Em entrevista ao EM, Tony Bellotto fala sobre lançamento de coletânea de contos policiais

A coletânea São Paulo noir (Casa da Palavra) reúne contos ambientados em São Paulo

por Carlos Marcelo 14/01/2017 10:00
denise andrade/ESTADÃO CONTEÚDO
"Todos os grandes detetives da literatura estão umbilicalmente ligados a uma cidade", Tony Belloto (foto: denise andrade/ESTADÃO CONTEÚDO)


“Uma verdade de quem vive a noite: onde há diversão, há sangue. Onde há excessos, pode-se esperar de tudo.” Assim o escritor Marcelo Rubens Paiva inicia o conto Baixo Augusta, ambientado na “rua mais boêmia e festeira do Brasil”, onde “a dor está próxima demais da alegria e do entretenimento”. A Rua Augusta pode ser considerada um dos personagens de destaque na coletânea São Paulo noir (Casa da Palavra), com edição de um paulistano radicado no Rio de Janeiro: Tony Bellotto, guitarrista dos Titãs e autor de diversos romances, entre eles a série protagonizada pelo detetive particular Remo Bellini.

Bellotto também foi o responsável pela organização da primeira coletânea, Rio noir, lançada em 2014, com a participação de escritores como Luis Fernando Verissimo, Luiz Antonio Garcia-Roza, Arthur Dapieve e Flávio Carneiro. Com um time eclético, que vai de Jô Soares a Drauzio Varella, passando por escritores experientes como Fernando Bonassi, Beatriz Bracher e Marçal Aquino, São Paulo noir dá continuidade à série de sucesso iniciada nos EUA, também com organização de um músico-escritor (Johnny Temple, baixista das bandas indies Girls Against Boys e Soulside) e mais de 60 volumes publicados em diferentes continentes.

“Tentei reunir um time variado, que conseguisse de alguma forma retratar os contrastes e incongruências da grande metrópole. Dos cogitados, apenas Ignácio de Loyola Brandão, Rodrigo Lacerda e Fernanda Young não conseguiram participar, por estarem envolvidos em outros trabalhos”, conta Tony Bellotto, em entrevista ao Estado de Minas. Ele também revela qual nome gostaria de ter convidado entre os escritores falecidos: “Marcos Rey (1925-1999), com certeza. Ele é o grande escritor policial paulistano, no meu entender”.

Morador do Rio de Janeiro há décadas, ele não tem planos de voltar à cidade natal: “Atualmente, já me considero um cidadão carioca. Até mesmo minha filha paulistana se mudou para o Rio e meus netos são cariocas. Mas viajo frequentemente a São Paulo e adoro a cidade”, ressalta Bellotto, que também participa como autor.  Sua história é protagonizada pelo detetive Bellini no tradicional Bairro do Bixiga: “Existe uma São Paulo imaginária na minha cabeça que visito quase todos os dias”.
Ao lado, confira outros trechos da entrevista com Tony Bellotto:

São Paulo é uma cidade de múltiplas perspectivas. Esse também foi o seu objetivo com a coletânea?
Sim, uma cidade complexa, gigantesca e indecifrável. Uma esfinge para Tebas nenhuma botar defeito.

Como autor, o que o fez escolher o Bixiga para ambientar a história Diário inútil ? O que você mais gosta no bairro?
O Bixiga é um bairro tradicional, no Centro de São Paulo. No fim do século 19 se caracterizou por receber os imigrantes italianos. Depois vieram os nordestinos. Ali também se encontram muitos teatros. Nos anos 1980, era um bairro boêmio, com bares e danceterias frequentados por jovens. Acho que é um bairro bastante significativo de São Paulo.

O que a sua história representa para Remo Bellini e onde ela se situa na cronologia do seu personagem?
É uma história que se passa nos dias seguintes ao assassinato de John Lennon, em 8 de dezembro de 1980. O Bellini, por mais que frequente diferentes épocas, é um homem dos anos 1980.

No livro O último leitor, o argentino Ricardo Piglia, ao analisar a gênese do gênero policial a partir de Edgar Allan Poe, afirma: “A figura do detetive nasce como efeito da tensão entre a multidão e a cidade”. No seu caso, como a tensão paulistana o ajudou a compor Remo Bellini?

O Bellini é um fruto de São Paulo. Ele tem as marcas da fuligem da Avenida Paulista. Concordo plenamente com a afirmação do Piglia. Os detetives, na literatura, nascem com o surgimento das grandes metrópoles durante a Revolução Industrial. São fruto do pensamento racional e do avanço tecnológico e científico. Todos os grandes detetives da literatura estão umbilicalmente ligados a uma cidade. Com o tempo, os detetives tornaram-se também figuras literárias transcendentes.

“Tentar entender melhor a cidade onde nasci.” Assim, você apresenta um dos objetivos de São Paulo noir. O que você entendeu mais sobre sua cidade depois desta edição?
Tentar entender São Paulo talvez seja uma tarefa impossível. Mas aprendi algumas coisas interessantes lendo os contos de meus convidados. Poder reunir Jô Soares e Ferréz no mesmo livro é algo que me satisfaz profundamente.

Quais as diferenças que você percebe entre Rio noir e São Paulo noir? E em relação aos volumes brasileiros, quando comparados com a série iniciada nos EUA?
As diferenças entre Rio noir e São Paulo noir são sutis. A qualidade dos textos e a variedade dos temas são bem próximos. A grande diferença, claro, é que são retratadas duas cidades muito diferentes. Acho que isso vale para todos os livros da série.

Existe chance de a coleção continuar com outras cidades ou regiões brasileiras?
Acho que sim. Depende de quanto os livros vão vender e outros aspectos comerciais. Mas um Brasília noir me parece bastante interessante.

Onde e quando o Brasil é mais noir?
Nos noticiários. Nosso dia a dia é mais noir que qualquer ficção.

São Paulo Noir
Coletânea de contos ambientados
em São Paulo  
• Edição de Tony Bellotto  
• Casa da Palavra
• 267 páginas  
• R$ 44

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