Alfredo Del-Penho estreia com álbuns instrumental e de samba

Instrumentista estreia com álbuns, o instrumental Pra essa gente boa e o de canções Samba sujo, nos quais experimenta possibilidades e diálogos do gênero nacional

por Walter Sebastião 06/09/2015 06:00

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Leo Aversa/divulgação
O cantor e compositor carioca Alfredo Del-Penho conseguiu financiamento coletivo para lançar as obras (foto: Leo Aversa/divulgação)

A produção independente vai se confirmando como o local onde está tudo de bom que a indústria fonográfica podia fazer, mas não faz. O exemplo pode ser a estreia, em carreira solo, de instrumentista respeitado: Alfredo Del-Penho, de 34 anos. Ele lançou, ao mesmo tempo, dois discos: Pra essa gente boa, instrumental, e Samba sujo, cantado. Um e outro preciosos. Ambos apresentando autor que gosta das tradições do batuque até o jazz, passando pelo samba contemporâneo de João Bosco, Francis Hime, Paulinho da Viola e Chico Buarque, entre outros. Tudo temperado com humor, amor e falando do cotidiano.


É surpreendente como Alfredo Del-Penho se esparrama, prazeirosamente, por diversos tipos de samba, tocando, compondo, cantando, fazendo arranjos (e valorizando arranjadores), escrevendo comentários, sem que isso soe pretensioso. Pelo contrário, tudo flui com graça e espontaneidade impressionantes. Também vale observar que o autor não “afunda” na mistura de tudo ao mesmo tempo, vício que muitas vezes complica mais do que esclarece a verve musical dos autores. Para sentir o arrojo do projeto, talvez seja bom começar pelo disco instrumental, com composições só de Alfredo Del-Penho, evidência do talento do moço.

Alfredo Del-Penho é cria das rodas de choro de Niterói (RJ). Foi tocando com mestres (Ronaldo Bandolim ou Carlinhos Leite enter outros) que tomou gosto pelo gênero. E, encantado, sonhou disco instrumental que registrasse os encontros com os bambas em disco que mostrasse ainda a diversidade de levadas e possibilidades do gênero. “Como o processo de composição foi muito afetivo, de admiração, e relação com outras pessoas, não tenho nenhuma música favorita. O que vale é o conjunto de composições, a atmosfera de encontro”, conta. Inclui entre os arranjadores entre os professores que ajudaram dar forma final as composições dele.

Como os músicos de choro, conta Del-Penho, tocam com todos os grandes do samba, ele foi descobrindo outro repertório. Registrado em “disco de samba que vai além do samba”. Isto é: um CD que mostra, explica, um modo de ser do povo brasileiro que está no samba, mas vai muito além da música. “O samba tem lirismo, melodia, beleza, dramas e também corpo. É um gingado, volteio, produto de acento musical fora do tempo esperado, que chega ao corpo. Nós ouvimos música com o corpo”, afirma. Trata-se, analisa, de percepção “aúdio-tátil de tudo que acontece na música”. Visível, observa, quando se vê o brasileiro dançando.

Madrugadas O nome do disco cantado – Samba sujo – tem explicação: “Queria que a música trouxesse a poeira do chão onde pisamos, das rodas de samba que varam madrugadas, de tudo que acontece na relação com o outro que, no samba, não é só musical”, explica, recusando “assepsia a que o estúdio condena os artistas”. Buscando diversidade, deixou espaço para flerte com a ciranda, o baião e as propostas que fogem à tradição, “mas mantêm a essência do samba”. Tudo foi surgindo ao sabor do que ia conhecendo, frisa o artista. “Musica brasileira é assim: se você puxa um fio chega naturalmente a outros. E, assim, ouve boa música a vida inteira. Produzimos muita coisa boa”, observa.

