Circuito erudito conquista público, dribla o rótulo de música elitista e se expande em BH

Belo Horizonte tem crescente oferta de concertos de música erudita que vêm conquistando número cada vez maior de adeptos

por Walter Sebastião 12/08/2016 08:34
Rafael L G Motta
Orquestra Filarmônica de Minas Gerais em sua formação completa (foto: Rafael L G Motta)
Thomas Dietrich Kosfeld representa uma comunidade que anda bem feliz com a vida cultural de Belo Horizonte: a dos que gostam de música clássica. Analista de sistemas de 52 anos, Kosfeld é dono da primeira das 3.320 assinaturas da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Integra o grupo de aficcionados que compram os ingressos com antecedência para a temporada de concertos do ano seguinte. Ao todo, ele tem direito a 33 concertos.


“Já deixei de viajar para poder ir a concerto. A minha opção é pelas séries Vivace e Veloce, que são apresentadas às sextas e aos sábados”, conta Kosfeld, observando que já houve época em que assinou todos os programas oferecidos pela Filarmônica.

Nesta sexta (12/08) à noite, Kosfeld estará presente na Sala Minas Gerais para assistir, às 20h30, a peças do russo Dmitri Shostakovich (1906-1975) e do italiano Ottorino Respichi (1879-1936).

O concerto contará com a pianista venezuelana Gabriela Montero. O repertório terá ainda Evocações sagradas – sobre temas de Manoel Dias de Oliveira, do mineiro Jônatas Reis, vencedor do concurso Tinta fresca, dedicado a jovens compositores. Ele afirma que, para valer a pena, uma apresentação de música erudita não tem mistério: é boa música tocada por grupo igualmente qualificado. “Não adianta a peça ser boa e o grupo que vai tocar, ruim ou uma orquestra maravilhosa e um repertório ruim”, explica.

“A cidade sempre teve coisas boas, solistas famosos, mas a programação era desorganizada. No momento, está ótima, bem variada”, observa o fã, saudando a regularidade dos concertos e a expansão do setor. Se a apresentação é às sextas, no geral, Kosfeld vai sozinho. Quando é aos sábados, leva a mulher. Aos domingos, vai com a família, inclusive filhos. Como recebe os convites com antecedência, quando não vai, tenta convencer amigos distantes das salas de música a irem em seu lugar.

Ainda criança, ele se encantou com a música clássica. Além dessa paixão, a vontade de contribuir para a difusão do gênero na cidade o levou a se tornar o dono da assinatura nº 1 da Filarmônica. Ele soube da novidade em 2009, durante concerto no Palácio das Artes.

“Achei a ideia ótima. Pensei comigo: o caminho é esse, mais do que acreditar, participar para que as coisas aconteçam”, recorda. Chegou em casa, foi para o computador e, na mesma noite, comprou sua assinatura. “Participar de uma empreitada assim é quase amor. Você sente que o relacionamento vai dar certo e decide se casar”, brinca, orgulhoso da história que a Filarmônica construiu em menos de 10 anos. “É espetacular”, elogia.

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

ESTREIA A ampliação do público e a melhora na qualidade dos músicos têm sido significativas em Minas Gerais. Para tal, é necessário investir na formação de jovens instrumentistas. Exemplo desse esforço é a Orquestra de Câmara do Sesc, formada por 25 instrumentistas com idade entre 10 e 18 anos. Neste domingo, o grupo de jovens tem um compromisso especial. Convidados pela respeitada Orquestra Ouro Preto, atuam pela primeira vez como solistas, tocando peças de Vivaldi (1671-1741).

“A expectativa deles é de não tremer. A minha, de vê-los crescer tecnicamente e ganhando consciência de até onde podem chegar”, conta o maestro Eliseu Barros, responsável pelo programa Orquestra Jovem do Sesc.

A apresentação será às 11h, no Grande Teatro do Sesc Palladium. “O repertório é bonito e vai causar impacto”, garante o maestro. Barros recorda que Vivaldi, além de tocar vários instrumentos, foi padre e diretor de orfanato. Por isso, cuidou não só de ensinar música aos internos, como também de compor peças para eles tocarem. A receptividade aos clássicos por parte dos garotos, conta o maestro, foi boa e natural. “Música tem que transmitir alegria e sentimento, sendo assim, não importa o estilo”, afirma. “O mito de que é música difícil vem da falta de difusão dos clássicos”, observa. A boa notícia, avisa o maestro, é que a situação vem mudando.

