Gravar canções de Roberto Carlos é um bom negócio, mas tarefa árdua

Nem todos conseguem os direitos para fazer discos com versões de clássicos do rei

por Gabriel de Sá 07/10/2014 09:57

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Roberto Ramos/DP/DA Press
Gravar músicas do Rei continua sendo o sonho de muitos (foto: Roberto Ramos/DP/DA Press)
Questionado recentemente por um site sobre qual seria o maior sonho, o cantor Zezé di Camargo, dupla com o irmão Luciano, não titubeou: gravar um disco apenas com canções compostas por Roberto Carlos. “Não sei se ele liberaria, pois é bem rigoroso com o tipo de trabalho. Mas é um sonho”. Artista mais popular do país, o Rei tem um repertório para lá de cobiçado — mesmo por artistas imensamente conhecidos. Quem não se lembra de quando, em 1993, Maria Bethânia vendeu perto de 1 milhão de cópias com o tributo 'As canções que você fez pra mim', com músicas de Roberto e Erasmo? Foi uma das poucas a conquistar o aval para gravar tais canções. Ao lado dela, uma lista restrita, que inclui Nara Leão, lá nos anos 1970, e, mais recentemente, Lulu Santos e Teresa Cristina. A última a receber carta branca foi Roberta Miranda.

A sertaneja deve lançar o disco, com músicas de diversas fases de Roberto, até o fim deste mês. É provável que a amizade da cantora com o Rei tenha dado um empurrãozinho para ela conseguir a autorização, já que, via gravadoras e editoras, a burocracia é infinitamente maior. “O controle em relação à obra de qualquer artista é muito maior quando já se tem um patrimônio cultural construído, como é o caso do Roberto”, observa o historiador Paulo Cesar de Araújo, autor da biografia censurada 'Roberto Carlos em detalhes'. Roberta Miranda teve um pedido negado pelo Rei: não vai pode incluir a faixa 'Você não sabe' no tributo. O motivo? Não se sabe.

Quando Bethânia adentrou a seara de Roberto e Erasmo, ela vinha de uma série de bons discos, como 'Olho d'água' (1992), mas que não haviam acontecido comercialmente. “O disco 'As canções que você fez pra mim' a reabilitou, no sentido mercadológico. Foi um salvador da pátria”, analisa o crítico carioca Mauro Ferreira, especializado no mercado fonográfico. O trabalho está entre os cinco mais vendidos da carreira da baiana. Bem antes, outra diva da canção já havia se dado bem ao gravar um disco só de Roberto e Erasmo. 'E que tudo mais vá pro inferno' foi lançado em 1978 por Nara Leão. “Ela foi a primeira estrela a fazer um songbook dos dois, numa época em que a MPB não dava a mínima para eles. Gal Costa e Bethânia haviam gravado uma coisa ou outra”, lembra Paulo Cesar.

Foi o bossanovista Roberto Menescal que encorajou Nara a realizar o projeto e produziu faixas do disco. “Não houve problema na liberação das músicas. Roberto sempre foi muito delicado comigo e adorava a Nara. Ela, aliás, foi uma das primeiras da turma a gostar das músicas deles”, conta o produtor. Quando o disco foi relançado em CD, nos anos 1990, saiu com o nome 'Debaixo dos caracóis dos seus cabelos'. É que Roberto vetou a faixa 'Quero que vá tudo pro inferno'. Logo, o trabalho não poderia levar o nome da canção desfalcada. “Roberto não canta e não deixa ninguém cantar essa música há 30 anos. Cerca de 80% das bandas de pop rock brasileiras já tentaram a liberação e nada. Ele a baniu do repertório”, detalha Paulo Cesar de Araújo.

