Morre aos 84 anos, diretor, dramaturgo e autor João das Neves

Artista sofria de câncer; Velório será a partir das 12h no Crematório do Parque da Colina

por Estado de Minas 24/08/2018 08:36

Beto Novaes/E.M/D.A Press
João das Neves foi um dos grandes nomes do teatro brasileiro (foto: Beto Novaes/E.M/D.A Press)
Morreu na manhã desta sexta (24), aos 84 anos, o dramaturgo, iluminador, autor, ator e diretor teatral João das Neves. Carioca, João tinha câncer e estava em sua casa em Lagoa Santa cercado por familiares e amigos. O corpo será cremado ainda hoje. O artista era casado com a cantora Titane.Ele deixa duas filhas: Maria Iris, de 17 anos, e Maria João, de 29.

 

Atuante desde a década de 1960, o carioca João das Neves (1934-2018) teve trajetória bastante particular nas artes brasileiras, com destaque para a dramaturgia e a direção teatral, em que combinou questões políticas e sociais à pesquisa estética rigorosa. Sua ligação com o teatro se deu ainda na adolescência, levando-o à Fundação Brasileira de Teatro (FBT), onde se formou como ator e diretor. Sua primeira companhia foi Os Duendes, que atuou, sob sua direção, no Teatro Arthur Azevedo, na periferia de Campo Grande (RJ), durante o governo de Carlos Lacerda, no início dos anos 1960.

 

Beto Novaes/E.M/D.A Press
Carioca, ele se mudou para Minas e vivia em lagoa Santa com a mulher, a cantora Titane (foto: Beto Novaes/E.M/D.A Press)

Depois de o grupo ser expulso do espaço pelo governador, acusado de subversão, João das Neves integra o Centro Popular de Cultura (CPC), promovendo o teatro de rua, até ser novamente banido pelo golpe militar de 1964. Foi um dos fundadores do Grupo Opinião, atuando em várias funções – diretor, iluminador, cenógrafo e ator. Destacou-se na direção de peças importantes que criticavam a ditadura, caso de A saída, onde fica a saída? (1967), escrita por Armando Costa, Antônio Carlos Fontoura e Ferreira Gullar, O último carro (1976) e Mural mulher (1979), ambas escritas e dirigidas por ele.

 

O último carro, escrita nos anos que se seguiram ao golpe militar, apresenta a metáfora de um trem desgovernado, ao mesmo tempo em que compõe um retrato da vida na periferia das grandes cidades. Em Mural mulher, com elenco exclusivamente feminino, são levadas ao palco questões sobre igualdade de gênero, lutas sociais, o movimento LGBT e outros. A atuação de João das Neves não se restringiu à dramaturgia e à encenação de espetáculos teatrais. Seu trabalho como escritor para o público infantil também reflete a preocupação com temas sociais, seja o racismo em O leiteiro e a menina noite (1970) ou a violência A lenda do Vale da Lua (1975).

 

Em 2016, aventurou-se pela poesia, com o livro de haikais Rumores. E, em 2018, publicou Diálogo com Emily Dickinson, também de poesia, no qual estabelece uma relação imaginária com a escritora americana. Seu domínio da linguagem do palco o fez ser convidado para dirigir shows de grandes artistas da MPB – Baden Powell, João do Vale, Chico Buarque, Milton Nascimento, Geraldo Vandré e outros. Sempre atento aos movimentos de luta, João das Neves viveu por alguns anos no Acre, onde integrou o Grupo Poronga, escrevendo e dirigindo obras de temática ambiental e indígena – Tributo a Chico Mendes (1988) e O rio do nosso corpo (1990, inédita).

 

MINAS

No início dos anos 1990, o teatrólogo escolheu viver em Minas Gerais. Casado com a cantora Titane, com quem morava em Lagoa Santa, estabeleceu com ela parceria na direção de shows e projetos musicais. Em Belo Horizonte, dirigiu duas peças escritas por Paulo César Pinheiro (Galanga e Chico Rei, em 2011), além de Zumbi, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri (2012), todas com temáticas históricas ligadas à escravidão e à presença da cultura afro-brasileira, assim como Madame Satã (2015), em parceria com Rodrigo Gerônimo, sobre o personagem carioca.

João Castilho/Divulgação
Foi um dos fundadores do Grupo Opinião, atuando em várias funções %u2013 diretor, iluminador, cenógrafo e ator (foto: João Castilho/Divulgação)
 

Em 2016, encenou Primeiras histórias, baseado no livro de contos de Guimarães Rosa. A peça estreou no Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado, na Região Norte da capital mineira. No mesmo ano, voltou ao palco, após 25 anos, para atuar em Lazarillo de Tormes, peça de autor anônimo do século 16 que faz uma sátira dos poderosos, expondo as mazelas da Idade Média, mas que permanecem as mesmas da atualidade. A adaptação ganhou toques de commedia dell arte, com máscaras e cenários alusivos à cultura hip-hop. “As histórias que o ser humano inventa, as situações sociais que enfrentamos, nossos embates para sobreviver são os mesmos, mesmo quando ambientados em sociedades diferentes”, afirmou João das Neves ao Estado de Minas/UAI, ao comentar a montagem Lazarillo de Tormes.

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