Novo disco de Bruce Springsteen mostra que cantor continua afiado na estética e na política

Aos 64 anos, o compositor americano mostra repertório de releituras em 'High hopes'

por Rodrigo Gini 23/01/2014 07:00

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Yasuyoshi Chiba/AFP
Em setembro, Bruce Springsteen fez a mais elogiada apresentação do Rock in Rio (foto: Yasuyoshi Chiba/AFP)
Quando um ator só consegue interpretar um personagem, o de si mesmo, acaba caindo no ridículo. Felizmente, não é o caso na música, já que os fãs de carteirinha prezam fidelidade a uma sonoridade, coerência nas idas e vindas. E é justamente esse o caso de 'High hopes', o 18º trabalho de estúdio do incansável Bruce Springsteen. The Boss (o chefe), o homem dos shows intermináveis, das faixas quilométricas e de um engajamento social equivocadamente confundido com a defesa do 'american way of life' recicla, com sucesso, a fórmula que o levou ao topo das paradas nas últimas quatro décadas.


E reciclar é mesmo o termo mais adequado, já que ele resolveu buscar na própria fonte as 12 músicas do álbum. Nada inédito, mas regravações e covers mais atuais do que nunca, que poderiam ter sido perfeitamente compostos para “dias em que você paga por qualquer coisa”, como vaticina a faixa-título, como as demais, escorada na força melódica dos rapazes, como o cantor e compositor se refere à banda; ao backing vocal de responsa; e a uma intensidade que funciona tão bem no estúdio quanto nos palcos.

O filho de irlandês faz questão de mostrar que não é um só – esqueçamos a definição do cantor que escorrega entre o country e o rock, ou cuja influência se estende apenas do Alasca à Flórida. 'Just like fire would' nasceu de uma homenagem aos australianos do The Saints, quando de um show no país, e ganhou um trompete no melhor estilo Penny Lane.

'American skin' (41 shots) é uma pungente homenagem a Amadou Diallo, imigrante da Guiné, executado em 1999 por policiais na porta de casa, em Nova York (com os 41 tiros do subtítulo). E ganharia um caráter premonitório ao desenhar o cenário da queda das Torres Gêmeas, as várias chacinas em escolas e universidades que se sucederiam desde então. “É uma pistola. É uma arma. É uma maleta. É sua vida” ou “se você for parado por um policial, prometa que será educado. Você pode ser morto apenas por viver na pele de um americano”.

A canção acabou ganhando espaço no álbum em meio às mais de 20 cogitadas por Bruce (que disse ter apunhalado o próprio peito ao excluir várias delas) e pelo produtor Ron Aniello por mais uma morte tristemente famosa, a do garoto negro Trayvon Martin, há dois anos, na Flórida. Em 'Down in the hole', o chefe põe a prole para trabalhar – os filhos Evan, Jessica e Samuel asseguram os vocais de apoio. Já 'This is your sword' poderia ter saído do repertório de um bardo gaélico e não deixa de ser um reencontro com as origens.

Mas a principal influência no trabalho é a de Tom Morello, guitarrista do Rage Against the Machine, que substituiu Steven van Zandt, às voltas com a produção de sua série de TV, Lillyhammer, e é o responsável pelos dois extremos de High hopes. 'The ghost of Tom Joad' ganha peso e psicodelia numa versão de mais de sete minutos em que Morello estraçalha nos acordes e rouba a cena. Já 'Dream baby dream', cover da banda punk Suicide, transforma-se numa balada simples e direta, sem rodeios, como é a obra desse sessentão. “Sonhe, baby, sonhe. Mantenha a chama acesa. Sim, esses sonhos te mantêm livre. Eu vejo o sorriso em seu rosto. Sonhe, baby, sonhe. Para sempre”. Versos que bem valem para The Boss.

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