Mineiro Pacífico Mascarenhas celebra 55 anos do primeiro disco independente no Brasil

Músico comemora aniversário de 'Um passeio musical' e, apesar da crise fonográfica, planeja lançar CDs

por Ailton Magioli 14/06/2013 00:13

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Beto Novaes/EM/D.A Press
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Ainda que 'Feito em casa' (1977), de Antônio Adolfo, tenha entrado para a história da indústria fonográfica brasileira como o primeiro disco independente do país, o pioneirismo pertence mesmo a Pacífico Mascarenhas. Há exatos 55 anos, o compositor mineiro gravou e lançou o LP 'Um passeio musical', cujo repertório autoral é interpretado por Paulinho e seu Conjunto – nome inventado para proteger o pianista Paulo Modesto e o cantor Gilberto Santana do preconceito. Naquela época, artistas eram considerados praticamente marginais.

“Agora, estou vendo a importância do disco independente. Hoje, a maioria das pessoas grava um independente. À exceção de Roberto Carlos e uns poucos outros, ninguém lança CD por gravadora”, constata Pacífico Mascarenhas, de 78 anos. Ano passado, 'Um passeio musical' foi remasterizado pelo selo Discobertas, do pequisador e produtor Marcelo Froes, que planeja lançar 'Bem-vindo ao Rio', em que Luís Carlos Miele interpreta canções do compositor mineiro. Na voz de Ana Caram, a versão de Pacífico para o clássico 'Fly me to the moon' ('Leva-me pra lua'), de Bart Howard, foi tema de abertura da novela 'Amor eterno amor', exibida pela TV Globo no ano passado.

Beto Novaes/EM/D.A Press
Aos 78 anos, Pacífico Mascarenhas diz que demorou a perceber o pioneirismo de seu disco 'Um passeio musical' (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
É em meio a carros antigos e à sua extensa coleção de objetos que o compositor recebe a reportagem. Batizou de Espaço Mascarenhas o local onde costuma reunir familiares e amigos. A obra do artista plástico Fernando Poitier – reproduzindo em madeira a imagem de ídolos como Tom Jobim, Frank Sinatra e João Gilberto (a dupla se conheceu em 1956, em Diamantina) – compõe o cenário perfeito para o pioneiro posar com seu violão, ainda que o instrumento preferido para compor seja o piano. Há dois deles nas amplas dependências de fundos da casa de Pacífico Mascarenhas, no Bairro Cidade Jardim.

“Construí a casa toda. Só contratei engenheiro para fazer a planta”, orgulha-se ele, dizendo ter “mais jeito” para construção do que para música. Autodidata, esse arquiteto que nunca frequentou a escola acabou se dedicando à obra paralelamente à carreira de compositor e atraiu a atenção da classe artística mineira. Filho de tradicional família ligada à indústria têxtil, Pacífico lançou Milton Nascimento nos palcos por meio de seu antológico grupo Sambacana, que contava também com Wagner Tiso.

“Sem querer, acabei fazendo o primeiro disco independente do Brasil. Era tudo por minha conta: traslado Belo Horizonte-Rio de Janeiro, aluguel de estúdio, despesas de hotel e produção de 1 mil LPs”, relata Pacífico. Orgulhoso, lembra que, aos 23 anos, compunha músicas românticas para serenatas e reuniões embaladas por foxtrote e sambas-canção.

Depois de orçar a produção de seu disco de estreia nas gravadoras Columbia, Odeon e RCA Victor, ele acabou optando pela Companhia Brasileira de Discos (CBD), proprietária do selo Sinther – mais tarde, ela passou a se chamar, sucessivamente, Philips, Phonogram, Polydor, PolyGram e, finalmente, Universal Music.

