Coronavírus: religiosos de diferentes crenças comentam a esperança no mundo pós-pandemia

Confira os depoimentos do Pastor Henrique Vieira, evangélico; Padre Reginaldo Manzotti, católico; e Monja Coen, zen budista

Adriana Izel José Carlos Vieira 17/05/2020 15:55
Desesperança. Medo. Insegurança. Palavras que insistem em habitar pensamentos em tempos de pandemia. Mas muitas pessoas enfrentam esse momento com amor, solidariedade, empatia e muita fé. O Correio Braziliense ouviu três religiosos de diferentes crenças, mas iguais nas palavras de esperança. As perguntas foram praticamente as mesmas, porém cada um dos entrevistados acrescentou cores e luminosidade às respostas.
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(foto: Divulgação)

Padre Reginaldo Manzotti, católico

Como o senhor vislumbra o mundo pós-pandemia?
E é importante lembrar que nada do que está acontecendo é castigo de Deus, pelo contrário pode ser uma oportunidade de mudanças, de aprendizado. Devemos aproveitar esse tempo de reclusão para avaliar nossas atitudes e aproveitar para darmos mais valor para nossa família, pensar em como ajudar ao próximo, praticar mais a caridade e buscar formas de nos tornarmos cidadãos melhores.

Na sua opinião, como enfrentar esses momentos?
Posso afirmar que nos momentos de angústias e atribulações, a fé é a maior força que dispomos, pois nos liga a Deus, nosso Pai Misericordioso e sua presença nos consolará nas perdas e saberemos tirar coisas boas, mesmo de algo mau. Se acreditamos e confiamos em Deus, as crises e dificuldades nos afetarão, mas não nos destruirão. O Senhor Deus é bom. Em tempos difíceis, ele salva o seu povo e cuida dos que procuram a sua proteção (Naum 1:7).

Quando nos encontramos diante de situações de impotência, como essa pandemia que lutamos contra um inimigo que não conhecemos ou pouco sabemos sobre ele, diante de toda a insegurança e incertezas que estamos vivendo a fé é primordial para nos revigorar. A fé é o combustível para a esperança, para o amor ao próximo, para mantermos o pensamento positivo, para não nos desesperarmos e manter a serenidade, a paciência e claro para fazer a nossa parte, cumprindo com responsabilidade as orientações sobre a prevenção.
Fernando Rabelo/Divulgação
(foto: Fernando Rabelo/Divulgação)

Monja Coen, zen budista

Como a senhora vislumbra o mundo pós-pandemia?
Haverá momentos diferentes do agora. Mas, o agora é tudo que temos e aqui podemos apreciar a vida que vive em nós. Como será? Podemos imaginar... A alegria de poder sair de casa, o contentamento de não precisar higienizar cada fruta, objeto, flor que chegue em sua casa. O encontro presencial será mais rico, pois se tornou raro. O reencontro com crianças, idosos, pessoas queridas.

O poder caminhar livremente pelas ruas, escolher suas compras pessoalmente. Momentos de liberdade e de alegria, do encontro até mesmo com pessoas desconhecidas e sorrir feliz por termos atravessado o que nos atravessava.

Sorriremos mais, abanaremos as mãos cumprimentando pessoas e pássaros. Falaremos com estranhos e compartilharemos a alegria de termos sobrevivido. Poderemos orar pelos mortos, agradecer todos que trabalharam nas ruas, nos hospitais, nas ambulâncias, nos cemitérios, nas farmácias, na alimentação, no transporte, nos caminhões, aviões, ônibus e trens.

Agradeceremos muito, brincaremos mais e poderemos ver mais pessoas nos bares e restaurantes, as baladas nas periferias estarão repletas de jovens em danças, abraços e beijos. Haverá praças cheias de pessoas, de bicicletas, de crianças, de esportistas, de idosos sentados nos bancos apreciando o calor do sol e o voo dos pássaros. Comeremos juntos, falando e contando como passamos a pandemia.

Alguns casais talvez se alegrem por se separar, por encontrar outras pessoas, por falar de outros assuntos — e até mesmo, falar mal um do outro para outros e outras. Outros lamentarão o fim do isolamento, da ternura de passar dias e noites tão próximos, lado a lado, partilhando o som e o silêncio.

Haverá menos mortos, menos doentes, hospitais de campanha fechados. Médicos e médicas, cientistas, servidores da saúde vão cessar plantões tão longos e poderão dormir com mais tranquilidade, se conseguirem esquecer tudo que viram, viveram e juntos sofreram. Marcas na pele e na mente.

Talvez não seja assim... só sei como é o agora. De alegrias e tristezas, de momentos de encontros e desencontros, de ansiedades e saudades.

