Exposição apresenta retratos de operários para carteira de trabalho nos anos 1940

Mostra de Assis Horta capta primeiros registros fotográficos de assalariados, para cumprir exigência da recém-instituída do documento durante o governo Getúlio Vargas

por Walter Sebastião 07/04/2015 08:16
 ASSIS HORTA/DIVULGAÇÃO
Série de retratos 3 x 4 de trabalhadores, feitos na década de 1940 (foto: ASSIS HORTA/DIVULGAÇÃO)
Há mais de 70 anos, o presidente Getúlio Vargas (1882-1954) promulgou lei que exigia que as carteiras de trabalho tivessem retrato. A exigência fez com que os trabalhadores fossem, muitos deles pela primeira vez, a um lugar que ainda era para poucos: os estúdios fotográficos.


Após fazerem retratos para o documento, voltavam com seus filhos e mulheres, em busca de fotos que fossem imagens elegantes da família ou lembranças de momentos importantes. Aos poucos, começa o processo de popularização da fotografia. Essa é a hipótese subjacente à exposição 'Assis Horta: retratos', com curadoria de Guilherme Horta, que será aberta nesta terça, na Grande Galeria do Palácio das Artes.

Trata-se de uma especulação histórica, estética e social por meio de imagens de um personagem que vem sendo apresentado ao público com a exposição: o diamantinense Assis Horta, de 97 anos. Ele aprendeu a fotografar ainda jovem, em sua cidade natal, com Celso Werneck de Castro, do estúdio Foto Werneck, de quem se tornou auxiliar.

Nos anos 1930, comprou a loja do patrão. Nascia a Foto Assis, que funcionou até 1967. Estão reunidos na exposição não somente os 3x4 feitos para as carteiras de trabalho, mas também fotos de casamentos, famílias, do clero, além de um panorama, de 11 metros, da cidade de Dimantina. Uma vitrine com os objetos de trabalho do fotógrafo e a reconstituição de seu estúdio também integram a exposição. Os visitantes poderão fazer fotos diante do cenário que Assis Horta usava.

 ASSIS HORTA/DIVULGAÇÃO
Após 3x4, assalariados costumavam procurar novamente o fotógrafo Assis Horta, para fazer registros familiares ou de ocasiões importantes (foto: ASSIS HORTA/DIVULGAÇÃO)
“O público vai conhecer um fotógrafo que, mesmo fazendo retratos para documentos, não erra a luz, não perde o foco e, especialmente, consegue a mais sincera expressão do modelo que tem diante das câmaras”, afirma Guilherme Horta. “O trabalho realizado por Assis Horta garante a ele um lugar na história da fotografia.”

O curador compara o mineiro ao peruano Martín Chambi (1891-1973), que fez retratos da população de seu país e cujo trabalho só foi descoberto no final de sua vida por um pesquisador norte-americano. “A exposição é uma representação fotográfica da democracia”, afirma o curador. “É muito emocionante ver a classe operária invadindo o estúdio de um fotógrafo em busca de uma imagem digna”, acrescenta.

A dimensão sociopolítica, observa Horta, ficou muito clara quando a exposição foi apresentada no Palácio do Planalto. Haver realizado o trabalho, além de viajar apresentando as imagens, afirma o curador, fez com que ele criasse relação de afeto com os modelos das fotos. “É como se fossem meus familiares, amigos”, conta. “Se preciso tirar alguma imagem, pelo fato de uma galeria ter pouco espaço, fico no maior drama, como se estivesse deixando de lado alguém de quem gosto muito.”

 

Baú de Horta tem mais preciosidades

 

ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D. A. PRESS
O fotógrafo Assis Horta com sua Rolleiflex (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D. A. PRESS)
Guilherme Horta conheceu Assis Horta e o acervo do fotógrafo ao preparar um projeto para o Museu do Diamante, com o também fotógrafo Eustáquio Neves, em 2012. Ainda hoje, ele recorda o impacto que sentiu diante da visão de um armário inteiro lotado de caixinhas com negativos de vidro, com centenas de retratos de trabalhadores dos anos 1940. “Achei inacreditável.”

Horta propôs então ao fotógrafo e à sua família empreender uma pesquisa sobre a coleção. O trabalho 'A democratização do retrato fotográfico através da CLT' valeu ao curador o prêmio Funarte – Marc Ferrez de 2013. “Estar apresentando ao público um fotógrafo pouco conhecido é motivo de orgulho para mim. Sinto que estamos começando a descobrir a história da fotografia no Brasil”, afirma.

Há mais fotos e documentos guardados no baú de Assis Horta, como cartas trocadas pelo fotógrafo com Rodrigo de Melo Franco (1898-1969), o criador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O material é importante e merece pesquisa específica, avalia o curador, já que Assis Horta foi funcionário do Iphan e foi quem realizou a documentação fotográfica para o processo de tombamento de Diamantina.

Há ainda no acervo retratos de civis e militares e o registro de uma viagem à Europa de dois casais, encomenda que levou Assis Horta a peregrinar por vários países. Já apresentada em Brasília, Ouro Preto e Tiradentes, a exposição deve seguir com a itinerância. Passagens por Rio de Janeiro e São Paulo estão em estudo.

“Gostaria de apresentar a exposição em cidades de Minas Gerais, para que a população entenda a importância dos acervos e, quem sabe, descubram-se e identifiquem-se outros acervos e fotógrafos com trabalho pouco conhecido ou desconhecido”, diz. “A diferença entre Assis Horta e outros fotógrafos é que ele guardou tudo. Sei de famílias que, quando morreu o velho, quebraram os negativos e jogaram tudo fora”, lamenta.

 

 

'Assis Horta: Retratos'
Grande Galeria do Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. De terça a sábado, das 9h30 às 21h; domingos, das 16h às 21h. Entrada franca. Até 7 junho.

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