Bienal do Livro de Minas atraiu cerca de 260 mil visitantes

Em sua quinta edição feira vendeu em média cinco exemplares por frequentador, segundo organizadores

por Ana Clara Brant 25/04/2016 08:00
Ramon Lisboa E.M/D.A Press
(foto: Ramon Lisboa E.M/D.A Press)
A bonequinha preta
, clássico infantil da escritora mineira Alaíde Lisboa (1904-2006), foi lançado há 78 anos. A história da boneca “preta como carvão, com duas trancinhas, boca vermelha e olhos bem redondos” que contraria sua dona Mariazinha e acaba sendo “sequestrada” por um gato resistiu ao tempo e foi uma das que mais fizeram sucesso na 5ª Bienal do Livro de Minas, encerrada ontem, depois de atrair ao Expominas cerca de 260 mil pessoas, em dez dias de realização.

Por todo os lados, viam-se crianças e até adultos com o kit especial lançado pela Editora Lê, que trazia o livro acompanhado de uma bonequinha preta de pano. A pequena Manoela Maestro, de 5 anos, apesar de ainda não saber ler, contava à sua maneira a historinha para a boneca. "Eu gosto dela porque ela desobedeceu", comentou a menina. A mãe, Vanessa, de 39 anos, também é fã da publicação e diz que a filha é apaixonada por livros desde bebê. "Nós viemos umas duas vezes à Bienal deste ano, e ela ficou encantada pelos livros. É muito bacana ter iniciativas como essa que agrada a toda a família."

Moradora de Pará de Minas, no centro-oeste, a professora aposentada Maria de Fátima dos Santos, de 67 anos, aproveitou o feriado para visitar parentes em Belo Horizonte e ficou emocionada quando se deparou com o livro de Alaíde Lisboa. "A bonequinha preta foi o primeiro livro que li. Fiz questão de comprar esse kit para os meus netos e até um para mim."

Atraindo um público de diversas idades, a Bienal do Livro promoveu lançamentos, palestras, saraus, espetáculos teatrais e bate-papos entre leitores e autores. Nomes como Zuenir Ventura Luiz Ruffato, Míriam Leitão, Ruy Castro, Fabrício Carpinejar, Marçal Aquino, Mario Prata, padre Fábio de Melo, Heloísa Freitas, Paulo Scott, Edney Silvestre e Marcelino Freire atraíram fãs ao Expominas – sem contar os youtubers, como Lucas Rangel, e a escritora juvenil Thalita Rebouças, que provocaram uma verdadeira histeria.

"É formidável a gente ver crianças e jovens lendo um livro físico. Isso nos empolga. Esses autores que surgem na internet e nos games são meio responsáveis por isso. Ao mesmo tempo em que a pessoa está jogando, por exemplo, ela se interessa pelo autor, pelo assunto e vai e comprar um livro. É uma cultura que se autoalimenta", afirma Tatiana Zaccaro, diretora da Negócios da Fagga | GL events Exhibitions, empresa realizadora da Bienal do Livro de Minas.
Tatiana comemora também a venda de livros durante o evento. "Como a gente teve muita promoção, inclusive com obras-primas da literatura a R$ 2, R$ 5 e até três exemplares por R$ 10, é quase impossível resistir. Cada frequentador levou em média quatro ou cinco livros para casa. Em um país que não tem a cultura de ler, isso é uma vitória."

Washington Alves / Light Press
O debate com os escritores Martha Medeiros e Xico Sá (foto: Washington Alves / Light Press)
ENCONTROS
Um dos encontros que mais atraiu gente ocorreu no sábado, reunindo o jornalista e escritor Xico Sá e a escritora e poeta Martha Medeiros. O bate-papo debateu o amor em tempos apressados. Tema recorrente na literatura desde os seus primórdios, as relações amorosas são um assunto que, segundo a autora gaúcha, atualmente cronista dos jornais Zero Hora e O Globo, interessa a qualquer um.

