Após deixar os Titãs, Paulo Miklos chega esta semana a BH com o espetáculo 'Chet Baker, apenas um sopro'

Montagem sobre o músico norte-americano fica em cartaz duas semanas no CCBB

por Mariana Peixoto 12/07/2016 08:26

São Francisco, meados dos anos 1960. O vício em heroína leva Chet Baker a uma situação extrema. Em uma briga de rua, o músico é espancado. Há quem diga que foi por traficantes.


Outros dão conta de que teriam sido junkies. Teria perdido alguns dentes – os exagerados afirmam que foram quase todos. Fato é que, com a arcada deteriorada, quase sem dentes, ele passou a usar dentadura. Para o trompete, a embocadura é essencial. E Baker, aos 40 anos, teve que reaprender a tocar. Muitos duvidaram de que conseguisse.

(Victor Iemini/Divulgação)
Paulo Miklos como o trompetista norte-americano Chet Baker. A partir desta quinta, espetáculo terá temporada de duas semanas em BH (foto: (Victor Iemini/Divulgação) )

O espetáculo Chet Baker, apenas um sopro, que chega nesta quinta-feira a Belo Horizonte para temporada até o dia 25/7 no CCBB, trata desse momento crucial da trajetória do músico (1929-1988).

Escrita por Sérgio Roveri e dirigida por José Roberto Jardim, a montagem é ambientada no dia em que Baker retorna aos estúdios, após quase dois anos sem tocar. Encontra um clima de desconfiança geral entre os músicos que participarão da gravação.

Paulo Miklos, de 57 anos, interpreta o trompetista. Quinze anos após sua estreia como ator interpretando o matador de aluguel Anísio no filme O invasor (Beto Brant), o integrante dos Titãs vive outro personagem à margem. E que se traduz em nova estreia. Chet Baker é o primeiro personagem que Miklos interpreta no teatro.

“No palco, meu escudo, minha espada é a música. A primeira coisa de que me dei conta quando comecei o trabalho é que agora meu corpo é meu instrumento; o personagem, minha música; e o texto, meu refrão”, afirma.


Ao seu lado, ele tem quatro músicos: Ladislau Kardos (baterista), Piero Damiani (pianista), Jonathas Joba (contrabaixista) e Anna Toledo (cantora).

São esses músicos/personagens, prontos para gravar com Baker, que vão colocá-lo à prova. Em cena, Miklos não toca trompete. “Embora toque flauta, saxofone e gaita, o trompete me é totalmente misterioso. Passei três meses corneteando na orelha dos colegas, mas é dificílimo. Cheguei à conclusão de que o instrumento que eu tinha que tocar era o próprio teatro, tinha que focar no personagem.”

Ainda que a música seja quase um outro personagem no espetáculo, não se ouve Chet Baker em cena. “A grande expectativa é se ele vai tocar ou não”, conta Miklos. Tal questão torna-se mais abrangente, pois toca num tema caro a qualquer artista: suas próprias inseguranças.


“E como todos os personagens são músicos de uma banda, nada poderia ser mais familiar para mim. Eu poderia fazer uma peça totalmente diferente, na Irlanda de 1500. Aqui, me senti mais seguro, pois sei das dificuldades da carreira e que chega um momento em que a gente precisa se reinventar para superar os problemas.”


Ontem, Miklos anunciou sua saída dos Titãs (leia mais nesta página).
Abstêmio há uma década, o músico e ator precisou ir fundo para interpretar um viciado.


“É um tema muito caro para mim. E todo o mundo tem alguém que tem uma relação de abuso, de dependência. O Sérgio Roveri flagrou essa questão de uma maneira muito sensível.”

Para ele, os excessos que acometem muitos artistas têm uma relação direta com suas próprias fraquezas. “Isso está ligado à adulação. Os outros têm expectativa em relação ao ídolo, que transmite uma certa imagem. Mas, ao mesmo tempo, você tem a fragilidade de todo ser humano. Essa discussão é muito interessante, pois me fez mergulhar em minha vivência.”

Ainda que na música ele tenha se aventurado pelo pop rock dos Titãs, Miklos afirma ser um fã de jazz, ainda mais porque toca instrumentos de sopro. “Mas sempre muito ligado em jazzistas mais doidos, como (o saxofonista) Ornette Coleman e (o pianista) Thelonious Monk. No caso do Chet Baker, que é mais lírico, me interessei mais pelo cantor do que pelo instrumentista.” E Miklos canta em cena, já na parte final do espetáculo.

