Travessia foi o prenúncio do Clube da Esquina, que renovou a MPB na década de 1970

O clássico de Milton Nascimento e Fernando Brant muda a história dos mineiros

por Ana Clara Brant 01/10/2017 07:30

Arquivo EM
A música, de 1967, foi a primeira parceria de Bituca e Brant. Em quase meio século, escreveram cerca de 150 músicas juntos (foto: Arquivo EM)
"Quando escrevi Travessia, minha primeira parceria com Bituca, nunca tinha pensado em ser compositor, embora gostasse muito de cinema, música, teatro e poesia. Fiz a letra para um amigo, sem qualquer pretensão. Sem que soubéssemos, ela acabou inscrita num festival e mudou completamente nossos destinos". A declaração de Fernando Brant (1946-2015) a Liana Fortes, autora do livro sobre ele publicado pela Coleção Gente (2005), resume um pouco da história do clássico da MPB.


Fernando contou a Liana que houve alvoroço da imprensa a respeito da canção. Jornalistas o questionavam sobre o significado da letra. "Achavam que ela era difícil, diferente. Vê se pode! E eu respondi: Quis dizer isso – 'quando você foi embora, fez-se noite em meu viver.' Era tão claro pra mim, mas as pessoas não estavam acostumadas a nada que fosse diferente do habitual, do que ouviam no rádio", observou o compositor.

 

Travessia foi um momento decisivo na carreira de Fernando Brant, Milton Nascimento e nomes da música mineira. Toninho Horta, que também participou do 2º Festival Internacional da Canção (FIC), observa que a partir dali a obra de Bituca passou a ser valorizada.

 

"As pessoas começaram a conhecer toda a turma dele: o próprio Fernando; o Márcio Borges, que já compunha com o Milton; e posteriormente o Ronaldo Bastos, que é do Rio, mas virou meio mineiro. Essas pessoas e outras figuras próximas, como eu, Lô Borges e O Beto Guedes, acabaram formando o chamado Clube da Esquina, em 1972. Cinco anos antes, com Travessia, o Milton já tinha mostrado toda a sua grandeza, a sua voz de Deus, o talento. O Clube vingou e o Bituca se tornou o maquinista desse trem", analisa Toninho Horta.

 

"Senti-me soterrado de emoção ao ouvir Travessia pela primeira vez", relembra o produtor cultural, poeta e compositor Hermínio Bello de Carvalho. De acordo com ele, essa canção é tão divisora de águas quanto outras músicas compostas naquele período por Milton e "seus inovadores parceiros".

JORNADA

Ronaldo Bastos considera sintomática a chegada dos mineiros à cena da MPB justamente com uma canção chamada Travessia – palavra que significa passagem, jornada, e é a última palavra de Grande sertão: veredas –, trazendo algo original, moderno e universal.

 

"Depois da bossa nova, que tinha contexto mais praieiro, mais do litoral, Travessia finalmente chegou no centro do Brasil. Foi, sem dúvida, um marco na música mineira e brasileira", ressalta o compositor. Em 2002, a Dubas, gravadora de Ronaldo, relançou o primeiro disco de Milton Nascimento, que trazia a faixa Travessia. Totalmente remasterizado, o álbum tem Bituca acompanhado pelo Tamba Trio e canções com arranjos de Luiz Eça.

 

"Já estava começando a crise do disco físico, mas foi muito bom termos relançado. O álbum é um dos grandes da MPB, representa o começo do Clube da Esquina, toda aquela explosão do Maracanãzinho, a chegada dos mineiros. Em 1967, Bituca lançou o álbum por uma gravadora pouco conhecida, e ele não teve tanta repercussão. O relançamento pela Dubas – um selo pequeno, mas com muito prestígio – foi a oportunidade de dar visibilidade a essa obra-prima", conclui Bastos.

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