Sexta edição do Festival de Fotografia de Tiradentes começa nesta quarta-feira

Evento confirma popularização da fotografia, diversificando a programação de mostras e cursos

por Bossuet Alvim 07/03/2016 08:52

Eram tempos diferentes para os amantes de imagens – celulares tinham câmeras de baixa resolução e selfie ainda não havia sido eleita a palavra do ano pelo Dicionário Oxford. Quando o Festival de Fotografia de Tiradentes nasceu, em 2011, o digital já era norma, mas ferramentas de captura não eram tão acessíveis quanto hoje. “Os eventos fotográficos eram voltados para profissionais. Hoje, podemos dizer que todo mundo é fotógrafo, logo o público é movido por curiosidade e atração”, explica Eugênio Sávio, fundador e curador do festival.


A sexta edição do projeto começa nesta quarta-feira e segue até o dia 13 na cidade histórica. Os produtores esperam receber 8 mil interessados na programação formada por exposições, lançamentos de livros, oficinas e palestras. “Hoje nós temos um dos festivais mais importantes do país, que atrai realizadores e artistas. Não ocorre de convidarmos alguém para participar e a pessoa recusar”, comemora Eugênio.

LÉO DRUMOND/NITRO
Trabalho do fotógrafo Léo Drumond com presidiários em Itaúna. Com Natália Martino, ele ministra o curso 'Imagens sem fronteiras: Histórias de populações vulneráveis' (foto: LÉO DRUMOND/NITRO)
Como consequência do crescimento contínuo de público e relevância, o festival oferece novos desafios à organização, formada por fotógrafos entusiastas que não imaginavam alcançar tamanha notoriedade. “Alguns aspectos de produção ficaram mais fáceis, mas a exigência do público é maior. Demanda mais recurso, mais estrutura”, afirma o curador.


Mudanças constantes no perfil do público confirmam a tendência de horizontalização da fotografia apontada pelo organizador. “A fotografia está cada vez mais popular como ferramenta de comunicação e funciona, hoje, como forma de expressão para os jovens. Termos a fotografia nas mãos o tempo todo, feita com dispositivo móvel, enfraqueceu algumas áreas, mas fez crescer o interesse pelo assunto”, aponta.


O despertar desses olhares ainda sem treinamento ajuda a diversificar a programação do festival. Entre os amantes das fotos, uma das tendências crescentes é o fotolivro, que ganha mostra especial em Tiradentes. “Nestes seis anos, consolidou-se o fenômeno do livro de fotos, com alcance mundial. Trabalhar um projeto de cunho literário usando imagens, em edições de pequeno porte e tiragem restrita, despertou muito interesse”, indica Eugênio Sávio. Os 30 títulos que serão apresentados na Mostra de Fotolivros foram escolhidos por convocação pública, que chegou a receber 100 inscrições de Brasil, Argentina e Chile.


Outros números notáveis do Festival de Fotografia incluem a exposição Ritos e rituais, que teve mais de 1,8 mil fotos inscritas por 424 autores de 24 estados brasileiros, além de candidatos da Irlanda e Venezuela. Ao fim do processo, 61 obras foram selecionadas para representar a temática no evento. Entre as exposições, destaca-se ainda a reunião de fotos do francês Marcel Gautherot (1910-1996) que retratam as Minas Gerais dos anos 1940 e 1950, com olhares aprofundados sobre Ouro Preto e Congonhas.

JOAO MARCOS ROSA/NITRO
Com várias coberturas pela National Geographic, João Marcos Rosa divide conhecimentos sobre o processo de transformação da ideia artística em um projeto pronto para a revista (foto: JOAO MARCOS ROSA/NITRO)
MARIANA Além de apresentar painel diversificado da fotografia contemporânea, o Festival de Tiradentes pretende atentar-se à questão prática do ofício, partindo da maior tragédia recente enfrentada pelos mineiros. O evento vai reunir imagens registradas por dezenas de autores após o rompimento de barragem da mineradora Samarco em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana, em novembro do ano passado.


“Não podíamos fechar os olhos para um fato tão ligado à imagem. O fotógrafo é comumente atraído pela tragédia e participa dela como um vetor para comunicar questões relevantes à sociedade”, observa o fundador do festival.


