Guilherme Arantes se apresenta hoje em BH com a Orquestra Opus

Em entrevista, o cantor ataca a influência da política e do agronegócio no cenário musical brasileiro: ''é um mercado covarde''

por Estado de Minas 18/08/2016 20:03

Pedro Matallo/DivulgaÇÃO
Guilherme Arantes se apresenta com Orquestra Opus em BH (foto: Pedro Matallo/DivulgaÇÃO)

 

Ao lado da Orquestra Opus, Guilherme Arantes se apresenta hoje em BH. Embora já familiar ao cantor e instrumentista, o formato do show é inédito na capital mineira. Com mais de 40 anos de carreira, Arantes ainda é assombrado pela ansiedade com a estreia, afinal, ''BH é um dos últimos redutos de uma grande classe verdadeiramente culta'', diz.

O repertório será amplo, promete o músico, que garante a presença de sucessos como Brincar de viver, Planeta água, Lindo balão azul. As músicas agora ganham novos arranjos, resultado do antigo flerte de Arantes com as orquestras. ''É um campo bastante fértil, pois garante uma aproximação do erudito com o popular'', afirma.

 

Desde sua estreia no mercado fonográfico, com pouco mais de 20 anos, quando foi vocalista do disco de rock progressivo Moto perpétuo (1974), Arantes transitou por novas sonoridades e estilos, consolidando-se na MPB. ''Eu já me considero um vintage, já estou cristalizado em uma história'', afirma. Em retrospectiva, o músico avalia que ''tudo mudou, hoje o mundo está mais pragmático''.

Se afinação musical não lhe falta, é sem medo que o artista desafina o coro dos contentes. Em entrevista ao Estado de Minas, ele fez um duro balanço do cenário musical brasileiro.

 

GUILHERME ARANTES, músico

 

Você começou na música na década de 1970, com pouco mais de 20 anos. De lá para cá, o mercado fonográfico se modificou muito. Para você, como foi esse processo de adaptação?

Eu já me considero um vintage, já estou cristalizado em uma história. Já olho com um prazer diferente. Tudo mudou. Hoje o mundo está mais pragmático. A gente viveu um período de utopias e ideologias. A gente pegou o fim de uma era muito conturbada, um buraco na cultura do país devido à ditadura. Era tudo muito diferente do que é hoje. As mídias sociais eram coisas inimagináveis naquela época. Tive muita sorte que peguei uma onda criativa universitária e urbana muito forte no país nos anos 1980, como o movimento mineiro do Clube da Esquina ou mesmo a Tropicália. O próprio conceito de uma música universitária mudou. Há um grande vazio na produção cultural mundial. Não tem um cinema europeu tão transformador. Naquela época, o cinema estava em plena fervura. Na música, então, era um cenário de muita transformação da sociedade, de costumes e até mesmo sexual. Acho que hoje o mundo está muito mais pragmático. Ainda mais no Brasil, onde você tem gêneros protegidos pelo marketing e business. É um mercado covarde que tem, transversalmente, a política por trás.

 

Você pode explicar melhor o que seria esta participação do marketing e da política?

É um mercado artificioso. A gente não tinha essas propulsões de marketing que são alienígenas à cultura. O Brasil é um caso particular em que isso assume uma proporção assustadora. O axé music, por exemplo, é ligado ao Partido da Frente Liberal (PFL). Há o alinhamento de todas as bandas a uma dinastia política. Quem ficou de fora correu o risco de cair no ostracismo. Digo na grande mídia: você tem as vanguardas nas mídias sociais, mas é sempre muito marginal, sempre fora do mainstream. Você não tem mais os paradões, não tem mais a democracia dos paradões.

 

Você acha que a internet deu mais independência para os artistas em relação às gravadoras?

OK, isso é muito questionável. Porque você realmente tinha o poder das gravadoras antes. Mas uma coisa é ter os produtores e outra é ter os barões do agronegócio por trás da música. Esse levantar do agronegócio é um marco importante na indústria da música brasileira. Hoje, das 100 músicas que estão nas paradas de sucesso, 94 são sertanejas. E as outras seis vêm de fora.

