Ícone da MPB, Nelson Motta completa 70 anos e anuncia novos projetos

O jornalista é uma das principais referências da música popular brasileira

por Correio Braziliense 29/10/2014 13:08

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Bruno Veiga/Divulgação
Jornalista de destaque: Nelson Motta revela novos projetos (foto: Bruno Veiga/Divulgação)
Do alto de seu apartamento na orla de Ipanema, no Rio de Janeiro, Nelson Motta observa com olhos bem abertos a cena cultural da cidade e do país há 50 anos. Neste período, entretanto, o jornalista, produtor e compositor carioca não se limitou ao papel de mero espectador: arregaçou as mangas, desceu de seu castelo e ajudou a dar fisionomia à grande parte do que entendemos hoje por música popular brasileira. Do adolescente bossa-novista discípulo de Vinicius de Moraes ao grande entusiasta da MPB, Nelsinho, como é chamado pelos amigos, celebra hoje 70 anos de vida com fôlego de garoto, envolvido em diversos projetos e com alguns sonhos ainda a realizar.

“Eu considero um grande privilégio a pessoa chegar bem a essa idade, produzindo. Merece comemoração mesmo, né?”, diz ele ao Correio. “Quero dividir com o público os privilégios que a vida me deu, de estar presente em tantos eventos importantes, conhecer tantas pessoas, estar na música, na televisão, no teatro e no jornalismo. Minha forma de contribuir é compartilhar”.

Nelson refere-se à série de lançamentos que aparecem neste fim de mês com sua assinatura. Uma delas é o livro As sete vidas de Nelson Motta, em que reaviva suas memórias jornalísticas. “Escrevo em jornal desde 1966. Comecei aos 22 anos com uma coluna sobre jovens no Última hora, do Samuel Wainer, meu grande mestre do jornalismo. De lá pra cá, fui mudando de veículo, de caderno e de assunto, mas sempre escrevi”, comenta.

As composições de Nelsinho, parcerias com nomes como Lulu Santos, Dori Caymmi, Djavan e Guilherme Arantes , renderam uma série de TV em oito episódios com estreia marcada para hoje, no Canal Brasil. O projetou resultou também em um CD, em que artistas de várias gerações interpretam algumas das canções mais marcantes do letrista.

Após o estrondoso sucesso dos musicais sobre as vidas de Tim Maia e Elis Regina, roteirizados por ele, Nelson acaba de escrever uma peça falando de Wilson Simonal. A estreia está prevista para janeiro, no Rio de Janeiro, com direção de Pedro Brício. Ele sonha em escrever um espetáculo lembrando Raul Seixas, mas este não deve ser o próximo. O artista já começa a trabalhar em um musical sobre o Festival da Canção de 1967. A grande novidade é que o público decidirá, a cada noite, qual música sairá vencedora da “competição”. Coisas de Nelson Motta!

 

 

ENTREVISTA / Nelson Motta

Por ter participado de tantos movimentos, e a até ajudado a formar alguns deles, você acabou se tornando uma das maiores referências sobre a música brasileira. Sente-se confortável nesse papel?

Às vezes incomoda um pouco, porque dá uma dimensão e uma responsabilidade que não me interessam. Na verdade, eu devo essa amplidão de conhecimentos de vários gêneros brasileiros porque sempre tive uma cabeça muito aberta para novidades. Senão, eu estaria na bossa nova até hoje — como tem muita gente da minha geração que está lá até hoje. É muito difícil encontrar uma pessoa que esteve muito envolvida com o rock dos anos 1980 e, ao mesmo tempo, com a bossa dos anos 1960, a MPBzona dos anos 1970. É difícil… Eu estive em todas: fui mudando, assimilando esses novos gêneros musicais. Acho que não é necessário você destruir o que veio antes por causa da novidade. É um pensamento idiota. Parece coisa de partido político. Na cultura, isso não funciona. Isso me deu muito conhecimento, muitas amizades e experiências. E eu procuro dividir essas histórias com as pessoas há 50 anos.

Apesar de escrever sobre música por tanto tempo, você não se dedicou ao ofício de crítico, propriamente.