Em parceria com a Associações dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos de Minas Gerais (Arfoc-MG), a mostra coletou registros do desastre sob diferentes vieses. “Pretendemos uma reflexão sobre o papel da fotografia neste mundo contemporâneo. Estamos muito ligados à imagem no campo da arte, mas o papel de denúncia é também uma necessidade”, enfatiza Eugênio.

 

WORKSHOPS 

Desde a primeira edição, frequentada quase que exclusivamente por fotógrafos profissionais ou semiprofissionais, o Festival de Fotografia de Tiradentes tem como pilar a troca de experiências no assunto. Por isso, mesmo com a adesão de um público que não pratica o ofício, os workshops seguem como coração da programação. Neste ano, são oferecidos 13 módulos de interação, dentre os quais National Geographic Brasil: Fotografia e Edição é um dos mais tradicionais.

Em sua quarta edição, o minicurso é ministrado pelo editor de arte da revista, Roberto Sakai, e pelo repórter fotográfico mineiro João Marcos Rosa, colaborador da publicação desde 2004. “Buscamos dar uma visão sobre a produção fotográfica da revista e quais os caminhos para a construção de uma narrativa visual específica”, detalha João Marcos. Editado em cerca de 40 países, o veículo é conhecido mundialmente pela excelência dos ensaios fotográficos em que a estrela é a natureza.

Edu Monteiro/Fotonauta
Edu Monteiro na série 'Autorretratos sensoriais': workshop vai explorar autorrepresentação (foto: Edu Monteiro/Fotonauta)
Os inscritos na oficina vão aprender a transformar uma ideia ou conceito artístico em projeto digno de ser apresentado a uma publicação de grande porte. Os conhecimentos valem para fotógrafos de qualquer área, “seja de vida selvagem, seja antropológica ou cultural”, diz Rosa. Na segunda etapa, o grupo vai a campo com o repórter para a produção de ensaio na Serra de São José, onde reserva ambiental protege uma gigantesca população de libélulas.

Já a oficina do fotógrafo Edu Monteiro dialoga diretamente com a imagem de quem maneja as lentes. Gaúcho radicado no Rio de Janeiro, ele investiga o autorretrato como expressão artística. O workshop, admite, traça “paralelo inevitável” entre selfie e o autorretrato concebido como arte. A grosso modo, ele antecipa a divergência: “Selfie passa pela ideia de pertencimento, de provar que se é feliz e normal na sociedade de consumo. O autorretrato de artista questiona justamente esta normalidade, tenta provocar”.

No ano em que o festival se debruça sobre os registros da tragédia de Mariana, os repórteres Léo Drumond e Natália Martino inserem na programação de workshops as experiências de quem fotografa pessoas em situações socialmente vulneráveis. “Há quem ache que a câmera é anteparo acima do bem e do mal, com a qual se pode fazer qualquer coisa”, diz Drumond, sócio da agência Nitro. Em Mariana, ele colheu relatos de vítimas que disseram ter sido “muito invasiva” a ação dos fotógrafos empenhados em registrar o desastre.

A falta de consideração com o retratado, ele pondera, parte mais da rotina que do profissional. “Muitas vezes, os fotógrafos têm essa ação afoita não por má fé, mas pela situação do flagrante. Eu também já errei muito e parto das situações em que acredito que agi de maneira negativa”, diz Drumond, responsável por projetos como a revista Estrela, produzida na íntegra por presos de uma penitenciária no Centro-Oeste de Minas.


A intenção da oficina é tornar mais humana a relação entre quem porta a câmera e o alvo do clique. “A pessoa vai a um presídio e fotografa o detento, mas não vê quem fotografou como público de seu trabalho. Queremos frisar que, quando se trabalha com o outro, o ciclo deste trabalho precisa passar também por esta pessoa, que não pode ser só objeto do olhar”, conclui Léo. 

 

Festival de Fotografia de Tiradentes – Foto em Pauta
De 9 a 13 de março no Centro Cultural Yves Alves (Rua Direita, nº168, Tiradentes). Programação gratuita de exposições, lançamentos e palestras. Inscrições nos workshops pagos com últimas vagas disponíveis. Informações no site www.fotoempauta.com.br/festival2016

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