Gilberto Gil chega a BH com show que celebra os 40 anos do disco 'Refavela'

Com 13 músicas inéditas já gravadas, ele diz que sua relação com o disco mudou no atual mercado de 'varejo musical' com as 'canções vendidas a granel'

por Pedro Galvão 29/09/2017 08:00

Paola Alfamor/Divulgação
'O público mineiro gosta de cantar, (são) entusiastas do canto e da canção popular', diz Gil. (foto: Paola Alfamor/Divulgação)

Bem, hoje com 32 anos, é o sexto filho de Gilberto Gil e o primeiro dele com Flora Gil. Oito anos antes do nascimento de Bem, Gil retornava da Nigéria, onde participara do Festival Mundial de Artes e Cultura Negra (Festac). O contato com a musicalidade africana, num momento em que movimentos como o Black Rio eclodiam por aqui, deu origem a Refavela, segundo título da chamada trilogia Re, precedido por Refazenda (1972) e sucedido por Realce (1979). Para celebrar os 40 anos do álbum que se tornou referência na MPB, Bem reuniu o pai e uma turma de amigos numa turnê que chega nesta sexta-feira, 29, a BH.

Além do repertório completo do disco (veja abaixo), o show inclui releituras de canções daquela época, como Three little birds e Exodus (Bob Marley) e Two naira fifty kobo (Caetano Veloso). Apesar do roteiro idêntico, Bem garante que cada apresentação é única. ''Quando estamos em Salvador e comemos uma moqueca antes de tocar, o show é um. Em BH, depois de comer uma comida mineira e ter contato com a cidade, será outra experiência.''

Debruçado desde a adolescência sobre a obra do pai, com quem já dividiu estúdios de gravação e palcos nos últimos 10 anos, Bem evita classificar esse projeto como um ''resgate'' de Refavela e prefere defini-lo como uma celebração descontraída entre parceiros. ''Esses shows são um encontro de pessoas que já trabalham em vários outros projetos, colaborando umas com as outras. Não que seja um critério, mas uma das motivações do Refavela 40 é a junção de amigos e parceiros que têm um carinho muito grande por esse disco, sem esse peso do resgate e da memória, até porque são músicas que sempre foram tocadas por cada um de nós.''

Os amigos do guitarrista ao seu lado no palco são o baixista Bruno Di Lullo, parceiro na banda Tono, com a qual Bem já lançou três discos, e o baterista Domenico Lancellotti. Moreno Veloso, filho de Caetano, e as cantoras Céu, Maíra Freitas e Nara Gil (primogênita de Gilberto Gil), completam o time, cujo astro é o cantor e compositor baiano. ''Nos trabalhos anteriores com meu pai, fui entrando na turma dele. Nesse caso é o contrário – montei com meus amigos e parceiros, e ele é um dos convidados'', diz Bem.

''Tem sido muito divertido por várias razões. Primeiro, pela variedade de artistas, formando aquela sonoridade e aquele tipo de arranjo, revendo aquilo de uma forma carinhosa, cuidadosa, com a juventude deles. Depois, pela memória, especialmente para mim, de um disco feito há 40 anos, um disco que consolidou em mim os interesses pela música negra, pela África. E ainda, pela surpresa de encontrar um público interessado nisso, especialmente entre pessoas mais novas, que se encontraram recentemente com o disco'', afirma Gil.

Sem tocar em BH desde 2015, quando trouxe à capital mineira o show que celebrou sua parceria com Caetano Veloso, Gil elogia o público local, ''uma das comunidades mais cantantes do Brasil''. A insuficiência renal que debilitou sua saúde em 2016 está superada, diz o músico, que tem outra turnê em curso – Trinca de ases, com Gal Costa e Nando Reis – e uma parceria com Bem engatilhada. Com a produção do filho, Gil já gravou 13 canções inéditas. O CD deve ser lançado em 2018.

''Está pronto, são músicas novas, todas feitas a partir de um momento em que eu me sentia mais revigorado, depois do tratamento. Dali surgiu uma série de canções, algumas delas ligadas a personagens que fizeram parte daquele momento – médicos, pessoas que me assistiram, que me cuidaram, músicas para a família, música para meu último neto, a primeira bisneta'', cita.