 

Então, não estamos em um momento democrático para a música brasileira?

Tivemos um momento mais democrático há poucos anos, na década de 1990, por exemplo. Até para outras vertentes musicais. O pagode, por exemplo, eu acho legítimo. É um estilo que vem com uma representação, que tem uma história. O rap também. E estes estilos mais periféricos tiveram esse momento mais democrático nos anos 1990.

 

Não seria o caso do funk hoje?

O funk tem uma característica própria. Originalmente, ele vem catapultado pelo tráfico. Isso sempre existiu na música. O próprio Frank Sinatra foi bancado por organizações paralelas. Mas chegamos a um ponto em que não há sutileza nenhuma. Chegamos a um ponto no país que teve um processo de mimalhamento e aculturação da classe média.

 

Recentemente tivemos o caso do MC Biel que se apresentaria na abertura da Olimpíada e foi cortado depois de protagonizar situações problemáticas. Para você, descobrir nesse ídolo um pensamento raso está relacionado com essa nova indústria da música?

Tudo isso passa pela política. O suprassumo dessa situação toda vem de um banditismo institucional. Acho estranho, por exemplo, na abertura da Olimpíada. A escolha poderia ter sido de cantoras mais representativas da unidade musical brasileira, mesmo na juventude há representantes, como Céu, Roberta Sá, tantas pessoas que poderiam representar bem. Cito a Ludmilla: eu sempre fui fã, acho que ela tem uma qualidade musical muito boa, é uma boa artista, mas sua produção ainda está parafusada em um comportamento pseudo transgressor. Antes havia um crossover social. Você pega gente como Cartola, Nelson Cavaquinho, e até mesmo o refinamento de Adoniram Barbosa, todos tipicamente da periferia. Hoje, não temos esse crossover. Os artistas continuam presos às amarras do que lhes catapultaram. É claro que é uma questão de mercado também. Havia, sim, uma situação de exclusão. Você pega Tom Jobim, Vinícius de Morais: era uma aristocracia. Havia uma exclusão absoluta da música da periferia. O país não tinha inclusão. Por isso, eles precisavam se fazer cultos para se fazerem ouvidos. Hoje, você não tem essa preocupação. Hoje, o Um tapinha não dói, ou Show das poderosas invadem os salões apenas pela brincadeira. Existe um clima de brincadeira, de avacalhação. É interessante isso aí. Isso é uma cultura de classe média aculturada.

 

Essa seria uma questão da cena da música brasileira?

Tudo isso acompanha também uma coisa mundial: você não tem mais profundidade. As coisas são rasas e ligeiras. As coisas são feitas para cena pronta, em que não importa quem vai se apresentar para 10 mil pessoas. São feitas para o imediato. É puro entretenimento vazio. Você não tem mais uma multidão que se reúne para chorar com Milton Nascimento. Isso é impensável: uma multidão que se reúna para chorar. Legião Urbana foi um dos últimos baluartes. Mas esse significado se perdeu. O que quero dizer é que hoje temos uma arte meramente utilitária. Ela perde seu significado, como o que faz Romero Britto. É um exemplo mundial: um cara talentoso e tudo, mas utilitário. Não está ali para criar uma linguagem. Ele se apropria de um Miró, de um Picasso e faz um produto para vender em supermercado. Você não tem mais os ídolos que eram anti-utilitários como Jimi Hendrix. Ele é o antípoda da arte utilitária. Não está ali pra prestar um serviço rápido. Hoje, você olha e o mundo está sob o julgo do utilitarismo. Eles querem milhões de vendas, milhões de views. Uma boa pergunta seria o significado que há por trás dos números: o que significa 10 milhões de views?

 

Bem, mas anteriormente já vimos a nossa música ser utilitarista, fosse com um viés ufanista ou contestador, havia o uso da música para um fim claro.

