Propaganda enganosa? Entenda a polêmica do 'furacão' Bettina

Garota-propaganda da Empiricus vem causando alvoroço nas redes sociais após dizer em vídeo que virou milionária com pequeno aporte na compra de ações ao longo de três anos

por Paula Pacheco 21/03/2019 09:37
Reprodução/Empiricus/Divulgação
(foto: Reprodução/Empiricus/Divulgação )

São Paulo – Os anúncios da Empiricus são uma espécie de fantasma que assombra quem navega pela internet. Aparecem quando menos se espera e custam a ir embora. Com uma comunicação agressiva para os padrões brasileiros, especialmente no ambiente de finanças pessoais, a empresa explica em seu site que ganha dinheiro com a venda de conteúdos com “as melhores sugestões de investimentos, em várias estratégias diferentes. De A a Z.”

Por dia, diz a Empiricus, suas informações sobre finanças e investimentos chegam a cerca de 1,8 milhão de pessoas. A receita do negócio vem da assinatura desse pacote de dados.

A empresa, que já esteve envolvida em outras polêmicas e trava disputa na Justiça contra a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), desta vez viu um de seus vídeos, estrelado por Bettina Rudolph, uma de suas funcionárias, viralizar como nunca havia ocorrido com outros de seus conteúdos.
O vídeo em que a jovem descreve em 1 minuto e 11 segundos seu sucesso como investidora no mercado de ações esteve entre os principais assuntos das redes sociais e motivou reação negativa entre os internautas. Muitos ironizaram e transformaram o breve relato de riqueza em memes, mas outros desqualificaram a informação, duvidando da fórmula aparentemente simples relatada pela apresentadora.

Assim é o texto da funcionária da Empiricus, resumidamente:

— Oi, meu nome é Bettina, tenho 22 anos e R$ 1.022.000 de patrimônio acumulado. Comecei com 19 anos e com R$ 1.019. Os resultados, eu garanto, serão os mesmos. Não tem como ser diferente. Se você tiver as mesmas ações que eu tenho, vai lucrar proporcionalmente o mesmo que eu. Isso vale para as perdas também.

Além dos internautas, que criticaram o conteúdo e atacaram a funcionária da empresa, também sobraram condenações de quem atua no mercado financeiro — como corretoras e plataformas de investimento —, além de economistas dispostos a mostrar matematicamente que a conta não fechava.

Até a CMV parece ter entrado na onda. Na terça-feira, a comissão, responsável por fiscalizar o mercado financeiro, publicou em sua conta no Twitter uma série de textos entendidos com indiretas à Empiricus. Para ilustrar, foi usada a imagem de um lobo em pele de cordeiro: “Estou te dando conselhos financeiros. Eu nunca tentaria te vender um produto.”

Disputa Na Justiça Federal do Rio, a comissão tenta enquadrar a empresa na categoria de analistas de valores mobiliários, o que exige credenciamento. Já a Empiricus declara ser provedora de conteúdo para auxiliar na tomada de decisão de investidores, o que a dispensaria essa qualificação.
 
ESPECIALISTA VÊ TIRO NO PÉ 

Por meio de nota, a CVM informou que não falaria sobre o caso. O Procon de São Paulo entrou na polêmica e pediu à empresa informações sobre a campanha. Já o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) informou não ter recebido nenhuma queixa, tampouco decidiu questionar a Empiricus sobre o conteúdo do vídeo de Bettina.
 
Para Priscilla Menezes, professora do curso de Publicidade e Propaganda da ESPM Rio e advogada especialista em direito empresarial, a campanha da Empiricus, que incluiu outros vídeos sobre a polêmica em torno do caso Bettina, foi o que ela classifica como “desastre, tiro no pé”. A especialista alerta que o conteúdo, num país em que 65% da população nem sequer sabe quanto deve, soa como “receita mágica”. “Vários economistas fizeram cálculos e comprovaram que o argumento é falacioso”.

Esse tipo de estratégia, defende Priscilla, viola o Código de Defesa do Consumidor. “Classifico como publicidade enganosa, promessa parcialmente falsa. Enquanto no vídeo ela atribui a evolução do patrimônio aos investimentos em ações, no programa The Noite (SBT) foi dito que ela recebeu R$ 35 mil do pai e fez outros aportes, como o bônus como funcionária da Empiricus. Do jeito que a campanha é veiculada, é enganosa e desrespeita também o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária”.