Será que nos tornaremos diferentes, depois do primeiro momento?
Sempre haverá momentos diferentes. Mais intensos, menos intensos. Depois nos acostumaremos com a liberdade de ir e vir, de não ter medo do coronavírus, da covid-19.

Mas ficará comum sair. Ainda teremos medos de doenças e de morte, de sofrimento e de perdas. Mas, viveremos. E de novo poderemos nos apegar a coisas menores. Aos poucos talvez deixemos de cumprimentar estranhos e de abanar as mãos pelas ruas.

Vamos nos preocupar mais e mais com o trânsito. Talvez até nos esqueçamos como tem sido este ficar em casa, este isolamento e pensemos que foi um sonho. Os cemitérios nos lembrarão. A tecnologia avançará. Compras virtuais, aulas virtuais, palestras virtuais, diagnósticos virtuais. Talvez deem mais crédito ao SUS. Talvez nos lembremos mais da importância dos médicos e das médicas, da enfermagem, dos auxiliares de enfermagem, dos bombeiros e das bombeiras, das policiais e dos policiais, dos lixeiros e garis, de todos os seres que plantaram, venderam transportaram e nos alimentaram.

Talvez alguns tenham despertado para o incansável movimento da vida e continuem comprometidos a cuidar de tudo que existe. Outros talvez ainda estejam contagiados pela ganância, raiva e ignorância — incapazes de amar e de cuidar.

O que levamos da pandemia?
Levaremos conosco o agora e aqui — a apreciação da vida. A clara percepção de sermos uma só grande família humana.Que cuidando somos cuidadas. Que interdependemos de todas as formas de vida. Que não há fronteiras possíveis para os vírus. Que não há fronteiras possíveis para a vida. Levaremos um pouco mais de solidariedade. Talvez possamos exigir mais das autoridades para que haja água potável em todos os lugares, saneamento básico em todo Brasil. Que haja menos pobreza e mais afeto.

Talvez possamos viver com menos e mais simplicidade, partilhar informações e agradecer quem fale a verdade.

Talvez possamos crer mais na ciência e na medicina e lembrar que a vida vale mais do que as dívidas. Talvez, talvez tenhamos aprendido que é muito bom viver.
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Pastor Henrique Vieira, evangélico

Como o senhor vislumbra o mundo pós-pandemia?
O mundo pós-pandemia está em aberto. Temos uma disputa de valores. De um lado, um discurso de indiferença diante do sofrimento humano e da morte. Um discurso de negação da ciência e de intolerância e falta de compaixão, da capacidade de sentir a dor do próximo. Essa narrativa tem contornos governamentais no nosso país. Por outro lado, a gente vê redes de afeto e de solidariedade, de partilha de bens, de preocupação genuína e sincera com o próximo. Não dá para saber como será esse mundo pós-pandemia. É um mundo ferido, nebuloso. Um mundo em crise, mas crise tem a ver com risco, por um lado, e oportunidade, por outro. Espero que esse mundo possa nos levar uma dinâmica de outra civilização, baseada na solidariedade, na justiça social e ecológica. Precisamos agir...

Será que nos tornaremos diferentes, depois de tudo que passamos?
Diferentes com certeza, porque essa experiência de dor e de reconhecimento de nossa vulnerabilidade não está sendo vivida individualmente, é compartilhada pelo conjunto da humanidade. Já não somos hoje mais os mesmos, a nossa relação com o espaço público, com nosso próprio corpo, com a saúde, com o trabalho... Tudo tende a ser diferente e que isso possa ser trabalhado dentro de nós para produção de humanidade mais fraterna e amorosa. Há uma nova dinâmica civilizacional se instituindo. Como disse, tudo está em aberto.

Que lições podemos tirar da pandemia?
A nossa fragilidade humana. Não temos controle de todas as variáveis da vida. E isso não precisa gerar desespero, mas humildade e valorização do tempo presente, das coisas simples e de quem está ao lado. Outra lição é amar — se a vida é tão frágil, o que a preenche de sentido é a capacidade de amar. Acho que quando a gente reconhece nossa fragilidade e tem uma postura mais humilde diante da vida, a gente se abre para viver em espírito mais fraterno e menos bélico. Trabalhando a diversidade como riqueza humana. É importante também o cuidado com a mãe Terra, de reconhecimento da sacralidade da natureza. Precisamos de mudanças econômicas que valorizem e respeitem a mãe Terra.

Por que o medo é a arma dos ignorantes?
O medo só pensa no tempo presente. O medo não raciocina, não projeta. Ele inviabiliza uma reflexão sobre a vida e a sociedade. O medo é amigo do desespero e inimigo da esperança. Quando uma sociedade está atravessada pelo medo, ela valoriza mais as armas do que os livros; mais a violência do que o diálogo.

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