Paulo Gustavo fala sobre sua trajetória surpreendente

Ator carioca ainda comenta os limites da blague, a defesa de causas sociais, o encaretamento dos valores e o politicamente correto

por Rebeca Oliveira 31/08/2015 12:15

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.

Ricardo Nunes /Divulgação
Paulo Gustavo em Hiperativo: humor sempre engatilhado contra o preconceito (foto: Ricardo Nunes /Divulgação)
As estatísticas não eram favoráveis para Paulo Gustavo. Recém-formado na Casa de Artes de Laranjeiras em artes cênicas, o carioca decidiu investir em espetáculo de humor com um amigo, à época, também pouco conhecido. Era Fábio Porchat, igualmente inexperiente nos palcos. Em um teatro com capacidade para 80 pessoas, conseguem levar alguns amigos e conhecidos para vê-los em ação. Poucos. Mas o suficiente para fazê-los não desistir do novo ofício.

No espetáculo, I'nfraturas, uma esquete' apresentava uma mãe com trejeitos exagerados. O público gargalhava. Com o fim da peça, Paulo Gustavo resolveu se aperfeiçoar e criou um texto exclusivo sobre ela. Nascia, há 12 anos, Dona Hermínia e o aclamado 'Minha mãe é uma peça', que rendeu a ele uma indicação ao Prêmio Shell na categoria melhor ator, em 2007. O resto, bem se sabe, virou história.

Convencido de que o teatro transforma pessoas, Paulo Gustavo não abandonou os palcos, mesmo com iminente sucesso na tevê e no cinema. 'Vai que cola', exibido no Multishow, tornou-se o programa mais assistido no canal no ano de estreia. 'Minha mãe é uma peça — O filme', lançado em 2013, levou-o, mais uma vez, a um patamar notável. Foi o longa-metragem mais visto do ano, com quase 5 milhões de espectadores.

 

Por trás do cara boa gente e bem- humorado, há um artista inquieto e provocador. Conheça-o melhor:


Papel do humor
O humor tem um papel na cultura desde sempre. Ele traz leveza, alegria, as pessoas ficam mais divertidas e para cima. É uma forma que as têm de ir ao teatro e esquecer um pouco o dia a dia. Ele tem várias funções, inclusive a de tocar em assuntos sérios, suscitar crítica, falar de coisas delicadas, mas de uma forma mais sensível. Desce melhor. As pessoas se entendem por meio do riso. Não é hoje! É da mesma forma como já fizeram Jô Soares, Regina Casé, TV Pirata, Comédia da Vida Privada…

Eduardo Cunha
Esse presidente da Câmara dos Deputados que é contra o casamento de pessoas do mesmo sexo é só mais um. Existem milhões de pessoas contrárias à medida. Esse encaretamento é triste, sim, mas ele não existe de agora. Desde que o mundo é mundo, as pessoas são preconceituosas, e a cada dia que passa fica pior. O que acontece é que, como hoje tem a internet, as pessoas se escondem mais atrás de um perfil para dizer coisas absurdas. Mas escutamos e vemos esse tipo de pensamento o tempo inteiro. Pessoas que são totalmente contra o casamento gay, contra negros, são eleitas e conseguem um êxito na carreira política delas. Então, vemos que o buraco é muito mais embaixo.

Preconceito
Temos que estar sempre lutando contra o preconceito. Faço a minha parte por meio da minha arte. Em 220 Volts, só por ser um homem vestido de mulher e falar todos aqueles absurdos, faço uma grande brincadeira, mas também uma discussão sobre milhões de assuntos. Gente careta existe. Outro dia, no Teatro Procópio Ferreira, uma senhora que estava esperando o motorista chegar virou para as três netinhas e falou, depois de ver minha peça: “Gente, desculpa, vovó trouxe vocês para assistir a uma peça de viado, travesti e gogoboy. Semana que vem vovó leva a um outro lugar”. O bilheteiro, que me contou essa história, me disse: “Paulo Gustavo, sabe quem estava aqui hoje na sua plateia? A senhora dos absurdos”. Morri de rir.

Ativismo
Acho importante um artista se posicionar politicamente, mas não necessariamente falando sobre ele próprio. Vejo que as pessoas querem falar da minha vida pessoal para saber de algum assunto. Confundir minha opinião sobre um assunto sério é apenas fazer fofoca. Acho importante usarmos nossa visibilidade para falar sobre determinados assuntos, sim, mas fazendo essa distinção. Uso muito as redes sociais e, lá, mostro a minha vida e o que estou a fim de mostrar. Não gosto de me sentir um cara que, por ser artista, seja obrigado a falar sobre assuntos que não tenha vontade de dizer. Essa cobrança é inconveniente. Mas, poxa, tenho 2 milhões de seguidores no Instagram, 4 milhões no Facebook. De vez em quando, gosto de atingi-los e dizer alguma coisa interessante. Sempre busco isso.

