Frei Betto, Leonardo Boff e Mario Sergio Cortella debatem a felicidade em BH

Livro escrito a seis mãos promete abordagem além da autoajuda. Encontro com os três autores será nesta quarta-feira, no Cine Theatro Brasil

por Ana Clara Brant 18/04/2016 08:52

Beto Magalhães/EM/D.APress
Frei Betto vem a BH nesta semana (foto: Beto Magalhães/EM/D.APress)
Cecília Meireles afirmava que “ela” é “coisa estranha e dolorosa”. Já Tom Jobim e Vinicius de Moraes comparavam-na a uma “pluma que o vento vai levando pelo ar”. Para o poeta Vicente de Carvalho, “nós não a alcançamos, porque ela está sempre apenas onde a pomos. E nunca a pomos onde nós estamos”. Mas, talvez, a definição mais singela seja a de uma menina de 10 anos, sobrevivente de um massacre da guerrilha colombiana, que diz que “ela” acontece “quando o amor, a paz e todas as outras coisas boas estão juntas”.


Essas citações estão no recém-lançado livro Felicidade, foi-se embora? (Editora Vozes), escrito a seis mãos pelo frade dominicano e escritor Frei Betto, o teólogo e professor Leonardo Boff e o mestre e doutor em educação Mario Sergio Cortella. O trio estará nesta quarta no Cine Theatro Brasil, em BH, participando do Sempre um Papo.

 

Boff diz que o tema do livro foi uma sugestão da editora, por julgar o assunto atual e merecedor de uma abordagem mais aprofundada que a das publicações de autoajuda. “Essa indústria criou um mercado no qual se oferecem soluções fáceis, mas enganosas de felicidade. Esse tipo de literatura mostra algo inegável: a ansiedade de sermos felizes. Mas não de qualquer jeito. Uma felicidade nasce de nós mesmos, de nosso coração, de nossas potencialidades internas. Ilusória é aquela prometida a partir de fórmulas tiradas com cacos de ciência, de sabedoria oriental, de psicologia e de religião e que dispensa o trabalho interior de criar as condições de torná-la real. A felicidade não é filha do acaso nem é dada espontaneamente por si mesma. Ela resulta de um processo criativo do ser humano, no esforço de criar sentido com tudo o que faz e de descobrir sentido que se realiza no curso de sua história e naquilo que vive cotidianamente”, pontua.

 

Talvez uma das tarefas mais difíceis seja defini-la. “O que é profundo e tem a ver com o sentido radical de nossa existência não pode ser definido de forma cabal e que responde a todas as demandas. É sempre uma realidade em aberto. A felicidade não se define, vive-se e se constrói”, opina o teólogo. No capítulo em que expõe seus pensamentos, Felicidade: não correr atrás de borboletas, mas cuidar do jardim para atraí-las, Boff comenta que a busca da felicidade é da essência do ser humano e cita Aristóteles. “A felicidade, segundo o filósofo grego, é fruto do agir e do bem viver. Portanto, ela resulta de um modo de vida virtuoso; tudo o que a pessoa pensa e faz é bem pensado e benfeito. A felicidade que daí se deriva vale por si mesma, sem acrescentar-lhe qualquer coisa. Por isso não há nada melhor e mais excelente que a felicidade”, descreve em um determinado trecho.

 

Boff acrescenta que todos somos devorados pela ânsia desse sentimento, porque somos construídos de tal forma que buscamos sempre uma plenitude de vida e um sentido que oriente nossa trajetória pelo mundo. “É um impulso que nos toma totalmente e não nos deixa em paz enquanto não atendermos minimamente a ele. O resultado dessa diligência é o que chamamos de felicidade. Ela não existe em si; é consequência de retas relações para consigo mesmo, de adequadas relações para com a vida, para com os outros, para com a natureza, para com a Mãe Terra e para com o todo que nos circunda”, afirma.

