Aclamada pela crítica e pelos jovens, escritora mineira saúda a diversidade da poesia brasileira

Conversamos com Ana Martins Marques, um dos destaques da literatura em 2015

por Pablo Pires Fernandes 01/01/2016 07:00
Rodrigo Valente/divulgação
(foto: Rodrigo Valente/divulgação)

Desde a estreia – com 'A vida submarina' (Scriptum, 2009) –, a poetisa belo-horizontina Ana Martins Marques ganhou rapidamente o reconhecimento de público e crítica. Em 2015, com 'O livro das semelhanças' (Cia. das Letras), além de entrar em várias listas de melhores lançamentos do ano a mineira ganhou o Prêmio APCA, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. O segredo desse sucesso é a labuta e um olhar aguçado sobre o mundo. Sua poesia é direta e fala das coisas do dia a dia. Da janela, do mar, dos amores guardados num bolso da calça, de cheiros e sabores. A subversão do sentido, o deslocamento do olhar, a inversão de perspectiva sobre o que nos rodeia são recursos poéticos desde sempre.

Mas, nas palavras da autora mineira, a naturalidade dessa prática é assombrosa. Ana Martins Marques dialoga com uma vasta tradição poética. Está ao lado de conterrâneos como Adélia Prado, que comemora, em 2016, os 40 anos de lançamento de 'Bagagem', e Francisco Alvim, o diplomata de Araxá que ajudou a consolidar o movimento da poesia marginal. “Tenho a impressão de que a poesia brasileira tem atualmente uma vitalidade incomum, com grande número de publicações, novos autores, revistas eletrônicas, pequenas editoras, eventos literários, novas traduções e projetos de divulgação”, afirma Ana, feliz com a recepção dos jovens a seus versos.

 



Seu último livro tem sido apontado como um dos destaques da poesia lançada no ano passado. Como você recebe essa reação sobre seu trabalho?

A boa recepção d’O livro das semelhanças é motivo de grande alegria. A escrita é uma atividade muito solitária, e é sempre uma surpresa e uma felicidade saber que aquilo que se escreveu pode ter algum interesse para quem lê. A boa recepção do livro também me alegra, porque estamos acostumados a ouvir que poesia é um gênero que perdeu prestígio e relevância, que não vende, ninguém lê. No entanto, o interesse que algumas pessoas manifestam pelo livro, inclusive pessoas bem jovens, alheias aos círculos usuais de leitores de poesia, parece-me indicativo de que não é necessariamente assim.

Como você vê a produção de poesia no Brasil ultimamente?

Acompanho a poesia feita hoje no Brasil com bastante interesse, e tenho a impressão de que a poesia brasileira tem atualmente uma vitalidade incomum, com grande número de publicações, novos autores, revistas eletrônicas, pequenas editoras, eventos literários, novas traduções e projetos de divulgação, como a ótima coleção Leve um livro, de Belo Horizonte, capitaneada pelo Bruno Brum e pela Ana Elisa Ribeiro. Embora procure acompanhar a produção contemporânea, acho que não saberia propor um panorama ou algo assim...

Há uma produção plural?

Existe hoje uma grande proliferação ou diversidade de vozes e de poéticas, e isso obviamente torna mais difícil a tarefa da avaliação crítica. Acho possível indicar algumas linhas de força: a presença de poetas que promovem uma conexão da palavra com o corpo e a voz, como o Ricardo Aleixo, alguns valendo-se do vídeo e da internet; a predominância do verso livre, mas também o recurso à métrica e ao verso regular, como fazem, com efeitos diferentes, Paulo Henriques Britto e Glauco Mattoso; a presença forte de referências à imagem e à visualidade – artes plásticas, fotografia, cinema; o recurso à narratividade e a relação com o ensaio, como no caso da poesia da Marília Garcia. Se em outras épocas era possível identificar projetos ou movimentos coletivos mais ou menos claros, hoje parece necessária atenção crítica mais individualizada, que procure avaliar o que está em jogo em cada poeta, no limite, em cada poema.

Em Da arte das armadilhas, você explora a relação com objetos; em O livro das semelhanças, a relação com lugares. Parece-me que você faz uma espécie de inventário sobre o universo que a cerca. Isso é necessidade, a busca de apreensão do mundo ou o acerto de contas consigo própria?

Gosto desta ideia do inventário, da poesia como uma tentativa de se acercar das coisas. Alguns dos poemas d’O livro das semelhanças, inclusive, referem-se explicitamente a essa tentativa de apreensão ou mapeamento do mundo, como Coleção, Museu, os poemas da seção Cartografias... No entanto, são sempre poemas que acabam por admitir a dificuldade ou mesmo a impossibilidade dessa apreensão, seja por resistência do próprio mundo ou das coisas, que não se deixam capturar, seja pela nossa inaptidão, seja porque partimos por aí com instrumentos inapropriados...

O tema do amor é recorrente tanto na tradição poética quanto em sua obra. Como você se relaciona com a tradição e a incorpora ao seu trabalho?

A temática amorosa de fato é muito presente nos meus livros, embora frequentemente os poemas de amor sejam atravessados pela ironia. Nós tendemos a desconfiar dos poemas de amor, ou ao menos já sabemos que o amor é uma “coisa aprendida nos poemas de amor” – como está em O que já se disse do amor, d’O livro das semelhanças. É como se cada poema de amor fosse a citação de um poema de amor, e me interessa jogar com isso nos meus textos. Esse aspecto aparece, por exemplo, no Poema de amor, do livro Da arte das armadilhas, e no Poema não de amor, deste último livro. É como se houvesse dois impulsos em guerra no poema: esse impulso amoroso, que é um impulso de dissolução, e um certo recuo irônico, que tem a ver com a própria escrita.

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