Priscilla, no entanto, alerta para o fato de o mercado financeiro brasileiro, que “corre frouxo”, não estar em posição de criticar ações como a da Empiricus. “Aqui, a oferta de crédito é oferecida até pelo telefone. Por isso posso afirmar que não tem nenhuma empresa financeira que seja exemplo.”

Camila Securato, diretora de Marketing e Comercial da Saint Paul Escola de Negócios, avalia que propagandas desse tipo podem ter impactos positivos e negativos no ambiente de investimentos. “O positivo é chamar a atenção sobre oportunidades de investir em outros produtos além da poupança e fundos de investimento de baixo risco e baixo retorno. Abrir os olhos para isso é uma missão importante, já que hoje o investidor tem um leque muito maior de alternativas”, avalia. O negativo, explica, é promessa de ganho rápido, que “não é realista para a maior parte dos investidores e banaliza o todo”.

Apesar desse porém, Camila acredita que o saldo seja bom, já que a polêmica serviu para viralizar um tema pouco debatido. A especialista avalia que as instituições financeiras poderão pegar carona na discussão para ampliar o debate sobre opções de investimento. Mas alerta: “Não há fórmula mágica, altos retornos sempre vêm de investimentos mais arriscados que podem resultar em grandes perdas”.


ENTREVISTA

Felipe Miranda
CEO da Empiricus


“Estou muito orgulhoso”

Felipe Miranda, CEO da Empiricus, é responsável por boa parte dos textos divulgados pela empresa. Menos de uma semana depois de a campanha com Bettina ir ao ar, ele garante: “Estou muito orgulhoso do que fiz e da Bettina. Nunca houve uma campanha como essa.”

Como você avalia a reação à campanha da Bettina?
Acho que houve uma reação negativa, mas parcialmente. As redes estão divididas. No Instagram, por exemplo, tem um elogio atrás do outro. Já outras redes, como o Facebook, são terra de ninguém. Sabemos que a reação costuma vir dos hatters. Acho pesado dizer que as redes tiveram uma reação negativa. Mas a história tomou uma escala que eu não esperava.

Os vídeos da Empiricus em defesa da Bettina e da equipe de marketing da empresa são uma reação ao que se viu nas redes sociais?
Tenho conversado com ela e com a família o tempo todo. Ela sabe do suporte de toda a companhia e dos 330 mil assinantes. Toda a campanha partiu da Bettina. Estamos meio acostumados com algumas reações, já que a Empiricus precisa orientar o investidor a comprar e vender, sempre tem o antagonismo. Só temos dois botões para apertar, compra ou vende. Se as críticas tivessem vindo dos meus assinantes, sinceramente, estaria preocupado.

Houve reação também de economistas e de agentes do mercado financeiro.
Essa crítica superficial me incomoda. Também incomoda o que dizem os liberais brasileiros que são de quermesse. O liberalismo vale desde que faça do jeito deles. Acham que a comunicação deve ser regulada pelo poder estatal, são contra a liberdade financeira. Além disso, houve muita crítica do segmento machista.
 

Você acredita que acertou na comunicação no caso do vídeo em que Bettina narra seu enriquecimento? 
Ela diz que o “sistema financeiro é corrompido, manipulado por instituições gigantes que lucram em cima da sua falta de conhecimento”.
Bettina é copywritter, responsável por escrever cartas e fazer anúncios, e se dispôs a gravar, a fazer os vídeos de conteúdo. Sou o estrategista de ações. O conteúdo que foi para o ar também foi aprovado por ela após um compliance interno. A Empiricus foi criada para oferecer informações de investimento não conflitadas. É fato que, quando vamos ao banco, o gerente empurra o que é melhor para ele e para instituição financeira, por isso tem as casas de pesquisa independentes, como a nossa. Sim, os bancos no geral não gostam da Empiricus.

O episódio serviu para melhorar a educação financeira do brasileiro ou pode ter gerado mais desconfiança?
Acho que teve uma enorme contribuição para a educação financeira. Nunca se falou tanto de investimento, ainda que viesse com tanta desconfiança. 
 
EMPIRICUS
 
A Empiricus comunica que foi notificada sobre uma multa de R$ 40 mil (valor à vista) encaminhada pelo Procon, sobre a qual ainda cabe recurso. A empresa lamenta a divulgação sensacionalista da informação errônea de que teria sido multada em R$ 9 milhões. Por fim, a Empiricus reforça que a peça em questão direcionou os interessados para um curso gratuito de educação financeira, feito por uma equipe de 32 especialistas.
 

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