Filarmônica de Pasárgada examina os relacionamentos contemporâneos em novo álbum

Em canções como '144 caracteres' e 'Ctrl c ctrl v', de seu novo disco, 'Algorritimos'

por Agência Estado 18/09/2016 20:03

REPRODUÇÃO
Alrritmos, novo álbum da Filarmônica de Pasárgada. (foto: REPRODUÇÃO)

 

Numa não tão hipotética situação assim, o rapaz ou garota, apaixonado por outro alguém, planeja fazer a sua declaração on-line. Com a limitação do uso dos 140 caracteres do Twitter, arrisca, enrola, dá voltas e prepara-se para o grande ''eu te amo'', quando percebe que já havia estourado o limite de letras disponível. ''Eu digo que te...'', canta Paula Mirhan, uma das vocalistas da Filarmônica de Pasárgada, em 144 caracteres, quarta faixa do novo disco da trupe paulistana, Algorritimos.

A letra de Marcelo Segreto, compositor, guitarrista e por vezes também vocalista do octeto, é ácida. Sem dizer muito – e inclusive deixando o amor de fora literalmente –, apresenta a reflexão sobre a vida contemporânea, num momento em que a humanidade e o ambiente virtual se confundem, se misturam e se atrapalham.

 

Dois bons discos depois, O hábito da força (2012) e Rádio lixão (2014), a banda volta a entrar nesse diálogo entre os ambientes físico e on-line, como fez quando participou da gravação do EP Tribunal do feicebuqui, de Tom Zé, lançado em 2013. Lá, o mestre tropicalista rebatia as acusações que sofria on-line. Era um exemplo, três anos antes da chegada de Algorritimos, de como os limites entre os mundos já não eram tão claros. E facilmente a vida em carne e osso era afetada por bites e linguagens em HTML.

VIRTUAL

 

Algorritmos é, desde sua fundação, um exercício ousado de transformar a linguagem da composição de uma canção e levá-la à fronteira virtual. Como a construção das relações humanas foi transformada pela ausência de pele com pele um beijo no rosto? Um ''eu te amo'' é incompleto por falta de espaço no Twitter, em 144 caracteres, mas há também a melancolia de Offline, quando Paula se lamuria sobre como é possível algo tão impalpável quanto um e-mail poder fazer doer no plano físico.

''Desde Rádio lixão, pensava num disco que tivesse essa temática'', explica Segreto, autor de todas as 15 canções – embora algumas delas tenham parceria, como Ctrl c ctrl v (com Paula Mirhan), São SP (com Martim Bernardes, d’O Terno, e Tom Zé) e 7 comentários (com sete compositores). Segreto criou canções sob a influência da colaboração anônima das páginas da Wikipedia (em Kiwi), sobre a enxurrada de comentários em um post de Facebook (7 comentários) e sobre um chat naquelas salas de bate-papo virtual (Fernando Henna está on-line).

É curioso, contudo, como é a humanidade que salta aos ouvidos em canções tão inorgânicas. Não é por acaso que Offline encerra o disco. A personagem – a mesma de 144 caracteres – desconecta-se de tudo. E, frente a frente, consegue dizer aquilo que o Twitter lhe impedira. Algorritimos chega ao fim da forma mais humana possível: com o verso de ''eu digo que te amo''. (Pedro Antunes, Estadão Conteúdo)

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