O russo Wassily Kandinsky (1866-1944) foi um artista revolucionário. Ele é o criador da arte abstrata, que, até o início do século 20, era apenas uma hipótese na arte ocidental. É um autor fascinante, que ocupa, sólida e merecidamente, um lugar ao lado dos mais importantes artistas de todos os tempos, quando o assunto é a história da pintura. Sua obra, contudo, não se resume à pintura. Kandinsky foi também teórico da arte e poeta.
Integram a exposição 156 itens, sendo 40 obras de Kandinsky, entre elas raridades, como suas pinturas sobre vidro. As demais obras são de contemporâneos do artista. O eixo da mostra é a biografia de Kandinsky. A exposição está dividida em nove módulos, que abordam aspectos como o universo espiritual do xamanismo do Norte da rússia e o diálogo entre a música e a pintura de Kandinsky, entre outros.
CONTRIBUIÇÃO A obra de Kandinsky evidencia a contribuição dos russos para a história da arte do Ocidente, que é a criação de arte nova a partir da cultura popular, na opinião de Eugenia Petrova. São também de Eugenia as curadorias de duas outras mostras já apresentadas no Brasil: Avant garde russa e Coleção Ludwig.
Kandinsky começou a pintar já adulto, depois de abandonar o curso de direito, quando trabalhava na Sibéria. O jovem advogado observava o cotidiano de pequenas comunidades da região, seu artesanato e seus costumes. Esse período influencia a obra de Kandinsky de pelo menos duas maneiras. Ele recria motivos como arcos, flechas e tambores usados pelos povos dessa região e integra princípios religiosos xamânicos à sua visão da arte como manifestação simbólica e espiritual.
Outro elemento que cruza toda a obra de Kandinsky, conforme aponta a curadora, é o expressionismo alemão. O movimento de vanguarda seduz toda a sua geração ao propor que a arte desse ênfase aos sentimentos subjetivos, e não à representação das aparências das coisas. “E o que era figuração, nas mãos de Kandinsky, vai se transformar em outra coisa: uma linguagem que enfatiza a mudança no modo de pintar, no uso das cores, na busca de ritmos visuais”, afirma Eugenia.
Vem da amizade de Kandinsky com o compositor Arnoldo Schoemberg (1874-1951), o criador do dodecafonismo, outra característica presente em toda a sua obra: a dissonância. “O que é matéria-prima da música de vanguarda vai se transformar no trabalho do pintor em dissonâncias visuais”, explica a curadora. Para ela, a abstração é “o momento de maturidade” de Kandinsky, no qual ele consegue materializar um projeto íntimo: “O desejo de expressar na arte a cor, o ritmo, a forma e nada mais”.
Para Kandinsky, abstração na arte é reflexo da alma
A abstração nasce da convicção de Wassily Kandinsky de que a arte devia exprimir a vida interior do artista, sem recorrer à “reprodução de fenômenos naturais”. As obras que ele realiza entre 1910 e 1914 são diretamente movidas por essa ideia. No entanto, de acordo com alguns estudiosos da arte, a convicção de Kandinsky na abstração convive com o temor do artista de que a exclusão das referências ao mundo transforme a arte “meramente em decoração, adequada a gravatas e tapetes”.
Esse conflito vai levar Kandinsky à elaboraração teórica de seu fazer artístico, transformando-o também num pensador da arte. Ele argumenta, em ensaios teóricos, que aspectos abstratos (como a composição) e também elementos constitutivos da imagem (ponto, linha, claro/escuro, cor), que sempre estruturaram a arte, estavam deixando de ficar ocultos e passando ao primeiro plano.
Essa inflexão conquista efusiva aprovação do artista e teórico: “Amo hoje o círculo, como há tempos amei, por exemplo, o cavalo. Talvez até mais, pois encontro no círculo mais possibilidades”, escreve, defendendo criações autônomas, que sejam objetivamente artísticas.
A chamada Primeira composição abstrata, que fez o artista ser considerado o primeiro ocidental a fazer arte abstrata, seria de 1910. Mas há quem defenda que a obra é de 1912. Em texto de 1913, o artista explica que só depois de anos de luta paciente, “de habilidade constantemente desenvolvida para experimentar formas pictóricas pura e abstratamente”, ele chegou à abstração.
