Exposição 'Décio Noviello: Acontecimentos' reúne a obra do artista nos anos 1970

Em cartaz no Museu Mineiro, mostra oferece a chance de travar contato com trabalhos recentes de um autor que não para de surpreender

por Walter Sebastião 15/03/2016 08:00
GALERIA BEATRIZ ABI-ACL/DIVULGAÇÃO
(foto: GALERIA BEATRIZ ABI-ACL/DIVULGAÇÃO)
A exposição Décio Noviello: Acontecimentos tem importância especial e por vários motivos. O mais importante deles é, certamente, oferecer a oportunidade de contato com a produção recente de um artista sempre surpreendente, ligado a um momento decisivo de formação da arte contemporânea. A mostra sinaliza ainda o quanto o Museu Mineiro – em especial, mas não somente ele – poderia inserir em sua programação a criação de oportunidades de conhecer de forma mais aprofundada e criteriosa criadores de obras que iluminem a história das artes visuais em Minas Gerais. Se tais exposições tiverem o sabor de revisão crítica, não se detiverem apenas nos nomes merecidamente consagrados, melhor ainda.


Acontecimentos ainda não é a retrospectiva que Décio Noviello merece, mas é um prazer ver reunidos na exposição desde trabalhos dos anos 1970 até sua produção recente. São pinturas, aquarelas e desenhos revelando inclusive material pouco conhecido, como a curiosa pintura ‘tridimensionalizada’, vizinha do que veio a ser chamado mais tarde de instalações.

O que está em cena é a busca, por parte do artista, de uma realização cada vez mais apurada que, valorizando elementos de síntese, deram mais clareza e precisão ao seu pensamento visual. Embora dialogue com seus colegas, o trabalho do autor pontua questões específicas, pessoais. O que só torna essa mostra mais saborosa.

Há, na obra de Décio Noviello, um motivo privilegiado: o choque entre os elementos constitutivos da obra. Confrontos e tensão permanente entre elementos plásticos (fragmentação e unidade, linhas retas e curvas, massas de cor e desenho etc.). Essa característica é o motor que puxa a leitura de outros conflitos: entre abstração e figura, a marca e o símbolo, o sinal e a letra, o rebuscado e o simplificado, o antigo e o novo, o contemporâneo e o arcaico etc.

A obra de Décio Noviello se configura como emblema de aspectos que toda a sua geração experimentou com intensidade: a tentativa de ‘tridimensionalizar’ a pintura, indo além do quadro, a sedução pelo carnaval e pela arte das camadas populares urbanas (e indígenas) como modelo social e estético, a revalorização positiva do barroco e do rococó como ancestralidade do nacional.

Os trabalhos mais antigos encantam. Ainda hoje, eles permitem sentir o calor e o impacto da visualidade pop como índice de uma nova postura de observação da vida cotidiana (que se tornaria um eixo do que chamamos hoje de arte contemporânea). Mas é também muito bom ver trabalhos dos anos 2000, que mantêm acesa a poética que convoca aos prazeres visuais tanto quanto ao pensamento.

INTERAÇÃO O fundamento da linguagem do artista é um cuidadoso planejamento (geométrico), que se projeta como comentário social para além da sedução pelo aspecto ótico. Cada peça é uma área de interação entre signos, que se articulam buscando objetividade na fruição estética (neste sentido, de modo diferente do pop expressionista recorrente na arte brasileira) e criam um contexto que induz a uma percepção próxima à da leitura.

As obras de Décio Noviello, apesar das cores calorosas, não enfatizam, necessariamente, uma abordagem tropicalista, o que faz com que sua produção prescinda do tempero expressionista tão recorrente no pop brasileiro. O que de fato vem à memória é o pop norte-americano, mais frio e, de certa forma, mais dúbio. Essa influência fica evidente no planejamento das obras, mas também no uso das cores, compondo um ambiente visual que chama mais à análise dos elementos (e ao contexto do qual a obra é também uma expressão) e à trama que os signos criam do que propriamente a uma adesão com viés de celebração de qualquer dos motivos desenvolvidos pelas peças.

Assim como o pop em geral, a obra de Décio Noviello alude à passagem do final do século 20 e o início do 21, um momento vivido de forma festiva e com dicção positiva, em escala internacional, por toda uma geração. Trata-se de uma geração de artistas cujas convicções são herdeiras dos horizontes abertos com a derrota do nazifascismo e o fim das ditaduras, dos processos de descolonização e da crítica à sociedade industrial. É um momento que guarda brilho “utópico” pelo que ecoa (apesar de toda a dubiedade que atravessa o pop de ontem e o de hoje) de convívio generoso entre referências eruditas e a cultura popular. E ainda declarada oposição ao totalitário, ao mesmo tempo em que critica a objetificação do humano.

É muito bom que a exposição apresente figurinos e projetos de decoração de carnaval ou de cenários de Décio Noviello. São trabalhos que revelam o bom desenhista que ele é e sua enorme capacidade de dar solução técnico-artística em diversas áreas. Mas esse material envolve diversos problemas. Como a sala de exposições temporárias do Museu Mineiro é pequena, ele subtrai espaço de obras que pedem uma apresentação mais arejada. Além disso, faz soar um tema polêmico: a venda de esboços. Essa é uma prática discutível por resultar na dispersão de conjuntos de documentos importantes para o estudo da obra, além de submetê-la à igualmente discutível especulação mercantil.

Décio Noviello: Acontecimentos

Desenhos, pinturas e objetos. No Museu Mineiro, Av. João Pinheiro, 342, Funcionários, (31) 3269-1103. Terças, quartas e sextas, das 10h às 19h; quintas, das 12h às 21h; sábados e domingos, das 12h às 19h. Até 3/4. Entrada franca.

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