Em toda a minha carreira jornalística, eu pouquíssimas vezes atuei como crítico. Primeiro porque eu não tinha a obrigação de fazer crítica de discos e shows nas minhas colunas. Então, eu sempre optei por, em vez de falar mal e esculhambar, abrir espaço para as novidades que ninguém conhecia. Chamar a atenção para o que era bom. Sempre foi essa a minha postura: ignorar o lixo, que já tem espaço suficiente, e jogar luz sobre o que considero bom, novo e interessante. Essa é minha política. Muitos críticos viviam de esculhambar os artistas pra ficar popularzinho e tal. Mas tem a história de vários desses que ninguém lembra. Os bad boys da crítica ficaram perdidos pelo caminho, datados, ridículos. A minha geração tem vários grandes críticos musicais, como Tárik de Souza, Ezequiel Neves… Eu não me considero um crítico, sou um simpatizante.

À sua geração pertencem grandes letristas, função que você também desempenhou. As letras de música se empobreceram com o passar do tempo, você concorda?
Aquela geração tinha uma formação literária sólida. Todo mundo lia muito, a partir do Vinicius de Moraes, que era um erudito. Ele já era um poeta respeitável quando entrou na música e abriu a porta para essa geração. A música popular, antes, era coisa para boêmios, marginais. Vinicius deu status a isso e abriu espaço para moços de família — ou seja, a minha geração — se tornarem letristas de música profissionais e viverem disso, formarem carreiras. Devemos , todos nós, ao Vinicius.

E que análise é possível fazer da evolução da letra na música popular brasileira, até os dias hoje?
Aquela geração de letristas viveu em um país em guerra. Foi exigido muito deles, uma responsabilidade enorme. Acabaram sendo porta-vozes políticos, críticos sociais, sofreram, apanharam, foram presos… Uma geração heroica. As letras de música foram se transformando com a entrada de grandes letristas, também, que não são literários, e sim sonoros, como Djavan, Jorge Ben Jor, Luiz Melodia. Até os rappers de hoje, como o D2, o Criolo, Emicida. São espetaculares. A grande letra da MPB, que se origina em Vinicius, tem entre seus grandes nomes Chico Buarque, Caetano Veloso, Gil, Erasmo Carlos, Ronaldo Bastos, Aldir Blanc, Abel Silva, Raul Seixas, Paulo Coelho, Rita Lee… Esses caras fizeram coisas tão boas que é difícil fazer melhor nesse estilo.

Você tem tido experiências muito bem-sucedidas como roteirista de musicais. Acha que sua trajetória daria uma boa história nos palcos?
Será? Como dramaturgo, acho que não daria, não. Na minha vida, faltam conflitos, dramas, confrontos. E como fazer teatro sem isso? Sem antagonistas, sem subidas e quedas… Alguns episódios da minha vida dariam um musical, como a criação da (boate carioca) Dancin’ Days, As Frenéticas, a era disco no Brasil. Eu vou escrever isso um dia, proximamente. Mas a minha vida poderia dar um ótimo show, com as músicas de cada época.

Suas canções mais conhecidas são parcerias com Lulu Santos. Não compõem mais juntos?

Foi com quem eu fiz mais músicas: devo ter umas 30. A parceria acabou por que o Lulu aprendeu a fazer letras, e ficou autossuficiente. Vamos combinar que o Lulu virou um ótimo letrista: Toda forma de amor, Casa, A cura, são todas só dele. Mas agora, ano passado, ele me mandou uma música linda. Eu fiz a letra, que se chama Tempo em movimento, e ele a gravou com a Luiza Possi. É como se fosse Como uma onda 30 anos depois. Das minhas letras com o Lulu, Certas coisas é a de que eu mais gosto.

Você chegou a acompanhar a explosão nacional dos artistas de Brasília, como a Legião Urbana e Cássia Eller?

Olha, lamentavelmente, quando a Legião apareceu, eu morava na Itália. Fui em 1983 e voltei apenas em 1987. Quando voltei, eu vi pouquíssimos shows deles. E convivi pouco com o Renato. Estive algumas vezes com ele, conversamos… A Cássia, vi um show dela também, ou dois. Nos anos 1990, eu morava nos Estados Unidos. Conversei pouquíssimo com ela e fiquei até em falta com a Cássia: ela me pediu para fazer uma letra em português de uma música que tinha no Tom & Jerry, que o Chicão adorava. Acabei não fazendo e lamento. Poderia ter uma letra gravada pela Cássia.

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