Eliseu Barros considera que a oferta de concertos poderia ser maior, especialmente em praças e parques mais afastados do Centro, onde estão concentradas as casas de música. “Concertos proporcionam enlevo espiritual. Há uma certa magia no som dos instrumentos de cordas, por exemplo, que só se ouve em concertos”, afirma.  

O projeto Orquestra Jovem do Sesc foi criado há quatro anos e tem, atualmente, cerca de 120 alunos. “Temos muitas crianças com muito talento e pouca condição financeira de se dedicar ao estudo da música”, observa. “Orquestra jovem tem importância cultural e sobretudo social. Traz perspectiva nova para a vida dos jovens, senso de responsabilidade e fortalece o espírito”, explica. “Faz a cabeça funcionar melhor na escola, estimula o respeito ao próximo e a elaboração emocional. E ajuda a formar plateia para a música de concerto”, acrescenta.

BRASILIDADE Ouvir música em salas construídas especialmente para que instrumentos acústicos revelem todas as nuances sonoras coloca o ouvinte em contato com a essência da arte musical. A pianista carioca Maria Teresa Madeira destaca que o ambiente acústico “proporciona uma sensação maravilhosa que vale a pena experimentar”. Para ela, é como ver um quadro numa parede branca, o que permite melhor observação da obra.

Maria Teresa Madeira chega a Belo Horizonte trazendo trabalho histórico para a música brasileira: uma caixa com 12 álbuns e 215 composições. É praticamente tudo que Ernesto Nazareth (1863-1934) escreveu para piano.

Um pouco do repertório do compositor será apresentado neste domingo, em concerto às 11h, na Fundação de Educação Artística. A pianista escolheu mostrar os vários estilos do carioca. Peças bem conhecidas como Brejeito e Odeon. E também o lado B do autor: a valsa Elétrica, o fox trote Até que enfim ou improviso dedicado a Villa-lobos.

“Tenho certeza de que, além de gostar, as pessoas vão se identificar e se surpreender com o que vão ouvir”, garante Maria Teresa. Nazareth, conta, é um compositor muito identificado com a vida do Rio de Janeiro das primeiras décadas do século 20 e levou a efervescência da cidade para sua música. Foi homem culto, excelente pianista, profissional competente.

“Um artista de enorme força criativa que escreveu com refinamento de quem tem conhecimento musical profundo, que colocou a personalidade dele em tudo que fez. São peças atemporais, trabalho de grande artista”, afirma.

Maria Teresa Madeira tem 55 anos e extensa folha de serviços prestados à música brasileira. A pianista conta que ver que a música de concerto tem público no Brasil inteiro é motivo de satisfação.

“Hoje temos muita gente querendo conhecer a música erudita”, observa. Ela aponta que, ao lado de estudantes do setor, há um público que vem movendo a expansão das atividades. Maria Teresa lembra que a área oferece muitas opções: desde trabalhos didáticos até repertório de mestres ou jovens compositores, muitas vezes em apresentações gratuitas ou a preços acessíveis. “Fico feliz em observar que quem vai uma vez a um concerto, volta.”


PROGRAMAÇÃO

Sexta (12/08), às 20h30


Orquestra Filarmônica, com regência de Fábio Mechetti. Dmitri Shostakovich (com a pianista venezuelana Gabriela Monteiro) e Ottorino Respichi. No repertório, ainda Evocações sagradas – sobre temas de Manoel Dias de Oliveira, do mineiro Jônatas Reis, vencedor do concurso Tinta Fresca. Sala Minas Gerais, Rua Tenente Brito Melo, 1.090, Barro Preto, (31) 3219-9000. Ingressos: R$ 34 (balcão palco e coro),
R$ 44 (mezanino), R$ 56 (balcão lateral), R$ 78 (plateia central)
e R$ 98 (balcão principal). Informações: www.filarmonica.art.br

Sexta (12/08), às 20h, Tiradentes

A tecladista Elisa Freixo faz concerto hoje, às 20h, na Igreja Matriz de Tiradentes, Rua da Câmara, esquina com Rua Padre Toledo, s/n, Centro, (32) 3355-1238. Ingressos: R$ 35 e R$ 20 (meia).

Domingo (14/08), às 11h – Projeto Manhãs Musicais

Maria Teresa Madeira toca Ernesto Nazareth. Fundação de Educação Artística, Rua Gonçalves Dias, 320, Funcionários, (31) 3226-6866.
R$ 20. e R$ 10 (meia).

Domingo (14/08), às 11h – Projeto Domingos Clássicos

Orquestra Ouro Preto convida Orquestra de Câmara do Sesc. Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.045, (31) 3214-5350. Ingressos: R$ 5 e R$ 2,50 (meia).

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