Os pequenos textos que acompanham as faixas, explica Alfredo, são um estímulo às pessoas saberem mais sobre as pessoas envolvidas naquela composição ou no processo que levou aquela escolha da música. “Espero que as pessoas ouçam outras músicas da Ângela Suarez ou procurem saber sobre o conjunto Anjos da Lua, que me apresentou o Meio Tom”, conta, lembrando-se de amigos das casas da Lapa, no Rio, que abrigavam rodas de samba. “Quem se dedica a ouvir e viver nossa música tem muito material para compartilhar. O importante é ouvir, desenvolver a sensibilidade e o senso crítico. Todas as épocas tem seu charme”, garante.

Com relação ao canto, Alfredo Del-Penho avisa que é área que cultiva com prazer. “Mas não procuro interpretações confortáveis. Quero me expressar e tem momentos que rasgo a voz”, avisa. Os discos eram para serem realizados através de incentivo fiscal. Como não foi possível, Alfredo, buscou financiamento coletivo (crowdfunding). A campanha reuniu 700 colaboradores, entre os quais figuras ilustres como Chico Buarque, que, além de colaborar, em canja no Bar Semente, convidou Alfredo para subir ao palco.

Alfredo Del-Penho nasceu em São Fidélis (RJ), mas desde criança vive em Niterói. A música, conta, esteve presente na vida dele via rádio, TV e, as vezes, em reuniões familiares, cujo repertório era sucessos, produção comercial e da grande indústria fonográfica. Um amigo de colégio levou o instrumentista para as rodas de choro. “Niterói tem uma cena musical presente e, quem vive na cidade, acaba tendo contato com ela de alguma maneira”, observa, valorizando a prata da casa.

 

Samba
“É lazer, diversão e para nós brasileiros relação com a identidade, com a essência da ancestralidade. O samba mudou minha vida no sentindo de ter outra relação com outro, de entender o que é nosso povo. Quando digo que mudou minha vida, não estou pensando só no sentido de ter hoje uma carreira musical. Para mim, é samba o nosso jeito de andar, de comer, de se relacionar, de viver. Nei Lopes diz que o samba não é só um gênero, mas um aspecto civilizador da na nossa gente. E eu concordo.”

cantar
“Cultivo o canto com muito prazer e gosto de ouvir os nossos grandes cantores. O canto brasileiro não é convencional, não tem um padrão estético a seguir, é mais liberdade de expressar. Então você pode experimentar, pode arriscar. Pode ficar bom ou não, alguém pode ou não gostar, mas é caminho de expressão que se aproxima da nossa identidade. Clementina de Jesus, Jovelina Perola Negra, Lúcio Alves, e muitos outros, são exemplos da diversidade do uso de vozes que temos. Um leque de possibilidades que não há igual no mundo e um dos nossos pontos fortes da nossa música.

Estudo/Vivência
Deixei o curso de informática na universidade, abandonei. Fui estudar música, mas também não conclui. Como tinha um orientador, Paulo César de Andrade, com quem estava aprendendo muito, e trabalhava muito, preferi largar o curso e continuar com ele. Por enquanto, ainda penso em concluir o curso. Quando o estudo não interrompe a prática, ele é consolidação do que você está aprendendo. Há quem trate o aprender com uma certa aversão, o que não acho bom. Você pode estudar de forma inteligente, pode aprender nas rodas de choro e samba e, mais para frente, consolidar este saber. Temos grandes estudiosos que também são práticos da nossa música como José Miguel Wisnik, Henrique Cazes.

Mestres
A pessoa que mais me inspira é Antônio Nóbrega. Ele estudou dança clássica, técnicas do violino, cultura popular, mas, quando está no palco, ele só é. O que emociona, quando vemos Antônio Nóbrega, é a vivência que ele tem com o que ele faz. O trabalho dele é consolidação de um saber, é aprofundamento que faz perpetuar vivências e inspira as pessoas. Nei Lopes no samba, para mim, também é isso. Ele tem 75 anos e há 60 anos vive o samba, cotidianamente, compõe, escreve, tem livros publicados, é um grande estudioso. Admiro quem têm reflexões sobre a nossa música.

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