Baker é o segundo músico que ele interpreta. Ano passado, foi visto no curta Dá licença de contar, de Pedro Serrano, em que viveu Adoniran Barbosa (1910-1982). “Fazer um personagem real é bastante complicado. (As duas experiências) Me deixaram na dúvida de como encarnar uma personalidade conhecida. No caso do Adoniran, ele está em nosso inconsciente coletivo.”

Para encarnar Baker, ele usou como referência a imagem de bad boy que o músico eternizou. “Era como um James Dean. As primeiras imagens deles eram todas ‘roubadas’, mostrando um artista que não se oferece para a câmera. É uma coisa muito personalista e tanto a música quanto a vida dele traduzem isso.”

Com uma trajetória errática, sempre muito ligada a drogas, mulheres, carros e prisões, Baker teve uma morte misteriosa. Em 13 de maio de 1988, caiu da janela de seu quarto de hotel em Amsterdã.


Assim como na história da perda dos dentes, as versões se confundem: há quem diga que teria sido empurrado por traficante; há quem defenda uma queda acidental. A heroína, em ambas as versões, foi a razão da morte, aos 58 anos.


NOVOS RUMOS

Um dos fundadores dos Titãs, Paulo Miklos anunciou ontem sua saída da banda, após uma trajetória de 34 anos. Nas redes sociais, o músico e ator publicou texto com foto do grupo – que passará a ter Beto Lee, filho de Rita, entre os seus integrantes:


“Queridos irmãos de banda, 34 anos são uma vida. Crescemos juntos, descobrimos o Brasil e o mundo. Criamos nossa marca e deixamos um legado precioso. Nossa ligação é mais do que familiar, uma vez que escolhemos trabalhar, conviver, apoiar e amar uns aos outros. Chegou a hora de alçar voo sozinho, mas levando comigo a escola e a família titânica na minha formação como artista e pessoa. Deixo mais que amigos na melhor banda de todos os tempos da música brasileira, que segue em frente. A todos que me acompanham dentro e fora dos Titãs, o meu eterno agradecimento. Uma carreira longa com tantas glórias também tem seus momentos de adversidade. E, nestas horas, o apoio incondicional dos fãs foi sempre fonte de energia vital para a superação. Agora, anuncio um novo caminho na música, como intérprete e compositor, assim como na minha carreira de ator. Tenho muita música e emoção para compartilhar com vocês”.

Os Titãs também emitiram comunicado em que afirmam que Miklos se desliga da banda, por decisão pessoal, para se dedicar a projetos individuais. “Branco Mello, Sergio Britto e Tony Bellotto prosseguem como Titãs, com o apoio da gravadora Som Livre e de seu imenso público, honrando compromissos assumidos e outros que venham a surgir, fazendo shows com as canções que imortalizaram o grupo e criando novas músicas e projetos”, afirma a nota.

O texto menciona ainda a entrada do guitarrista Beto Lee, que se junta ao baterista Mário Fabre, e diz que, ao longo de 34 anos, os Titãs experimentaram “várias formações, sempre preservando a essência e o vigor de suas canções.”

“Como um organismo coletivo que suplanta as individualidades que o compõem, os Titãs seguem determinados, impulsionados por inquietação e ambição artística, e orgulho das glórias conquistadas.”

Paris Filmes/Divulgação
O músico e ator em cena no filme Carrossel 2 que acaba de estrear (foto: Paris Filmes/Divulgação)

MÚLTIPLO

Miklos chega a BH para a temporada da montagem ao mesmo tempo em que está no cinema reprisando um personagem bastante popular entre as crianças.

Em Carrossel 2 – O sumiço de Maria Joaquina, ele vive Gonzalez, o vilão clássico dos desenhos animados. Com cabelo partido ao meio e um bigodinho fino, teve como referência o Gomez da Família Addams.

A lista de vilões de Miklos no cinema ainda inclui o bandido Etcétera, de Estômago (2007), de Marcos Jorge. “Quando você faz um personagem muito marcante, ele, sem dúvida, se desdobra em outros.


Mas é bom abrir o leque”, comenta ele, que viveu um antitabagista em É proibido fumar (2009), de Anna Muylaert, e um pai caretão em Califórnia (2015), de Marina Person. A partir de agosto, ele encara o papel de jurado do reality show X Factor (Band), ao lado de Rick Bonadio, Di Ferrero e Alinne Rosa.

 

 

CHET BAKER, APENAS UM SOPRO
Estreia quinta, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, 450, (31) 3431-9400. Temporada de 14 a 18 e de 21 a 25 de julho, sempre às 20h. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia). Informações: bb.com.br/cultura

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