Conheça Ademaravilha, a mulher que enfrentou os hackers

Ademara Barros 'bomba' nas redes com personagens que ironizam o machismo e a discriminação de nordestinos. Atacada por haters, ela ganhou ainda mais seguidores no Twitter, Instagram e Tik Tok

Frederico Gandra* 06/09/2020 07:00
Fotos: Acervo Ademara Barros
Ademara Barros diz que fazer humor no Brasil é uma forma de resistência (foto: Fotos: Acervo Ademara Barros)
A crítica bem-humorada da pernambucana Ademara Barros, de 24 anos, “bombou” nas redes sociais. Mas ela pagou um alto preço por isso. O discurso feminista da influenciadora digital foi alvo de hackers, que, em agosto, atacaram os perfis Ademaravilha no Twitter e no Instagram. Se o objetivo dos criminosos era calar a moça, deu errado.
A agressão chamou a atenção sobre ela, que ganhou ainda mais fãs. Hoje, 277 mil pessoas a acompanham na internet, divertindo-se com suas criações, como o Esquerdomacho e Laura Temporini, a “repórter sudestina”.

TABLADO

Jornalista com experiência de 10 anos em teatro, Ademara trocou o Recife pelo Rio de Janeiro em 2019, em busca de oportunidades profissionais. Fez aulas no Tablado com o humorista Fernando Caruso, experiência que a ajudou a montar as esquetes nas redes sociais.

“Fui acostumada a lidar com várias nuances do comportamento humano por meio do jornalismo. No teatro, passei a entender melhor a construção dos personagens. Uma coisa colabora muito com a outra”, conta Ademara.

O isolamento social foi outro parceiro. Em abril, ela começou a publicar esquetes de humor nas redes sociais. “Estava acostumada a fazer vídeos em particular para os amigos. Sempre enviava algumas besteirinhas pra eles. Um sugeriu que fizesse aquilo como brincadeira de quarentena”, relembra. Foi assim que surgiu Ademaravilha. A “estreia” foi o vídeo em que Ademara imitava o meme de uma garota reclamando do Enem. Em um único dia, ganhou 30 mil curtidas. Decidiu apostar para valer no Twitter, Instagram e Tik Tok.
None
Repórter Laura Temporini, a "sudestina"


COTIDIANO 

Quando alcançou 10 mil seguidores, Ademara diversificou os temas que abordava. E criou personagens baseadas nas contradições do cotidiano. “São questões que estamos habituados a viver, mas não falamos tão confortavelmente sobre elas”, diz. Divertida, Ademara faz críticas bem colocadas “de uma maneira super problematizadora”, nas palavras dela.

A personagem Intercambista de Dublin, por exemplo, ironiza estudantes de classe média que voltam de temporadas no exterior e não superam a “síndrome do regresso”. “Tentei ser minimamente crítica em relação à postura de achar que quando você volta de viagem, o lugar não mudou, só você mudou”, comenta Ademara.

A repercussão foi enorme. Inicialmente, o público de Ademara se concentrava em Pernambuco, mas personagens como a Intercambista chamaram a atenção de internautas de outros estados e também do exterior.

“O vídeo foi compartilhado por muitas páginas. Teve amigo meu que mora na Irlanda falando que tinha gente em Dublin me imitando”, conta a humorista.

Outro sucesso é o Esquerdomacho, “incorporado” pela atriz com a ajuda de barba postiça, óculos e cigarro. O “falso aliado” do feminismo viralizou nas redes sociais. “É aquele homem que se coloca como desconstruído, simpático, mas reproduz todas as estruturas de machismo e opressão”, diz ela. Páginas como Mídia Ninja compartilharam o conteúdo, levando o perfil da humorista no Twitter a bater 30 mil seguidores.
None
Esquerdomacho, o falso feminista


SUDESTINA
 O preconceito enfrentado pelos nordestinos é o mote da repórter Laura Temporini,a “sudestina”. Com sotaque tipicamente paulistano, a personagem reproduz bordões típicos de jornalistas do Sudeste em coberturas no Nordeste.

“Sempre se referem ao nordestino como se fosse uma parcela diferente da população”, diz Ademara. De acordo com ela, os “sudestinos” ignoram a diversidade do Nordeste, que reúne nove estados com características próprias, diferentes entre si.

Laura Temporini surgiu de um stand up que Ademara planejou, com a ideia de abordar sua experiência no Rio de Janeiro e relatar preconceitos enfrentados por ela no ambiente profissional. Devido à quarentena, com a suspensão da agenda cultural e fechamento de espaços culturais, a humorista decidiu criar a personagem.

Ademara diz ter a obrigação de reafirmar a pluralidade do Nordeste. “Nunca usei o termo nordestino em nenhum vídeo, pois não tenho propriedade para falar sobre uma região de nove estados – eu mesma não conheço todos eles. Não é porque vim de Pernambuco que sou exatamente a mesma coisa dos outros oito estados”, ressalta.

A aposta de Ademara deu certo, agora ela fala para o Brasil. São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília são as cidades onde há mais seguidores da humorista, depois do Recife.

