Textos de Shakespeare ganham encenações na temporada teatral de Belo Horizonte

Companhias nacionais e estrangeiras apresentam espetáculos inspirados na obra do autor

por Carolina Braga 24/10/2015 08:00

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ADRIANO FAGUNDES/DIVULGAÇÃO
(foto: ADRIANO FAGUNDES/DIVULGAÇÃO)
Se o dramaturgo William Shakespeare estivesse vivo, é bem provável que escreveria roteiros para cinema, arrasaria em Hollywood e até desfilaria no tapete vermelho do Oscar. Ron Daniels, o diretor brasileiro integrante da britânica Royal Shakespeare Company de Stratford-upon-Avon, cidade onde o bardo inglês nasceu, é defensor dessa ideia.


O encenador radicado em Nova York tem outra bandeira: essa habilidade popular de Shakespeare para contar histórias ainda não é explorada como poderia, principalmente no Brasil. O lema é: quanto mais Shakespeare, melhor. Em BH, a temporada está propícia para quem faz coro à tese de Ron Daniels.

Hoje, a Shakespeare’s Globe Theatre, companhia oficial do centro cultural londrino dedicado à preservação da obra do dramaturgo, volta a Belo Horizonte com a montagem de Muito barulho por nada, abrindo a programação do Festival Gandarela no Cine Theatro Brasil Vallourec. Na semana que vem, no mesmo local, será a vez da grande empreitada de Ron Daniels.

O diretor traz à cidade, em caráter de pré-estreia, o que chama de Repertório Shakespeare. Fazem parte dele as montagens de Macbeth e Medida por medida, ambas protagonizadas por Thiago Lacerda e Giulia Gam, com outros 12 atores. “Uma loucura”, como o próprio encenador resume.


Até 8 de novembro, também passa pela cidade, no Teatro Marília, Os dois cavaleiros de Verona, considerada a primeira comédia escrita por Shakespeare em uma montagem da Cia Matilde (SP). A outra atração promete agradar aos adeptos do teatro de pesquisa: Caesar! Como construir um império, adaptação do grupo paulistano Club Noir, do diretor Roberto Alvim, de Julios Caesar, com Caco Ciocler e Carmo Dalla Vecchia.

Segundo Malú Ansaldo, produtora argentina integrante da Shakespeare’s Globe Theatre, a experiência da turnê pela América Latina em 2014 foi tão bem-sucedida que a trupe resolveu voltar. No ano passado, o Globe trouxe Hamlet.  Agora, decidiu apresentar uma comédia. Malú conta que essa versão de Muito barulho por nada é “muito rápida” e conta com oito atores.

A Shakespeare’s Globe Theatre monta de três a quatro peças do autor por ano e as mantém em circulação pelo mundo. Malú diz que Muito barulho por nada não tem cenário tão minimalista como o de Hamlet, mas a essência é a mesma. “Continuamos respeitando o espírito do Globe”, ressalta.

Século 16 A regra da companhia é montar como se fosse no século 16, com quase nenhum recurso moderno de cena. Acostumada a levar a obra de Shakespeare literalmente para todo o mundo, Malú ressalta o potencial popular dos textos. A produtora, porém, observa que a reação das plateias é muito variada. “Mesmo quem não conhece a obra consegue se relacionar com ela. Fala de temas que tocam a vida de todo mundo”, diz.

Thiago Lacerda, o protagonista de Macbeth na versão assinada por Ron Daniels, diz: “Desconheço alguém que tenha lido alguma peça dele e dito ‘não gosto desse cara’. Pode não gostar da montagem, não se envolver. Como ator, acho que Shakespeare é o maior material que existe à disposição para o meu ofício”.

Ao lado de Daniels, Lacerda é produtor do projeto Repertório Shakespeare, orçado em mais de R$ 4 milhões. Em 2012, sob o comando do mesmo diretor, Lacerda topou o grande desafio de sua carreira, que foi interpretar Hamlet. “Chega uma hora em que o príncipe tem que virar rei”, brinca o ator.

Há três meses, o elenco de 14 intérpretes ensaia de oito a 10 horas alternadamente Macbeth e Medida por medida. “O processo era um mistério para a gente. Não sabia se ia ensaiar uma vez por dia, se ia revezar uma cena. O que aconteceu foi que descobrimos que a obra de Shakespeare tem uma unidade impressionante. Por mais que o gênero seja diferente, os temas são recorrentes”, diz.

As duas peças foram escritas entre 1603 e 1607. Seja pelo viés da tragédia ou da comédia, ambas falam sobre como o homem lida com a vida, o amor, o poder e o medo da morte. “Macbeth é um mergulho de cabeça na imaginação de um assassino ditador. Já Medida por medida vai saindo dessa escuridão e Shakespeare nos leva a um enredo perigoso, mas em que aos poucos o sol começa a raiar”, afirma Daniels.

Para ele, o que faz muita gente ainda achar que Shakespeare é difícil são as características de algumas traduções. O diretor diz que são empoladas, difíceis de entender e levam o espectador a um lugar alheio ao que o autor trata na peça. “Eu quero que o público saia dos espetáculos dizendo que entendeu tudo”, diz.

Daniels cita o trecho de Péricles, príncipe de tiro que diz “vou contar uma história porque vai ser um restaurativo” para afirmar que Shakespeare “queria fazer com que saíssemos do teatro nos sentindo melhores do que somos”. A cada montagem que faz, o diretor repete a si mesmo duas perguntas: Por que Shakespeare sempre consegue refletir o nosso mundo em seus enredos? Como consegue atravessar os séculos com uma modernidade constante?. “Há uma amplitude de imaginação”, responde ele.

INSPIRAÇÃO NO BARDO


Além das montagens de textos de Shakespeare, a temporada teatral em BH registra também apropriações de artistas brasileiros em torno de sua obra. O Festival Gandarela, por exemplo, apresenta três peças assim. Em cartaz no dia 31 de outubro na Praça da Liberdade, ShakesPirando, da Cia Canta Circo e Teatro, e Ser ou não ser William Shakespeare (Leandro Calado) são espetáculos de palhaços com fragmentos dos textos clássicos. Já em Shakespeare in box (Cia Eureka), também a ser apresentada no próximo dia 31 na Praça da Liberdade, os principais personagens da obra de Shakespeare são recriados a partir da linguagem de teatro de objetos.

O ator e diretor Diego Bagagal está em cartaz até 6 de novembro com Shakespeare – Livros para sobreviver, no prédio anexo da Academia Mineira de Letras, conhecido como Palacete Borges da Costa. Nesse solo, ele interpreta o próprio Shakespeare que, a partir de sua obra, dá conselhos de sobrevivência para oito espectadores – número-limite de cada uma das três sessões diárias (de terça a sexta).

Muito barulho por nada

Montagem da Shakespeare’s Globe Theatre. Hoje, às 20h, e amanhã, às 19h. Cine Theatro Brasil Vallourec. Av. Amazonas, 315, Centro. R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia).

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