Se você for pensar os anos de chumbo, a contestação política também tinha um certo utilitarismo por trás. É difícil dizer se esses tempos são melhores, piores ou iguais. Quando Chico Buarque faz Cálice, por exemplo, ele não estaria sendo utilitário? Esta é uma boa questão. Mas, veja, era utilitário em prol da transformação e não em prol da continuidade. No axé, tem aquela estética de música que tem a imagem da playboyzada, de um desejo pela continuidade da festa. É o auge do Carlismo. É uma música que é um manifesto pela não transformação, pela continuidade. A diferença é que ela é 100% utilitária.

 

Você fala bastante da questão política. O país volta a viver um momento conturbado. Como você vê, do palco, essa cena política?

Bem, chegou-se ao ponto hoje que você pega a vanguarda paulista da nova música e existe um culto secreto ao terceiro-mundismo. Se você soar grande, poderoso, se você fizer um disco com um acabamento refinado, então você é coxinha. Existe o “coxismo estético” e existe o “petralhismo estético”. Este último é quando você soa, assim, mais brega. Eu aponto isso claramente nos novos ícones.

 

Em shows, tem sido comum observar gritos de ordem vindos do público...

O coro político está o tempo todo manifesto. Está chato, binário, bipolar, está uma merda. Transformação de fato não é assim que se faz. Essas manifestações são uma nova moda mundial. Mas eu não vejo transformação de fato em parte alguma. No Brasil, tiveram essas manifestações de rua cosméticas porque está na moda tomar posição. Essa polarização é mais uma moda. Cruzeiro e Atlético. Esse pendular político entre liberalismo e trabalhismo está muito grande. Vai pra esquerda, vai pra direita. Mas continua a mesma merda. Falta testosterona na participação do povo. Mas acho que a gente vai chegar lá. A gente não vê transformação de fato, mas a massa crítica vai crescendo. Quando quer mesmo, brasileiro é foda e faz, mas, no geral, a gente vê uma flacidez da sociedade, sem uma força real de transformação. O povo aceita tudo. Sabe o que eu acho mesmo? Faltam acontecimentos trágicos. Falta assassinato. Falta degolação. A história se move com um único combustível: sangue. Sem esse motor, a história não se movimenta. E é contra isso que Brasília existe. Lá, acontece aquele teatrinho. Brasília é um projeto muito bonito, mas está totalmente apartada da sociedade. Posso falar bobagem, mas, para mim, é resultado de uma ideia totalitária. Brasília é um lugar inexpugnável, é um projeto maligno.

 

Nas suas apresentações costuma ouvir estes gritos de ordem?

Não, porque a gente pega um público muito família, que vai lá pela música.


Recentemente vimos crescer uma certa resistência aos artistas. Você se vê em um meio que é, por vezes, odiado?

Vejo. Mas não em uma cidade igual Belo Horizonte. É um dos redutos de uma grande classe culta. É uma cidade muito particular. É uma cidade múltipla, rica. Mas, em outras regiões, existe uma animosidade contra o que esteja fora do padrão. Acho que BH é o lugar ideal para fazer show com orquestra.

 

Em seus shows mais recentes você tem se apresentado com orquestras. Como foi esse processo? É algo que ocorreu naturalmente?

Quando a gente entra no repertório de orquestra, passa a ser um caminho, um campo bastante fértil. Tem uma aproximação da música erudita e popular. E é uma coisa que veio ocorrendo progressivamente nos últimos 10 anos. É muito legal que o público possa ver outro formato de instrumentação, ainda mais em BH que é lugar que a gente nunca tinha feito esse formato.

 

GUILHERME ARANTES E ORQUESTRA OPUS

Cine Theatro Brasil Vallourec. Praça Sete, Centro, (31) 3201-5211. Hoje, às 21h. MPB. Show Entre nós. Plateia 1 A: R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia). Plateia 2 A: R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia). Plateia 1 B: R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia). Plateia 2 B: R$ 90 (inteira) e R$ 45 (meia). 

 

 

 

 

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