Fama
O sucesso veio de forma muito gradativa. Não fui um cara chamado para fazer uma novela das 20h, entrei e do dia para a noite não consegui ir mais à padaria. Comigo, as coisas foram diferentes. Foi uma batalha. Diariamente, luto por esse reconhecimento. Não sou mimado com relação a esse assunto. Meu primeiro espetáculo, Infraturas, foi escrito com o Fábio Porchat há 13 anos, quando a gente se formou. Não deu certo no sentido comercial, mas começamos a entrar no mercado.

Público e teatro
Este ano, estamos vivendo um momento delicado. As pessoas estão gastando menos com medo do que vem por aí. Quando elas começam a comprar só o essencial, o primeiro local que deixam de ir é ao teatro. A noitada, o show e o cinema continuam, mas o teatro é o primeiro que sofre com a crise. Graças a Deus, sou uma exceção neste momento, mas já passei por vários instantes difíceis. Por exemplo, quando houve um surto de dengue, as pessoas evitavam ir a lugares fechados; com a gripe suína, aconteceu a mesma coisa. Um dia, fiz peça para 18 pessoas. Ou quando invadiram os morros cariocas para pacificá-los, as ruas ficaram vazias. Temos várias fases de dificuldade, mas quando está tudo certo, as pessoas vão ao teatro, sim. Meus amigos têm comentado que está tudo muito cheio. Com essa volta de stand-up, ele teve a função de trazer o público jovem ao teatro. Juntou quem gostava de ir com jovens, e aquelas vans que levam senhoras aos espetáculos, que fazem um sucesso enorme aqui no Rio de Janeiro.

Politicamente correto
As pessoas perdem o tom. O limite do humor é a educação. A Senhora dos Absurdos, uma personagem minha, odeia negro, odeia gay, odeia tudo que considera minoria. Ela fala disso com maior ódio possível, e a plateia vê que aquilo é uma crítica. Há uma linha muito tênue entre a crítica e o deboche. A patrulha ficou forte, principalmente na internet, mas algumas pessoas realmente são preconceituosas e não têm a menor noção do que dizem. É preciso cuidado para não ofender ninguém. No Vai que cola, a gente brinca muito, se zoa, mas não se ofende, porque a gente se ama. Se não, seria bullying. A gente se xinga, mas se diverte, porque os personagens e nós, atores, somos uma família. Não temos intenção de ofender o público, e sim de transformá-lo.

Minha mãe é uma peça
Quando Infraturas saiu de cartaz, fiquei em casa sem fazer nada, e pensei em escrever uma peça sobre uma mãe. Acabou virando a Dona Hermínia e o espetáculo Minha mãe é uma peça. Estreei no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, que tem 80 lugares. Logo, foi um sucesso. Fiquei nove meses em cartaz, com o teatro lotado. Fazia de terça a domingo com sessões cheias. Conclusão: só tinha segunda-feira para ir a CTI (risos). Lá pelo quinto ano em cartaz, resolvi fazer Hiperativo, e, depois, o 220 volts, com o qual viajo pelo país há uns cinco anos. Este ano, houve semanas em que fiquei em cartaz com as três peças. Achei que fosse ficar maluco, porque, fora isso, tem gravação do Vai que cola, comerciais, e outras coisas que faço. Meu reconhecimento veio do teatro. As coisas foram acontecendo de forma natural, devagar, foi dando tempo de eu entender e aprender. Não tive um choque, um impacto, e nem fiquei deslumbrado. Entendo bem o sucesso e o carinho dos fãs.

TV aberta
É sempre uma possibilidade. Tem sempre alguém me fazendo convites. Semana passada, jantei com o Boninho e falamos sobre projetos. A Bruna Bueno, produtora de elenco da Globo, me sonda para alguma novela. Mas fico mergulhado no teatro e no cinema, onde estou produzindo Minha mãe é uma peça 2, Vai que cola — O filme e um filme sobre São Francisco de Assis. Além das atrações do Multishow. Faço muita coisa ao mesmo tempo. Já recebi convite de todas as emissoras, mas seria superdifícil agora. Lá na frente, pode acontecer. Desde que eu esteja envolvido em todas as etapas. Sou meio criador do que faço e gosto de ter essa liberdade artística, de criar tudo, e entregar quase pronto.

Humor do teatro e da tevê
Não vejo diferença nenhuma entre o que faço no teatro e na tevê. Uso a mesma fórmula, o mesmo carinho, a mesma acidez, a mesma crítica, educação e delicadeza. O bom senso precisa ser o mesmo também.

 

MAIS SOBRE MEXERICO