Amos Oz foi notório defensor da solução de dois Estados para o conflito israelo-palestino

Um dos maiores autores do século 20, israelense morre de câncer aos 79 anos

por Estado de Minas 29/12/2018 13:30
GERGELY BOTAR/AFP
Convidado especial da edição 2010 da Feira de Livros de Budapeste, Amos Oz posa para foto entre estantes com seus livros De amor e trevas e Rimas da vida e da morte (foto: GERGELY BOTAR/AFP)

Mais influente nome da literatura contemporânea israelense, o escritor Amos Oz, morto ontem aos 79 anos, em decorrência de um câncer, buscou em toda a sua obra desvendar a natureza humana. A vida no kibutz e as complexas relações de seus personagens com Israel e a política moderna deram o tom aos seus livros, tanto de ficção quanto não ficção.

Aclamado em seus primeiros dias como o “Camus israelense”, o escritor, um dos fundadores do movimento Peace Now e uma das mais reconhecíveis vozes em defesa da solução de dois Estados para o conflito israelo-palestino, denunciou nos últimos anos a política do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, protestando contra o que ele descreveu como “extremismo crescente do governo”.

Frequentemente mencionado como um candidato ao Nobel de literatura, com sua obra traduzida em 45 línguas, Oz venceu prêmios importantes, como o Goethe (2005; Alemanha), o Brenner, o Primo Levi, o Franz Kafka e o Prêmio Israel de Literatura. Entre suas obras mais conhecidas estão A caixa preta (1987) e De amor e de trevas (2003), seu romance autobiográfico best-seller, além de Meu Michel, lançado em 1968 e que o projetou internacionalmente.
Jason Kempin/Getty Images/AFP
O escritor Amos Oz e a atriz Natalie Portman se aplaudem em Beverly Hills (Califórnia), em 2015 (foto: Jason Kempin/Getty Images/AFP)

Conhecido por suas inúmeras manifestações políticas pacifistas, ele era o ficcionista israelense mais lido nas dezenas de países onde seus livros são traduzidos. Por um motivo simples: em suas histórias, o cotidiano de pessoas comuns se mistura às dificuldades de uma comunidade em permanente conflito.

Em De repente, nas profundezas do bosque (2005), por exemplo, a narrativa começa com uma professora solteirona mostrando desenhos dos bichos que existiram outrora. As crianças, porém, riem e zombam da mestra, pois aprenderam em casa que tais bichos não passam de mitos dos quais nem é bom falar – um simples comentário pode despertar uma maldição e a boca pecadora contrai a “doença do relincho” e, tal qual o pobre menino Nimi, passa a se comportar como um potro.

“Para aqueles que o amam, obrigado”, disse a filha Fania Oz-Salzberger, ao anunciar a morte de Amos Oz pelo Twitter. Na declaração, primeiramente em hebraico e depois em inglês, ela afirmou que o pai, “um homem de paz e moderação”, havia morrido após uma “curta batalha contra o câncer”. Oz, segundo Fania, morreu em paz e cercado pelos mais próximos. “Que seu legado continue a melhorar o mundo.”

KIBUTZ Amos Oz nasceu Amos Klausner em Jerusalém, em 4 de maio de 1939, filho de pai lituano e mãe polonesa. Quando tinha 12 anos, sua mãe se matou. Dois anos mais tarde, ele saiu de casa para viver no kibutz Hulda, onde adotou o sobrenome Oz.

Mesmo vindo de um lar não religioso, ele desenvolveu um fascínio pela religião – começou a estudar o Novo Testamento na adolescência. “Percebi com 16 anos que se eu não lesse os evangelhos, nunca teria acesso à arte renascentista, à música de Bach ou aos romances de Dostoiévski. Então, à noite, quando os outros meninos iam jogar basquete ou perseguir garotas, encontrei meu conforto em Jesus”, afirmou há dois anos em entrevista ao jornal britânico The Guardian.

Estudou filosofia e literatura na Universidade Hebraica de Jerusalém. Casou-se com Nily Oz-Zuckerman em 1960. Com ela teve três filhos. Já em 1961 estreou na literatura, com uma série de contos curtos.

Oz passou três anos na Brigada Nahal das Forças de Defesa de Israel e voltou ao serviço militar durante a Guerra dos Seis Dias, de 1967, e a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Foi depois de suas experiências no Exército que Oz adotou uma postura política pacifista.

Foi também membro do Partido Trabalhista Sionista. Escreveu 18 obras em hebraico, entre romances, coletâneas de contos e ensaios, além de cerca de 500 artigos e ensaios para periódicos internacionais.

Um dos títulos mais vendidos da história da literatura israelense, De amor e de trevas foi levado aos cinemas em 2015 pela atriz Natalie Portman. No filme, além de interpretar a mãe do escritor, Fania, Natalie fez sua estreia na direção de longas-metragens.

Seu último romance é Judas (2014), livro que suscitou debates inflamados. Na obra, Oz apresentou o traidor de Cristo como o primeiro de todos os cristãos, o único que teria sido fiel a Jesus até à cruz e um injustiçado ao longo da história. A narrativa conta a história de três pessoas solitárias: um universitário que começa a fazer companhia a um moribundo e a uma mulher misteriosa.

Em abril passado, em entrevista à imprensa alemã, Oz revelou sua preocupação com a cidade de Jerusalém. “Não sei o que o futuro reserva para Jerusalém, mas sei o que deve acontecer. Todos os países do mundo devem seguir o exemplo do presidente americano Donald Trump e transferir sua embaixada em Israel para Jerusalém. Ao mesmo tempo, cada um desses países deveria abrir sua própria embaixada em Jerusalém Oriental como a capital do povo palestino”, disse.

O presidente israelense Reuven Rivlin comentou a morte de Oz dizendo que “a tristeza se abateu sobre nós”. Ele classificou Oz como “nosso maior escritor” e “um espírito gigante”.

O premiê Benjamin Nenanyahu declarou, segundo o Haaretz, que Amos Oz foi um dos maiores escritores da história israelense e acrescentou que, embora as opiniões de ambos divergissem em muitos temas, ele valoriza profundamente a contribuição de Oz para a língua e a literatura hebraicas.

OBRA VOLUMOSA
Confira os principais títulos de Amos Oz


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no século 21 (2017)
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De repente nas profundezas do bosque (2007)
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De amor e trevas (2005)
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Meu Michel (2002)
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