>> OS VETADOS

Não é das tarefas mais fáceis conseguir a liberação para tocar na obra do intocável Roberto Carlos. Paulo Cesar acredita que, até o início da década de 1990, os empecilhos eram menores: nomes como Waldick Soriano e Agnaldo Timóteo tiveram o privilégio. “Gravava-se à vontade. Acho que a chegada de Dody Sirena para empresariar Roberto trouxe um controle maior sobre este repertório”, analisa o biógrafo. São vários os artistas que tiveram o pedido vetado ou ignorado - de Paulo Ricardo a Sérgio Reis, Oswaldo Montenegro e Zé Renato. Daniela Mercury e Vanessa da Mata tentaram emplacar em novelas canções de Roberto. Com o veto, pinçaram do repertório músicas só interpretadas por ele. Assim, surgiram as versões de 'Como vai você' e 'Nossa canção'.

Divulgação
Nara Leão, Waldick Soriano, Maria Bethânia, Padre Marcelo Rossi, Teresa Cristina e Lulu Santos. Todos eles já cantaram Roberto (foto: Divulgação)
>> A PRECAUÇÃO


Zé Renato pretendia incluir canções do Rei no premiado 'É tempo de amar', de 2008, com releituras da Jovem Guarda. A liberação das faixas compostas por Roberto não chegou a tempo. Aliás, nunca chegou. “Até hoje, é meio nebuloso. A gente não recebeu nem o sim nem o não. Acho que ele não se interessou”, diz o intérprete. A solução foi lançar mão de pérolas interpretadas, mas não criadas. Menescal ouviu dizer que Roberto se prepara para regravar boa parte das composições, e, por isso, tem sido mais precavido na cessão. “Mas acho que é só zelo mesmo”, acrescenta. Paulo Cesar acredita que o que impera nas escolhas é a questão mercadológica. “Se ele tivesse tanto zelo, jamais deixaria 'O portão' ser usada na propaganda de um frigorífico, como ocorreu recentemente. Foi um contrato milionário. Pagando alto, pode usar”, provoca o biógrafo.

>> ELES GRAVARAM

Nara Leão
'…E que tudo mais vá pro inferno' (1978)
O primeiro songbook inteiramente dedicado à obra de Roberto e Erasmo teve que mudar de nome quando foi lançado em CD, nos anos 1990, e virou 'Debaixo dos caracóis dos seus cabelos'. A faixa que batizou o LP foi vetada por Roberto, que parou de cantá-la há 30 anos e a proibiu também para outros.

Waldick Soriano
'Waldick Soriano interpreta Roberto Carlos' (1984)
Lançado por uma pequena gravadora, o disco tornou-se um dos mais obscuros da carreira do cantor brega baiano, apesar da escolha das 16 canções essencialmente românticas do Rei, como 'Café da manhã', 'Não quero ver você triste' e 'Proposta'. Foi relançado há anos pelo selo Discobertas.

Maria Bethânia
'As canções que você fez pra mim' (1993)
Um dos maiores sucessos da carreira fonográfica da intérprete baiana, o disco ganhou destaque ao ter a faixa 'Fera ferida' incluída na abertura de novela homônima da TV Globo. O êxito rendeu um disco com versões em espanhol para a América Latina, batizado de 'Las canciones que hiciste para mi'.

Padre Marcelo Rossi

'Paz — As canções de fé de Roberto Carlos e Erasmo' (2001)
Conhecido por ser bastante religioso, Roberto cedeu parte das composições católicas para o Padre cantar. O álbum, com canções como 'Nossa Senhora', foi o oitavo mais vendido do ano, batendo as 400 mil cópias e sendo indicado ao Grammy Latino.

Teresa Cristina
'Teresa Cristina + Os Outros = Roberto Carlos' (2012)
Conhecida como sambista, a cantora optou por mesclar, em versões roqueiras, canções do Rei com faixas que fizeram sucesso na voz dele “Não aconteceu comercialmente, mas é um disco importante artisticamente, por mostrar que Teresa poderia ir além do samba”, comenta o crítico Mauro Ferreira.

Lulu Santos
'Lulu canta & toca Roberto e Erasmo' (2013)
Originado a partir de um show em tributo à dupla, o disco compila grandes sucessos, como 'Minha fama de mau' e 'Como é grande o meu amor por você', em releituras autorais. “Não é cover, é um trabalho muito criativo, que trouxe a obra deles para o rhythm and blues de forma muito arrojada”, diz Mauro.

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