Estudante de odontologia, o cantor Gilberto Santana se juntou ao pianista Paulo Modesto e embarcou com Pacífico num trem para o Rio de Janeiro. O cantor belo-horizontino Luiz Cláudio, que estava no estúdio carioca, participou do coro na faixa 'Turma da Savassi'. O baiano João Gilberto havia prometido ao amigo mineiro participar do LP, mas simplesmente não apareceu no estúdio. Provavelmente, inaugurava ali os famosos bolos que alimentam o folclore em torno de sua carreira. Apresentado ao jornalista Ricardo Galeno, da Rádio Mayrink Veiga, Pacífico acabou contando com o texto de apresentação do LP assinado por ele. “É um verdadeiro leque de melodias bonitas. Dá gosto de se ouvir a um, a dois, a três ou à multidão”, escreveu Galeno.

Pacífico garante que só alguns anos depois tomou consciência de que havia lançado o primeiro álbum independente brasileiro. Apesar do pioneirismo, o compositor constata: diante da atual crise de mercado, não adianta mais gravar discos. “Sem chance. As rádios não tocam nada”, protesta, lembrando que 'Um passeio musical' se tornou fenômeno radiofônico em BH. As emissoras executavam praticamente todas as faixas.

O maior sucesso do LP foi 'Turma da Savassi', um choro que ganhou filme (o videoclipe de então) da TV Itacolomi. “Ninguém põe banca com a Turma da Savassi/ Porque turma assim de cancha/ Não se mete com esta classe...” dizem os primeiros versos da canção, inspirada no clássico do sambista Rômulo Paes (“Minha vida é esta/ Subir Bahia, descer Floresta). “Por onde quer que eu passe/Acabo sempre é na Savassi”, cantava ele.

Apesar da decepção com o mercado, Pacífico planeja lançar vários discos: 'Bem-vindo ao Rio', com Luís Carlos Miele; 'Cante comigo', com standards americanos na voz de Carla Villar (e playback para o ouvinte cantar em casa); outro de hits da bossa nova; Dia sorrindo na Savassi, com vários cantores; e um CD com o Marzano Trio.

Acervo EM - 9/2/44
(foto: Acervo EM - 9/2/44)
O cantor-sorriso

“Antes sorrindo do que com cara de chorão”, diverte-se Gilberto Santana, de 84 anos. Um dos crooners mais famosos da BH nos anos 1950, ele ficou conhecido por cantar sorridente. Tudo começou aos 13 anos, no programa 'Gurilândia', da Rádio Guarani, apresentado por Rômulo Paes. Jovenzinho, ele conheceu ídolos como Francisco Alves (foto ao lado).

O mineiro parou de trabalhar em 2011 e fez do Conjunto Gilberto Santana um dos preferidos da capital até os anos 1970. “Parei de cantar por velhice. Quer dizer, chega uma certa idade e a gente começa a tomar o lugar dos outros à toa. É questão de desconfiômetro”, diz Gilberto. O cantor apresenta versão própria para a troca de seu nome para Marcos Vinícius no pioneiro álbum independente de Pacífico Mascarenhas. “Na época, tinha assinado contrato com a RCA Victor e usei o nome do meu filho como pseudônimo”, garante.

Como seu forte eram os shows, Santana gravou apenas dois discos, além do LP de Pacífico. “Conheci Minas Gerais inteira fazendo bailes”, relembra, salientando o fato de o colega Luiz Cláudio tê-lo apresentado ao maestro Tom Jobim. Fã de Luis Miguel, o veterano cantor explica: o porto-riquenho naturalizado mexicano o faz lembrar-se do chileno Lucho Gatica, conhecido por sucessos como 'Contigo en la distancia'.

LABORATÓRIO
Personagem da página 146 do livro 'Chega de saudade', em que o jornalista Ruy Castro conta a história da bossa nova, Pacífico Mascarenhas garante: João Gilberto fez de Diamantina, onde passava temporada na casa de uma irmã, uma espécie de laboratório para a famosa batida de seu violão. Foi na cidade histórica mineira, onde tocava por horas seguidas, que o baiano criou essa marca, internacionalmente consagrada.

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