Animações criadas com baixa tecnologia conquistam espaço nas galerias de arte

Especialistas já detectam a revolução na cultura visual contemporânea

por Walter Sebastião 23/08/2015 11:57

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Bill Domonkos/Reprodução da Internet
Trabalho do artista americano Bill Domonkos, que usa o GIF para recriar o passado (foto: Bill Domonkos/Reprodução da Internet )
Todo mundo ama os GIFs. Pelo menos é o que garantem autores e admiradores dessas pequenas animações criadas com baixa tecnologia que proliferam nas redes sociais. A sigla – Graphics Interchange Format (formato de intercâmbio de gráficos) – data de 1987. Vinda dos primórdios da internet, a técnica permite condensar várias imagens em outra. Depois de amargar no limbo do “antiquado”, o GIF foi retomado como meio de criação e expressão por designers, ilustradores e artistas. O público aprovou. O GIF animado caiu na rede, internautas compartilharam e ele chegou às galerias de arte, aos portifólios de artistas e a revistas especializadas em criatividade e arte urbana.

Em seu catálogo, o designer mineiro Ronaldo Gazel, de 39 anos, reúne 10 GIFs, criados entre 2003 e 2006. “É uma linguagem fascinante por sua crueza. Uma animação ‘ogra’, pelo modo como dispensa a alta tecnologia e estimula a criatividade”, afirma ele. Ronaldo valoriza imagens estouradas, sujas e manipuladas, além de intervenções e recriações. “Elas são tanto ressignificação estética quanto o modo old school de fazer animação”, observa. A adesão ao antigo formato tem motivo: “É crítica à alta tecnologia, à complexidade de todos os dispositivos de interação. O GIF é amigável”. Para ver um deles, basta clicar sobre a imagem – e pronto. Nada de baixar arquivos ou de operações complicadas.

“É muito interessante a instantaneidade peculiar do GIF, que permite o seu uso no cotidiano. Ele pode ser inserido em e-mail, num post do Facebook, no Twitter. É um retrato do nosso tempo, influenciado pela cultura e o comportamento contemporâneos”, afirma Gazel. O designer destaca que tendências estéticas, políticas e artísticas vêm se propagando sob forma de GIF. “Ele vai permanecer graças ao uso estético. É um meio de expressão que tem personalidade”, aposta.

Para o diretor de clipes Jodele Larcher, mineiro radicado no Rio de Janeiro, o GIF animado presta um serviço inestimável à sociedade: “Ele traz humor, arte e criatividade para as redes sociais, colaborando para que a internet não se torne um teatro de horrores”, defende, sem esconder o incômodo com as imagens de violência que se propagam on-line. Jodele se define como chasergifter, caçador de GIFs.

Diariamente, o artista posta dois GIFs, o que levou ao surgimento de uma pequena comunidade dedicada à sua difusão. Larcher valoriza as produções artísticas, justificando que elas deram nova dimensão a algo que parecia antiquado. “Há trabalhos lindos”, reforça. E prevê que o futuro do GIF é se tornar um meio de comunicação usado por todos – e em tudo.

David White/Reprodução
GIF criado por David Whyte: encanto por formas geométricas (foto: David White/Reprodução )

AULA

“Os GIFs animados mostram que podemos ser mais criativos no trato da imagem e da linguagem eletrônica. O material que está na internet é uma aula sobre isso. Estamos criando uma cultura visual muito bonita e divertida”, defende o designer carioca Rafael Galo, de 25 anos, chamando a atenção para a vulgaridade que se observa atualmente na área.

Galo trabalhou com o formato ao dar aula na Escola de Arte e Tecnologia Oi Kabum, no Rio de Janeiro. A oficina “Escrita criativa – Corte, colagem e texto remix” explorou formas de usar recursos multimídia, softwares de animação e edição de imagem. Os alunos dele também criaram GIFs, que podem ser conferidos em livres3.tumblr.com/festivaldegifs.

“GIF é, ao mesmo tempo, nova linguagem, nova mídia e meio de comunicação. Ou seja, o mais recente ícone da cultura digital mundial”, garante o designer. A rarefação de autores brasileiros na área, na opinião de Galo, tem motivo: a falta de consideração do país pelo design. “Isso leva trabalhos na área a serem pouco valorizados”, critica.

O berço do GIF vem das artes visuais, mas, para Galo, nada impede que ele alcance quem trabalha e cria com textos. Essas animações podem fazer com que a literatura se torne algo mais elétrico”, acredita o carioca.

42 Fotografia/Divulgação
'GIFs são tanto ressignificação estética quanto o modo old school de fazer animação', diz Ronaldo Gazel, designer (foto: 42 Fotografia/Divulgação )

 

“Ele veio pra ficar”
O cineasta gaúcho Otto Guerra, “pai” da animação independente no país, vê o fenômeno com simpatia. “É um campo fértil para ideias. Lúdica, a animação interpreta o mundo de um modo que beira a fantasia, tem muita capacidade de tornar as coisas mais leves, direto para o cérebro”, defende.

Otto diz que o GIF só vem comprovar o encanto que a animação exerce sobre todos os tipos de público. Mas adverte: “Para você encontrar bons trabalhos, tem que garimpar”. E conta que a proliferação trouxe também muita coisa chata. “O GIF animado veio pra ficar. Ele remete ao mundo digital, que trouxe transformações profundas no nosso modo de expressar e relacionar. Criou coisas tão novas e radicais quanto o cinema e o vídeo na época em que surgiram”, conclui.

Nova era visual
“O GIF talvez seja a revolução na era das imagens”, suspeita o mineiro Sávio Leite, de 44 anos. Professor de animação e autor de dois livros sobre o tema – o mais recente é Maldita animação brasileira (Editora Favela é Isso Aí) –, o especialista diz que está em curso a transformação radical no uso e no compartilhamento de imagens.

“Sintético, o GIF se adequa perfeitamente a nossos tempos de redes sociais e leitura rápida”, observa Leite, lembrando que se trata de arte democrática. A técnica é simples e todos podem se aventurar. “O que me surpreendeu foi a criatividade. Há um mundo de coisas diferentes”, acrescenta. Para o professor, trata-se arte “ainda incipiente”, que ajuda a difundir o cinema de animação não só como algo para crianças, mas para todos os públicos. Sávio Leite recomenda os trabalhos do norte-americano Bill Domonkos.

O GIF de arte reaqueceu o universo da animação, observa Allan Szacher, editor da revista Zupi, publicação de referência em arte urbana, design gráfico e criatividade. Uma das edições aborda o trabalho do britânico INSA, que faz grafites e, depois, transforma as imagens em animação. A prática virou tendência, diz Szacher. “É estética retrô, o resgate do antigo para trabalhar conteúdos novos”, analisa. Movendo a gifmania está a evolução dos equipamentos que carregam rapidamente, inclusive imagens pesadas. “Há grandes artistas fazendo GIFs”, observa, citando Alex Solis. Inclusive, já se trabalha com tecnologia avançada.

Leandro Couri/EM/D.A Press
O professor e animador mineiro Sávio Leite diz que o GIF é revolução na era das imagens (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press )
 

Artistas que
vale conhecer

Adam J. Kurtz
Amelia Giller
Bill Domonkos
David Whyte
Ercal Inci
 George Redhawk
INSA
Julien Douvier
Kewin Weir
Michelle Porucznik
Milos Rajkovic
Nicolas Monterrat
Patakk
Rafael Galo
Ronaldo Gazel
Scorpin Dagger (James Kerr)

* Trabalhos disponíveis na internet

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