A artista atribui seu sucesso aos cuidados que adota na criação do conteúdo. “Não queria fazer qualquer coisa. Faço pesquisa sobre o personagem, elaboro um textinho legal, há todo um cuidado para construir conteúdo interessante. Foi por isso que meus vídeos viralizaram tão bem”, analisa.

A repercussão das esquetes feministas e posicionamentos enfáticos de Ademara atraíram os haters, internautas que se dedicam a perseguir autores de conteúdos aos quais se opõem.

“A maioria são homens que não concordam com as construções que faço”, comenta Ademara. Xingamentos como “feminista de merda” e comentários incitando a xenofobia e o preconceito em relação aos nordestinos se multiplicaram na timeline da artista.

Ademara Barros acredita que fazer humor no Brasil, hoje em dia, é uma forma de resistência. “A gente está lidando com muita agressividade, principalmente no ambiente virtual. Procuro fazer humor que seja minimamente construtivo e didático, pois as pessoas estão muito intolerantes ao que é diferente.”

SENHA 

Segundo ela, o aumento de sua visibilidade potencializou as agressões. O auge dos ataques ocorreu em 21 de agosto, quando perfis dela no Twitter e Instagram foram hackeados. “Cometi o grande de erro de ter a mesma senha para as duas redes, coisa de alguém que estava começando e ainda não entendia os perigos de produzir nesse ambiente virtual. Provavelmente, descobriram a minha senha”, comenta.

Os hackers passaram a excluir e alterar conteúdos postados por Ademara. Por causa disso, o perfil @ademaravilha perdeu cerca de 5 mil seguidores no Twitter. A primeira reação dela foi gravar um vídeo revelando o problema e pedir a amigos que o divulgassem. “Isso teve uma repercussão que eu não imaginaria nem nos meus mais belos sonhos”, comemora.

Intensamente compartilhada por fãs, artistas (como o humorista Gregório Duvivier) e páginas de renome (como Mídia Ninja e The Intercept Brasil), a mensagem de Ademara viralizou. “São pessoas que realmente admiro muito legitimando o meu trabalho. Foi surpreendente”, comenta.

Ademara fez contato com as plataformas digitais e acionou a polícia. Recuperou as contas, mas lamenta a perda dos vídeos publicados no Instagram.

“Por outro lado, quando voltei, o mundo inteiro já sabia o que estava acontecendo, inclusive quem não me conhecia antes.” Menos de um dia após esse retorno, ela conquistou 14 mil seguidores no Twitter, quase o triplo do que havia perdido. Atualmente, eles somam 88 mil. No Instagram, ela tem 134 mil seguidores.
None
Intercambista de Dublin: classe média na Europa

Contrato fechado com estúdio de Felipe Neto

Ademara Barros fechou contrato com a Play9, que tem o youtuber Felipe Neto como sócio. O estúdio, especializado no desenvolvimento de projetos digitais e audiovisuais, vai potencializar a transmissão das mensagens da humorista e auxiliá-la a ser compensada financeiramente por seu trabalho.

“É uma parceria mesmo, não sou funcionária deles. É um contrato de apoiador”, explica Ademara. Gustavo Serra, head de conteúdo da Play 9, diz que o diferencial é o caráter autoral do trabalho. “Ademara consegue fazer um humor sofisticado, ácido, com linguagem e abordagem extremamente simples e populares”, ressalta.

TEMPORINI 

Atualmente, o portfólio da produtora conta com Fátima Bernardes, Rafa Kalimann e Gabriela Prioli. O interesse da Play9 pela pernambucana surgiu logo depois da repercussão da personagem Laura Temporini.

Em 21 de agosto, a parceria foi firmada. Cerca de uma hora depois, os perfis @ademaravilha foram hackeados. “Eles (da Play9) me ajudaram muito no processo de recuperação das contas”, agradece a pernambucana.

Ademara já tem roteiros para a Play9, mas diz que ainda não pode revelar o conteúdo deles. A partir de agora, planeja se concentrar nas produções digitais. Como tem de conciliar as atividades de influenciadora e jornalista, ela grava apenas um vídeo por semana.

“Sempre foi muito difícil atender à ânsia do público por novos vídeos, pois as pessoas querem rir na quarentena”, comenta. Essa produtividade não lhe permitiu crescimento exponencial no Tik Tok, plataforma famosa pelo grande volume de conteúdo e rápida circulação de vídeos.

“Pessoas que têm 100 mil, 300 mil seguidores no Tik Tok publicam vários vídeos por dia. Eu também trabalho como jornalista aqui no Rio de Janeiro. Então, não consigo fazer isso”, explica.

A partir de agora, Ademara vai se organizar para aumentar sua produção. Diz que pretende se manter financeiramente como atriz e produtora de conteúdo. “Nesses 10 anos de estudo de teatro, nunca consegui me dedicar integralmente a ele, pois o jornalismo pagava minhas contas. Agora, entendo a potência da internet para levar entretenimento para as pessoas e pretendo me direcionar a isso.” Mas ela continua repórter. “Quando a gente é jornalista, não tem como deixar de ser. Vira um traço da sua personalidade mesmo”, conclui.  

* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

NA REDE

Ademara Barros veicula seu trabalho no Instagram, Tik Tok e Twitter. Informações: @ademaravilha

MAIS SOBRE E-MAIS