do Rio de Janeiro gravassem O violeiro em ritmo de rap. Foi hilário. Logicamente, quando o artista tem a ver com o trabalho dele, nem se fala... Ele não costuma negar, mas tem coisas que o incomodam. Quando mudam a melodia, a harmonia, ele ouve e vira a cara. Meu pai é exigente.

Em dezembro, seu pai completou 80 anos. O que mudou com o avanço da idade?
Ele já não tem a mesma energia de antes, tem que dar seus intervalos, não gosta de viagens longas. Por outro lado, está mais agoniado para escrever músicas, acabar trabalhos. É a coisa de quanto tempo ainda vai ter para escrever as coisas que tem na cabeça. E são coisas que ninguém mais pode fazer por ele. Ele vem se entregando ao trabalho operístico. Não à ópera tradicional, que tem referência na Europa, mas a um trabalho mais voltado para os autos, de música encenada. Agora está fazendo romances para serem cantados em formato operístico. Meu pai amansou, não está tão brigão. Todo pai é difícil, o meu é teimoso pra burro. Faz tudo da maneira dele, centraliza muito algumas coisas, então todo mundo tem meio que medo dele. Mas eu, não.

Elomar vive quase o tempo todo na Fazenda Casa dos Carneiros, no agreste baiano. Ele ainda trabalha na terra?
Já trabalhou mais na terra, quando tinha mais energia. De vez em quando, fica inventando coisas. Ele é meio um inventor de coisas práticas, mas já entrou em vários projetos que não deram em nada. É como um hobby. Desde sempre ele trabalhou na roça, participou de tudo. Não é aquele tipo que coloca chapéu de caubói e diz que é vaqueiro.

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