Preparando-se para comemorar meio século de carreira em fevereiro do ano que vem, Maria Bethânia volta a surpreender público e crítica com o lançamento de 'Meus quintais', disco de carreira conceitual, no qual canta como ninguém coisas do Brasil, como índios e povos, que considera os verdadeiros donos do país.
Ouça 'Dindi' na gravação de Bethânia em 'Meus quintais':
'Meus quintais' abre ('Alguma voz', de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro) e fecha ('Dindi', de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira) com o requinte característico da cantora baiana, acompanhada, ao piano, por André Mehmari e Wagner Tiso, respectivamente. “Trata-se de dois pianos diferentes e extraordinários. Felizmente, eles têm um entendimento do meu cantar”, disse na entrevista coletiva on-line, realizada na manhã desta quinta-feira, no Rio de Janeiro, onde vive a cantora baiana.
Entre uma faixa e outra, respinga a reconhecida brasilidade do repertório de Bethânia, que vai do samba de roda à folia de reis, passando por outros gêneros. A essência de tudo, claro, é a canção brasileira, à qual Maria Bethânia dispensa o carinho de sempre.
Do 'Xavante', de Chico César, aos 'Povos do Brasil', do novato Leandro Fregonesi, passando pela 'Lua bonita', de Zé Martins e Zé do Norte, 'Imbelezô eu/Vento de lá', de Roque Ferreira, e 'Uma Iara/Uma perigosa Yara', de Adriana Calcanhotto sobre texto de Clarice Lispector editado por Fauzi Arap e pela própria cantora, Bethânia é o que Chico César classifica como “o arco da velha índia/ é corda vocal insubmissa”, em 'Arco da velha índia'.
Ela conta que a escolha da parceria de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro ('Alguma voz') para abrir o disco foi feira porque, “de algum modo, a canção é uma memória minha com os meus irmãos. Este disco é para os meus, para os da minha casa”, afirma. “Deus sempre ali, na janela do horizonte, cantando, trabalhando.”
A presença de crianças nos vocais de 'Meus quintais', segundo a cantora, tem a ver com a rica formação vivida em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. “A infância é o broto de tudo”, reconhece ela, que diz ter tido “a felicidade de uma linda família, com oito irmãos e muitos primos em companhia dos quais curtiu a infância, com direito a “educação muito boa, em escola pública, rigorosa, e muito amor”.
“Meus pais se amaram muito. Isto era nítido entre eles”, admite a cantora, cuja infância “era festa o tempo todo”. “A infância pode, sim, construir a pessoa”, diz Maria Bethânia, que pôde desfrutar de muita música em uma das principais fases da vida, conforme reflete agora em Meus quintais.
Enquanto em discos anteriores ela apresentava o sentimento do povo brasileiro, dessa vez ela canta o que é dela. “Acho o quintal o melhor lugar do mundo, onde aprendi absolutamente tudo, com a característica liberdade do espaço”, afirma Bethânia. Caçula da família Veloso, a cantora lembra da sorte de ter os irmãos por perto na infância. “Caetano está acima de mim. Sorte tê-lo nas brincadeiras, silêncios e observação do quintal”, reconhece. “O quintal é família, sexo, agasalho. Tudo começa ali”, conclui a cantora, que segue fazendo o show 'Carta de amor'.