 

No livro, o educador e filósofo Mario Sergio Cortella cita uma frase de Jesus Cristo como a descrição mais precisa de felicidade: “Quero que tenhais vida e vida em abundância”. Para Cortella, “abundância seria a presença do suficiente sem restrição; abundância de comida, de trabalho e de afeto”. O filósofo faz ainda uma comparação entre felicidade e fertilidade e observa que a palavra feliz, em latim felix, também significa fértil, aquilo que é abundante.

 

Já Frei Betto inicia seu capítulo fazendo um questionamento comum a todas as pessoas: sou feliz? E chega à conclusão que sim. “Muito. Graças a Deus. E não afirmo isso como recurso à autocomplacência. Certos aspectos importantes me fazem feliz, como gozar de boa saúde e ter sido submetido, até hoje, a uma única cirurgia, aos seis anos, quando me extraíram as amígdalas. Mas a razão principal da minha felicidade reside em dois fatores: as amizades conquistadas ao longo da vida e o sentido que imprimo à minha existência”, ressalta.

 

O frei faz referência a São Tomás de Aquino ao lembrar que toda pessoa, em tudo que faz, busca a própria felicidade, mesmo ao praticar o mal. “Ninguém age contra o próprio bem. Tanto busca a felicidade aquele que promove a guerra quanto quem se recusa a combater. Possuímos, portando, a libido felicitatis ou a pulsão de ser felizes.”

 

O religioso pontua que a felicidade não resulta da soma de prazeres. É um estado de espírito e só é feliz quem faz os outros felizes. “Todo egoísta, prepotente, opressor é infeliz. São felizes as pessoas que imprimem um sentido altruísta às suas vidas. Ela é um estado de espírito, um aflorar da consciência, assim como o amor; é algo que nos ocupa por dentro e nos torna plenos”, resume.


SEMPRE UM PAPO COM FREI BETTO, LEONARDO BOFF E MARIO SÉRGIO CORTELLA
Quarta, dia 20, às 19h30, no Grande Theatro Cine Brasil (Praça Sete s/nº, Centro). Entrada gratuita mediante a doação de livros literários, novos ou usados. Informações: (31) 3251-1501.

TRÊS PERGUNTAS PARA LEONARDO BOFF

 

Alexandre Monteiro/Divulgação
A felicidade é um estado permanente ou circunstancial?
Ela se apresenta sob duas formas; pode ser uma irrupção momentânea de algo que ansiávamos e que de repente acontece. Ficamos felizes. Mas, ao acostumarmo-nos ao desejo realizado, a felicidade passa e busca outros territórios. Mas ela pode ser algo permanente quando é o dom de uma conquista, quando conseguimos equilibrar as moções que agitam e por vezes dramatizam a nossa vida. Quando conseguimos firmar uma relação forte para com a pessoa amada que resiste às limitações inevitáveis da existência humana; quando aprendemos a tirar o melhor de tudo que nos acontece e quando acolhermos a finitude de nossa vida e incluirmos a própria morte como parte da vida. Então estamos felizes.

 

É possível ser feliz nos momentos mais difíceis?
Os momentos difíceis pertencem à condição humana, sempre contraditória, feita de luz e de sombras, de frustrações e realizações. Isso não é uma falha ou desvio. É um dado objetivo de nossa existência no tempo e no espaço. Finalmente não somos deuses, livres de tais injeções. Podemos ser felizes dentro dos momentos críticos de nossa vida, se soubermos acolher tais coisas como dados de realidade que nos desafiam a acolhê-los e a enfrentá-los. O decisivo não é o que nos acontece, mas como reagimos. A forma como lidamos, com serenidade e também com capacidade de relativização e com certo sentido de humor; tal atitude nos concede sermos felizes, mesmo sofrendo e penando.

 

Qual é a sua definição de felicidade?
Normalmente colocamos a felicidade fora de nós: numa saúde boa, numa casa aconchegante, numa pessoa amada, numa cidade de nossos sonhos. Tudo isso pode nos fazer felizes. Mas também nos deixa insatisfeitos, porque a colocamos fora de nós. Ela só é felicidade mesmo quando nasce de dentro, de uma busca de integridade, de equilíbrio de nossas pulsões, de relações boas que estabelecemos com os outros e para com qualquer situação que se nos apresenta. Então somos felizes.

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