Disco 'Equilíbrio distante', de Renato Russo, é viagem às raízes familiares

Segundo álbum solo do cantor reuniu de banda de rock progressivo a canções popularescas

por Arthur Dapieve 11/10/2015 07:30

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Cris Bierrenbach/Folha Imagem - 5/8/94
(foto: Cris Bierrenbach/Folha Imagem - 5/8/94)
Os Manfredini partiram de Sesto Cremonese em 1878. Em um movimento comum a muitos oriundi, Renato Manfredini Jr. voltou à cidadezinha a noroeste de Cremona, na Lombardia, 116 anos depois, em 1994. A viagem tinha dois propósitos: pesquisar a papelada que poderia conceder – a ele e ao filho Giuliano – a cidadania herdada dos bisavós Piero e Maria; e pré-selecionar músicas para seu segundo disco solo. Passou quatro noites em Milão e quatro em Roma, escoltado pela assessora de imprensa Gilda Mattoso, fluente tanto em italiano quanto em Renato Russo. Na bagagem, além de 200 CDs, trouxe presentes de Natal para a família e para os amigos.


Um ano se passaria, nove de seus meses gastos em penosas gravações, antes que o disco resultante dessa viagem fosse lançado. Àquela altura, porém, Renato já não mais tinha tempo a perder. No mês seguinte, janeiro de 1996, a Legião Urbana entraria em estúdio para gravar aquele(s) que seria(m) seu(s) último(s) CD(s): A tempestade (registrado nas mesmas sessões, Uma outra estação só chegaria às lojas em 1997, quase um ano depois da morte de Renato). Diferentemente do(s) disco(s) da banda, não há sinais diretos de um fim iminente no trabalho solo em italiano. Ele é até sereno – ou menos triste – do que o solo em inglês, The Stonewall Celebration Concert (1994).

Claro, um trabalho batizado Equilíbrio distante não nos propõe estabilidade emocional. Renato era um poço de demônios. Atormentavam-no o vírus HIV, a reação do público da Legião a um disco “brega”, sabe Deus o quê. Na sonoridade, entretanto, o CD em italiano é mais arejado – ou menos claustrofóbico – do que o solo anterior ou do que os discos seguintes de sua banda com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá: além do tecladista e produtor Carlos Trilha, Renato arregimentou o guitarrista Ricardo Palmeira, o baixista Bruno Araújo e o baterista Eduardo Constant. Fez um som o mais distinto possível do da Legião: Renato sempre foi muito cioso da separação de seus interesses.

Equilíbrio distante
traz faixas que vão do repertório da banda progressiva Premiata Forneria Marconi (Dolcissima Maria) ao da popularesca Laura Pausini (Strani amori e La solitudine), além de uma versão de Lulu Santos/Nelson Motta, feita por Massimiliano de Tomassi (Como fa un’onda). É fascinante pensar que Renato não falava italiano, mas o seu entendimento das emoções que cantava era completo, profundo, ancestral. Todo o disco era pensado como um empreendimento familiar. O encarte desenhado por Egeu Laus tinha fotos dos Manfredini em Curitiba, no começo do século 20, e desenhos de Giuliano, então um guri de 6 anos.

Leitor voraz de poesia desde a adolescência, talvez Renato tenha pensado em um verso de T.S. Eliot: “No meu começo está meu fim”. A faixa escolhida para fechar o disco, de Claudio Baglioni, celebra o instante: “A vida é agora”. Fechar, sim, ma non troppo... Num derradeiro toque, típico Renato Russo, seguem-se o som de trovões e ao longe, cheio de saudade e nostalgia, o Coro dos Escravos Hebreus, da ópera Nabucco, de Verdi: “Vai, pensamento, sobre as asas douradas...”

Arthur Dapieve é jornalista e autor dos livros Brock: o rock brasileiro dos anos 80 e Renato Russo: o trovador solitário

Conexão ítalo-brasileira

Veja as idas e vindas musicais ao longo das décadas

 

. Anos 1960 – No início da década, a música italiana torna-se muito popular no país graças a intérpretes como Sergio Endrigo, Rita Pavone, Ornella Vanoni, Nico Fidenco e Mina, entre outros. O cinema também impulsiona a invasão italiana. O candelabro italiano (1962), filme norte-americano rodado em Roma, é um dos responsáveis pela popularização da música. A trilha sonora é lançada no país, e o compacto Al di là, de Emilio Pericoli, logo vai para o topo das paradas.

