Grupo de palhaços HaHaHa defende regulamentação para quem leva brincadeira aos hospitais

Integrantes afirmam que voluntários sem formação podem prejudicar doentes

por Eduardo Tristão Girão 26/08/2015 08:15

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Edésio Ferreira/EM/D.A/PRESS
Atores do HaHaHa brincam com crianças internadas no Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A/PRESS)
“Isso não é um sutiã, mas um instrumento cirúrgico da mais alta estirpe medicinal”, afirma o palhaço Mulambo, prestes a encaixar a peça íntima no peito de um senhor sentado numa maca, na área de pronto-atendimento de um hospital. Também de nariz vermelho, seu colega Risoto puxa uma música brega no ukulele e, sem demora, eles seguem modificando a atmosfera por onde passam. Num dos quartos, encontram Matheus Oliveira, de seis anos, que aguarda saber se precisará de um transplante de intestino. O menino tagarela alegre quando encontra a dupla e diz: “Vou chamá-los para o meu aniversário”.

Essas cenas acompanhadas pelo Estado de Minas no Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, foram promovidas pelos palhaços do Instituto HaHaHa, formado por artistas profissionais egressos do grupo Doutores da Alegria, que deixou de atuar na cidade há três anos. A cada dia, os profissionais do HaHaHa se apresentam para 350 crianças internadas em hospitais de BH. Levar alegria e esperança a pessoas hospitalizadas é uma missão nobre. Em todo o país, um número indefinido de pessoas, entre atores e voluntários, se dedica a ela. Surge disso um debate delicado.

Os artistas que estudaram para atuar defendem regulamentação da atividade de palhaço em hospitais, mas não ignoram a nobreza da atitude voluntária de amadores. A profissão de palhaço é reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas não há obrigatoriedade de formação específica para atuar como palhaço voluntário em hospitais. Apesar de vários grupos (HaHaHa e Doutores da Alegria entre eles) só admitirem atores profissionais como integrantes, qualquer um pode se organizar para atuar assim.

“Ter boa vontade não significa que a ação será boa para quem recebe. Há riscos e cuidados para ambas as partes. O voluntário pode esbarrar num equipamento, falar alto ou incomodar alguém que não esteja disposto a ter esse tipo de contato, por exemplo. Quem põe o nariz vermelho sente a obrigação de atuar como palhaço, algumas vezes sem saber como fazer isso. Quem deveria rir se sente constrangido”, diz o palhaço Eliseu Custódio, um dos fundadores do HaHaHa.

A partir de amanhã, o instituto realiza a Mostra HaHaHa, que inclui um simpósio sobre saúde e arte, com a oferta de curso voltado para amadores e profissionais que atuam como palhaços em hospitais. “Vamos qualificar essa conversa sobre regulamentação. Queremos ouvir para achar um caminho. Que existam bons palhaços em hospitais”, afirma Custódio.

TREINAMENTO


Os integrantes do grupo (são 14) passaram por processo de seleção e treinaram, monitorados, durante um ano em hospitais. “A linguagem de um palhaço de rua precisa ser adaptada para o ambiente hospitalar. Não se trabalha mais para grandes plateias, mas para uma criança ou uma criança e seus pais. A gente trabalha com a dramaturgia do encontro, o que não é uma apresentação”, afirma.

Essa “dramaturgia hospitalar” é um capítulo à parte. “Construímos a ação no momento, com a criança como protagonista. Se ela aceita, a gente se envolve. Se não, vamos embora. Criamos juntos um universo lúdico e, depois, devolvemos a criança para o lugar dela. Isso é encontro. Para ter essa preparação, é preciso treinar improviso, ter perspicácia e agir rapidamente. Não basta ter um número e chegar lá para apresentá-lo. Quem põe o nariz de palhaço precisa agir e dar conta. E é preciso ter técnica”, diz o ator.

A regulamentação tem como principais objetivos garantir melhor atendimento às crianças internadas e, claro, maior reconhecimento à profissão. Entretanto, acrescenta ele, os benefícios seriam ainda mais amplos: “Poderíamos discutir mais a prática profissional, produzir mais conhecimento e até tornar a atividade uma política pública de saúde, com o palhaço como parte do quadro de funcionários do hospital. Essa profissão dialoga com todas as demais que estão lá dentro e esses profissionais percebem a reverberação do nosso trabalho.”

Um dos pioneiros da atividade no país, Wellington Nogueira, fundador do Doutores da Alegria, acredita que a regulamentação da atividade de palhaços em hospitais é, mais que importante, necessária: “Ela estimula o reconhecimento desse trabalho e cria condições para que as pessoas continuem investindo no aprimoramento. Essa profissão é como qualquer outra, se você não se atualiza, fica velho, rançoso, desmotivado e, o que é pior, entra no piloto automático. Ir levar alegria a uma criança e vê-la como apenas mais uma é a maior afronta”.

PESQUISA

O grupo dele realiza pesquisas desde 1994, e a última, de 2013, aponta que cerca de 90% das crianças que recebem visitas do Doutores da Alegria melhoram suas relações com os médicos, aceitam os tratamentos e reagem mais rápido. Ao mesmo tempo, 96% dos profissionais de saúde relatam que a presença constante dos palhaços melhora o ambiente de trabalho e ajuda a “humanizar” o paciente. O Doutores contabiliza mais de 1 milhão de visitas até hoje e coordena rede nacional com 1.187 grupos amadores e profissionais.

Para Nogueira, o caminho da regulamentação é o do diálogo, sem afastar os palhaços amadores dos hospitais. “Seria um desserviço. Precisamos dar acesso a todos que queiram se profissionalizar. É preciso ver o que fazer para dar condição de os grupos voluntários continuarem. Há gente muito boa, que está na estrada há 15, 20 anos, e precisa ser ouvida também. Muitos falam que não precisam de treinamento porque têm amor. Isso é muita arrogância. O Doutores conquistou credibilidade por causa do amor e por ter qualificação”, afirma.

No final das contas, uma certeza não lhe sai da cabeça: “Criança não pode ser vítima da boa vontade de ninguém”.

Legislação
Na descrição da profissão de palhaço no Cadastro Brasileiro de Ocupações, feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego, não é feita menção sobre a atuação em hospitais. Sobre os locais de atuação, o texto limita-se a citar “circos e outras casas de diversão”, além de clubes, festas familiares e celebrações públicas. Para Magdalena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de Minas Gerais (Sated-MG), a legislação já ampara o profissional e voluntariado é algo que “acontece em qualquer categoria”.

MOSTRA HAHAHA

Simpósio, contação de causos e espetáculo Dia útil. De amanhã a sábado, no Ideal Café Teatro (Rua Estrela do Sul, 126, Santa Tereza). Entrada franca, com distribuição de senha uma hora antes. Capacidade: 80 lugares. Informações: (31) 3889-9643, (31) 9781-3809 e institutohahaha.org.br.


"É preciso ver o que fazer para dar condição de os grupos voluntários continuarem. Há gente muito boa, que está na estrada há 15, 20 anos, e precisa ser ouvida também. Muitos falam que não precisam de treinamento porque têm amor. Isso é muita arrogância”

. Wellington Nogueira,fundador do Doutores da Alegria


"Ter boa vontade não significa que a ação será boa para quem recebe. Há riscos e cuidados para ambas as partes. O voluntário pode esbarrar num equipamento, falar alto ou incomodar alguém que não  esteja disposto a ter esse tipo de contato, por exemplo"

. Eliseu Custódio,cofundador do HaHaHa

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