Na avaliação de Martha, a correria dos dias de hoje deu à vida caráter emergencial e ninguém quer desperdiçar nada, inclusive o amor. "Todos querem sugar a vida em toda a sua potencialidade e com o amor isso não funciona. Ele não é um produto que você pega na prateleira, consome e depois pega outro. O amor requer uma construção, uma dedicação para trocar, investir. Não desdenho desses amores 'descartáveis', que são bem o retrato de uma sociedade consumista. Se a pessoa quer isso para a vida dela, tudo bem. Mas tem que estar disponível e ter tempo para quando surgir algo que valha um investimento", opina.

Xico Sá, que aos 17 anos participava de programas em rádios de Juazeiro do Norte (CE) e do Recife (PE) dando conselhos amorosos, também defende que esse sentimento exige tempo e diz que quando ele acontece com pressa é um não amor. "O amor exige um vagar, uma dedicação. Até o sexo exige tempo. Claro que ter uma noite rápida com alguém é legal e tem o seu momento. Mas não tem como ter um sexo sensacional e maravilhoso sem intimidade, e ela também exige seu tempo. O casal precisa se conhecer, trocar ideias, ter tempo até para uma briguinha."

Cronistas, Martha e Xico desfrutam da proximidade com os leitores, que os contatam tanto por e-mail quanto pessoalmente. "Acho tão inusitado um escritor ter essa popularidade. Isso demonstra que o livro chegou às pessoas. Para mim não há nenhum problema em ser popular. Tem um pouco essa sacralização do livro que distancia o autor de sua obra, e eu não quero isso. Quero que o livro seja pop mesmo, que as pessoas leiam", diz Martha.

Xico também enaltece o amplo alcance das crônicas e diz que tanto o porteiro do seu prédio quanto uma estudante universitária repercutem seus textos. "Tenho dois grandes assuntos nas minhas crônicas, que são justamente o amor e o futebol. Acredito que tenho sido convidado para ir para a televisão – atualmente participa dos programas Papo de segunda (GNT), Redação Sportv e Amor e sexo (Globo) – por causa da minha escrita. Numa época até me incomodava eu ser reconhecido por estar na TV, sendo que batalhei anos para ser conhecido como escritor (risos). Mas depois fui entendendo e vendo que as pessoas se tornaram meus leitores e acabam lendo os meus livros, minhas crônicas. E isso é muito interessante também."


DUAS PERGUNTAS PARA...
MARTHA MEDEIROS,

escritora

1 – Há uma proliferação recente de eventos literários no país e seu estado, o Rio Grande do Sul, é um dos destaques na área. Qual a importância dessas iniciativas para a formação de leitores?

É muito interessante ver que esse tipo de evento só cresce. E o mais bacana é que estamos vivendo um momento de crise, mas quem gosta de ler continua consumindo livro, que não é aquela coisa do pão de todo dia. É aquele momento em que a pessoa se alimenta com outro tipo de produto, bem diferenciado e reserva um dinheiro para investir nisso. Então, há esperança, sobretudo, quando a gente vê crianças consumindo literatura. Quando vejo essa multiplicação de editoras voltadas para o publico infantil, isso é construção de um público, de leitores. Fico mais feliz ainda quando vejo que a garotada se interessa também. Compra um livro e, a partir dali, entra num vício que é um vicio muito bom.

2 – Qual é a sua opinião sobre esse assunto do “bela, recatada e do lar”, adjetivos atribuídos por uma revista a Marcela Temer, que invadiu as redes sociais em forma de polêmica.
Primeiro, acho que foi muito legal a gente ser irreverente e provocativo, até porque tem tudo a ver com essa nova onda feminista que está recomeçando. É bem positivo, porque tem humor nisso. Mas não podemos esquecer de uma coisa importante: não há nada de errado em ser recatada e do lar. O movimento feminista vai ser contraditório se reprimir uma mulher que não queira ser independente e prefira esse estilo de vida. Eu, particularmente, acho a independência uma das coisas mais valiosas e não consigo me imaginar nesse retrocesso de ser dependente de quem quer que seja. Mas não podemos reprimir as mulheres que fizeram essa escolha porque senão estaremos contradizendo o feminismo. A liberdade é para todas. Cada escolha é válida e tem que ser respeitada.

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