Autor de 'Baianidade nagô' conta como compôs hit que embala multidões há 25 anos

'É como uma redação nota mil do Enem´, diz Evandro Rodrigues sobre clássico do carnaval

Cecília Emiliana 04/03/2017 09:24

Alexandre Guzanshe/EM D.A.Press
Desfile do Baianas Ozadas em BH; bloco é um dos que repetem o hit baiano no carnaval mineiro (foto: Alexandre Guzanshe/EM D.A.Press)


“Você já foi à Bahia, nêga? Então, vá!”, aconselha Dorival Caimmy em uma de suas mais famosas canções. Mas não é só a multidão de turistas que a cada ano passa pelo mais famoso estado nordestino que vive uma experiência de “baianidade”.

Para curtir a viagem de outra maneira, sem sequer cruzar as fronteiras da própria cidade, basta esperar o Carnaval, correr atrás do trio elétrico e aguardar um momento certeiro: aquele em que os artistas que comandam o bloco vão tocar Baianidade nagô, clássico da axé music cujo refrão está na boca de nove entre 10 foliões – “Eu vou atrás do trio elétrico vou/Dançar ao negro toque do agogô/Curtindo minha baianidade nagô, ô-ô-ô-ô”.



A música capaz de unir carnavalescos de todo país numa só vibração de  “ô-ô-ô-ô” foi composta pelo baiano Evandro Rodrigues há 25 anos. Gravado pela primeira vez pela Bamdamel em 1992, o hit figura ainda em álbuns de estrelas como Daniela Mercury, Netinho, Ricardo Chaves, entre outras.

Na voz de Ivete Sangalo, a canção  ganhou, em 2013, durante o Festival de Verão de Salvador, uma de suas versões mais apreciadas, em voz e violão. Mas pode ser encontrada até mesmo em set-lists mais inusitados, como o da Orquestra Popular da Bahia.

Ser baiano

“Acho que Baianidade é como uma redação nota mil do Enem. Sei lá como, mas acho que consegui resumir, nos versos dela, o que é o Carnaval da Bahia e o que é, de certa maneira, ser baiano”, afirma Evandro Rodrigues. Formado em contabilidade, ele resume sua vida em antes e depois da composição. “Minha vida mudou completamente. Na época em que a canção estourou, eu ainda estava na faculdade, mas, depois disso, me voltei completamente para a música. Até hoje, vivo principalmente disso, dos direitos autorais que ela rende. Baianidade nagô me permitiu ajudar financeiramente minha mãe e muitos familiares. Me fez um cara muito feliz!”, comenta, sem, no entanto, revelar quanto a criação lhe rende.


O compositor tinha apenas 21 anos quando lançou o sucesso que, no Carnaval de 1992 reinou absoluto nas rádios do país inteiro e, 25 carnavais depois, ainda não perdeu a majestade. De acordo com o músico, a inspiração para compor o hit foi mais ou menos natural. Talvez para menos. “Eu fazia aulas de violão desde a infância e era muito incentivado pela minha mãe. Meu professor já havia detectado que eu tinha talento e tudo o mais. Um dia, botei na cabeça que tinha que fazer uma canção. Ficava na frente do espelho fazendo força pra ver se saía alguma coisa e andava pela rua com um gravadorzinho portátil. Certa vez, me veio a melodia de Baianidade. Isso era 1990. Depois veio a letra. Fui trabalhando e em 1991, estava pronta”, afirma.

Corajoso, Evandro decidiu deixar uma fita K-7 demo na sede da Banda Mel – hoje Bamdamel, que no início dos anos 1990, estava na crista da onda da axé music. E se deu muito bem, como recorda Robson Morais, vocalista do grupo na ocasião. “Eu me lembro que o Jailton, que era o diretor da banda na época, me chamou para ouvir a faixa antes de apresentá-la para os outros componentes. Não precisei nem escutar o resto da música. Falei: por mim, tá dentro. É linda e é sucesso garantido”, diz o cantor, que, no ano anterior havia emplacado com os colegas Prefixo de verão, outro sucesso do axé.

Mauro Akin Nassor/Divulgação
Evandro Rodrigues, autor de Baianidade nagô: 'Acho que consegui resumir o que é ser baiano' (foto: Mauro Akin Nassor/Divulgação)

Na Frente do trio

 

Os foliões hoje que fervem atrás de trios elétricos em todo o país devem muito aos “Eternos Dôdô e Osmar”, citados em Baianidade nagô. São eles os inventores do trio elétrico do carnaval baiano. Ambos estudavam música e eletrônica e pesquisavam uma forma de amplificar o som dos instrumentos de corda. Em 1992, foi criado na Bahia o Troféu Dodô e Osmar, uma premiação anual conferida aos músicos de maior repercussão e à música de maior sucesso no Carnaval de Salvador. Evandro Rodrigues foi um dos vencedores da primeira edição.

Entenda as referências

Evandro Rodrigues, autor de Baianidade nagô, esclarece para quem não é da terra do vatapá o que querem dizer alguns versos menos óbvios de sua música. “Muita gente que não conhece o carnaval de Salvador me pergunta o que tem na Avenida Sete durante o carnaval, que eu cito na música (“Na Avenida Sete/Na paz, eu sou tiete”), e também na Barra, onde eu digo que tem “o Farol a brilhar”. Bom, é que na década de 1990 a cidade tinha dois circuitos carnavalescos: o circuito Osmar, que passa pela Avenida Sete, e o circuito Dodô, que é o da Barra. É ali que acontece o ‘fervo’, a loucura do carnaval baiano”, explica o músico.

E o é que, afinal, “baianidade nagô”? “Essa foi uma espécie de referência que eu fiz às raízes africanas do Carnaval e da Bahia. De certa maneira, também às minhas origens, já que eu sou negro.”

 

Confira a letra completa

 

Já pintou verão, calor no coração
A festa vai começar
Salvador se agita numa só alegria
Eternos Dodô e Osmar
Na avenida Sete
Da paz eu sou tiete
Na barra o farol a brilhar
Carnaval na Bahia
Oitava maravilha
Nunca irei te deixar, meu amor
Eu vou atrás do trio elétrico vou
Dançar ao negro toque do agogô
Curtindo minha baianidade nagô, ô-ô-ô-ô
Eu queria que essa fantasia fosse eterna
Quem sabe um dia a paz vence a guerra
E viver será só festejar


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