“Levou muito tempo até que a pergunta ‘O que deve substituir o objeto?’ na pintura recebesse resposta apropriada dentro de mim”, escreveu Kandinsky. A resposta, explicou, seriam quadros que sugerissem estados emocionais ou espirituais. Recomenda, inclusive, aos artistas, que treinem não só os ollhos, mas principalmente a alma.
“Pintar é uma arte. E a arte é um poder que deve ser dirigido ao crescimento da alma”, escreveu.
Pela pintura, artista abandonou direito
Wassily Kandinsky nasceu em Moscou, em 1866. Filho de pais divorciados, é criado pela tia, que dá ao garoto noções de desenho e música. Aos 20 anos, foi estudar Direito na universidade. Formado, passa a lecionar, mas, em 1895, após visitar a exposição dos impressionistas franceses, decide mudar-se para Munique (Alemanha), para estudar pintura.
O pintor ingressa na escola de Anton Abe, mas se desencanta com a prática de pintar modelos, preferindo fazer paisagem ao ar livre. Torna-se amigo de Franz von Stuck (1863-1928) e Paul Klee (1879-1940). Mostra obras em coletivas, participa de salões, aglutina grupos de artistas interessados na renovação artística. Entre eles, o Der Blaue Reiter (Cavaleiro Azul, que vai existir entre 1911 e 1914), de inspiração expressionista, mas defendendo visualidade mais lírica, poética e menos dramática.
É de 1912 o texto Do espiritual na arte, que se torna a primeira fundamentação teórica da arte abstrata. Quando começa a primeira guerra, em 1914, Kandinsky sai da Alemanha e vai para Moscou. Coopera com o comitê popular de educação, no ensino da arte e na reforma dos museus, tendo fundado 22 instituições provinciais. A pressão política sobre a arte, na Rússia, a partir de 1922, que vai transformar o realismo em estética oficial, faz com que as obras de Kandinsky sejam banidas dos museus soviéticos.
Kandinsky volta para a Alemanha, a convite de Walter Gropius, integrando o grupo de professores que atua na Bauhaus. É de 1926 o livro Ponto linha plano. Em 1931, começa campanha dos nazistas contra a Bauhaus, que vai levar ao fechamento da escola, em 1932.
A maioria dos 159 óleos e das 300 aquarelas, pintadas entre 1926 e 1933, perdeu-se depois de os nazistas terem declarado Kandinsky e outros artistas modernos degenerados. O artista vai para a França, onde morre aos 67 anos.
ATIVIDADES PARALELAS
Paralelamente à exposição Kandinsky: tudo começa num ponto, mas sempre relacionadas ao tema da mostra, serão promovidas pelo CCBB-MG ações como oficina musical, laboratório sensorial, contação de histórias e visitas guiadas. Para agendamento de grupos ou escolas, o telefone é (31) 3431-9491. Visitantes individuais devem se apresentar diretamente na recepção.
“Toda obra de arte é filha do seu tempo e, muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos”
Wassily Kandinsky (1866-1944)
“Cada época tem a sua meta interna e sua beleza externa. Por isso, não é preciso nossa nova beleza com o velho archin [uma antiga medida russa] do passado”
Wassily Kandinsky (1866-1944)
“Em termos gerais, a cor é uma força que influencia diretamente a alma. A cor é o teclado, os olhos são o martelo, a alma é o piano, com suas muitas cordas. O artista é a mão que toca, apertando uma tecla ou outra, para causar vibrações na alma”
Wassily Kandinsky (1866-1944)
“Não devemos tender à limitação, mas à libertação. Só a liberdade nos permite acolher um futuro”
Wassily Kandinsky (1866-1944)
Kandinsky - Tudo começa num ponto
Pinturas, gravuras e objetos. A partir desta quarta-feira (dia 15/4). No Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31)3431-9400). De quarta a segunda-feira, das 9h às 21h. Entrada franca. Até 22 de junho