Enquanto celebra a importância de um álbum do passado, icônico por sua coesão entre as faixas, Gil se mostra desprendido em relação ao novo trabalho, entendendo que se trata de um formato mais adequado ao momento atual do consumo musical. ''Ainda não tem nome, nem sei se terá. Minha relação com o disco é nesse sentido, antigamente tínhamos discos como livros, eram publicados, as canções significavam capítulos. Hoje em dia, isso não existe mais – são fragmentados, publicados parcialmente, através das canções que estão nas lojas. O que existe hoje é um varejo musical com as canções vendidas a granel, não por atacado, como era antes. Por isso não tenho um tipo de relação cuidadosa ou interesse no produto disco como tinha antigamente. As canções estão aí, e o lançamento disso fica a cargo de uma série de decisões, não só minhas.''

FAIXA A FAIXA
Relembre as canções de Refavela

1. Refavela
2. Ilê Ayê
3. Aqui e agora
4. No Norte da saudade
5. Babá slapalá
6. Sandra
7. Samba do avião
8. Era nova
9. Balafon
10. Patuscada de Gandhi


Três perguntas para... GILBERTO GIL, cantor e compositor

Como tem se sentido e quais são seus planos para o futuro depois do episódio da insuficiência renal? Ela foi superada, certo?

Já estou com um vigor mínimo e uma ausência de sintomas complicados. Estou cuidando da minha insuficiência renal, que é uma coisa que veio com a idade mesmo, com o passar do tempo. Então, tenho de monitorar sempre a vida dos rins. Mas com vigor suficiente para fazer as coisas, viver sossegado, sem muita preocupação, aliviando a ansiedade das pessoas próximas, dos amigos e dos familiares, que ficaram muito preocupados.

Refavela segue atual em seu tratamento da diversidade e riqueza da nossa ancestralidade africana e da cultura feita nas periferias no Brasil. Como avalia o significado desse trabalho em face das circunstâncias atuais no Brasil e no mundo?

Tenho a impressão de que ainda existe um carinho, um respeito bastante significativo de muita gente aqui no Brasil em relação a esse trabalho. É um sinal de que a abordagem desse contexto linguístico, espiritual e musical tratado em Refavela é uma coisa prezada, e não menosprezada ou desprezada. Apesar de todas as dificuldades, injustiças e violência contra os negros – e um certo preconceito –, apesar de tudo isso, a sociedade avança. Pelo menos há mais respeito à cultura negra e reconhecimento da importância dessa cultura para a formação do Brasil. Já não se ignora a contribuição do negro, do mestiço e todas as derivações culturais para o país. Tudo isso tem contribuído de um modo muito contundente, muito evidente. Esse disco continua contribuindo também. O carinho que tenho por ele é por ele ser um sinal de que o Brasil vem se envolvendo mesmo com a miscigenação em todos os sentidos. Ele é atual nesse sentido. Há um ressurgimento de preconceitos, mas a vida é assim mesmo, em muitos aspectos há retrocessos, mas em outros há avanço.

As cotas raciais nas universidades brasileiras ainda são um tema polêmico, como o recente episódio de fraude no curso de medicina da UFMG. Como se posiciona em relação a esse mecanismo?

Da mesma maneira que nos EUA e em outros lugares onde houve necessidade de estabelecer políticas de inclusão de segmentos excluídos na sociedade, não há processos perfeitos, que se desloquem e se desenvolvam com perfeição absoluta o tempo todo. Há muita falha, muito mau uso. As cotas não nos redimem de todas as negatividades, mas são uma política de discriminação positiva, que surgiu na sociedade moderna como elemento compensatório de injustiças e assimetrias construídas ao longo da história em relação a povos, raças, etc. É uma experiência que teve que ser feita e deve ser corrigida e, eventualmente, descontinuada, quando a sociedade entender que haja mecanismos de inclusão mais assegurados para esses povos. Aí então as cotas desaparecem. É um processo empírico, um jogo de tentativa e erros, correções. O fato é que essa política surgiu do reconhecimento de que alguns setores precisam de mais proteção que outros, precisam de mais condições que outros.

 

REFAVELA 40 

Sexta-feira (29/9), às 21h, no Grande Teatro do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Ingressos: Plateia I: R$ 240 e R$ 120 (meia); Plateia II: R$ 200 e R$ 100 (meia); Plateia superior: R$ 160 e R$ 80. À venda no site www.ingressorapido.com.br e na bilheteria do Palácio das Artes. Mais informações: (31) 3236-7400.  

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