. 1964 – Bastante popular na Itália, a atriz e cantora Rita Pavone (foto) vem ao Brasil pela primeira vez, onde participa de shows e programas de TV no Rio e em São Paulo. Canta Datemi un martello, seu então maior sucesso, ao lado da banda The Clevers, que mais tarde passaria a se chamar Os Incríveis. Um cantor em início de carreira, Jerry, lança dois álbuns em italiano: Italianíssimo e Credi a me. Por causa destes trabalhos, adota o sobrenome artístico Adriani.

. 1965 – A Jovem Guarda, nascida do programa homônimo apresentado por Roberto, Erasmo e Wanderléa, tem várias versões para português de canções italianas. Uma das mais conhecidas é Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, gravada por Os Incríveis. A canção original é de Gianni Morandi. Os Engenheiros do Hawaii regravariam a versão em 1998.

. 1968 – Roberto Carlos vence o Festival de San Remo com Cazone per te, de Sergio Endrigo. Foi a primeira vez que um estrangeiro, cantando em italiano, venceu o festival. A música acaba abrindo o álbum San Remo 1968 (foto), lançado em 1976, que traz no repertório outra faixa no idioma, Un gatto nel’blu, de Toto Savio.

. 1969 – Autoexilado em Roma, Chico Buarque chega à Itália na esteira do sucesso de A banda (1966), que ganhou a versão italiana La banda. No entanto, descobre in loco que ninguém queria ouvir suas outras canções. Nas apresentações que fez sem nenhuma repercussão na Itália, chegou a cantar La banda por até cinco vezes. Na época, fez shows com Toquinho.

. 1972 – Vinicius de Moraes faz uma incursão em italiano para o público infantil. L’arca – Canzone per bambini reúne oito faixas,
entre elas, La casa, gravada com Sergio Endrigo.

. 1983 – Champagne, de Peppino di Capri, entra na trilha sonora da novela homônima, em registro de Manolo Otero.

. 1989 – Depois de morar uma temporada na Itália, Marisa Monte (foto)  é lançada no Brasil. Seu primeiro single é Bem que se quis, versão de Nelson Motta para E po’ che fa’, de Pino Daniele.

. 1995 – Renato Russo lança Equilíbrio distante, álbum com 13 canções em italiano. Em 1997, um ano após a morte do cantor e compositor, é lançado o disco solo O último solo, com quatro outras canções italianas. Jerry Adriani retorna ao italiano com o álbum Io. Quatro anos mais tarde, com Forza sempre, regrava Legião Urbana no idioma estrangeiro.

. 1997 – O maior sucesso da carreira de Zizi Possi é Per amore (foto), que vendeu 500 mil cópias. O álbum italiano gera outro, lançado no ano seguinte, Passione. Per amore foi também gravada pelo tenor Andrea Bocelli para a trilha da novela Por amor.

. 1998 – Luciano Pavarotti e Roberto Carlos se apresentam em dueto em show em Porto Alegre. O mais famoso tenor italiano esteve no Brasil sete vezes, a primeira delas 1979. A última, que marcaria novo encontro com o Rei, seria em outubro de 2006 no Mega Space, em Santa Luzia. Foi cancelada poucos dias antes por causa de problemas de saúde do tenor. Pavarotti morre menos de um ano mais tarde.

. 1999 – Novelas com núcleos italianos fazem uma série de cantores se debruçarem no idioma. Em Terra nostra (1999), há canções com Caetano Veloso, Emílio Santiago, Agnaldo Rayol, Toquinho e José Augusto, entre outros. Lançada três anos mais tarde, Esperança trazia tanto canções de italianos (Laura Pausini, Mafalda Minnozzi), quanto de artistas populares como Leonardo.

2003 – Daniela Mercury grava Ive Brussel (Jorge Ben) com o rapper Jovanotti para o álbum Eletrodoméstico – MTV Ao vivo.

2010– Chiara Civello lança seu primeiro álbum no Brasil, 7752 (foto). Chega ao país por intermédio de Ana Carolina, que grava com ela a canção Resta. Mais recentemente, a italiana grava com Gilberto Gil e Chico Buarque. Já Ana Carolina participa de disco do italiano Sal da Vinci, com a faixa Coisas/Cose.

 

MAIS SOBRE MÚSICA