Escritores falam da experiência de participar da rede que defende a liberdade literária

Membros da Rede Internacional de Cidades de Refúgio (Icorn), que ampara escritores perseguidos pelo mundo

por Carlos Herculano Lopes 01/11/2014 14:00

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Biel Machado/Divulgação
O iraniano Moshen Emadi e a hondurenha Diana Vallejo em frente à Casa de Refúgio, em Ouro Preto (foto: Biel Machado/Divulgação)
Ouro Preto – Realizado há 10 anos em Ouro Preto, com patrocínio da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e curadoria de Guiomar de Grammont, o Fórum das Letras, que termina amanhã, vem se consolidando como um dos encontros literários mais importantes do país. O tema escolhido para a esta edição foi Escritas em transe, com várias mesas-redondas e debates sobre o golpe civil-militar brasileiro de 1964. E a política dá o tom do encontro. Entre as novidades, a mais importante foi a assinatura de uma carta de intenções para a implantação em Ouro Preto – com previsão de começar a funcionar a partir do segundo semestre do ano que vem – da primeira Casa Brasileira de Refúgio (Cabra).

Além de representantes da Ufop, a cerimônia contou com a presença de Helge Lund, diretor da Rede Internacional de Cidades de Refúgio (Icorn), que teve sua origem em Stavanger, na Noruega, e de sua representante no Brasil, Sylvie Debs, professora de literatura brasileira na Universidade de Estraburgo, na França.

O projeto, que conta com apoio do Pen Clube do Brasil e já está em andamento em 45 cidades do mundo, tem como objetivo abrigar escritores que, por diversos motivos, na maior parte das vezes ideológicos, estão sendo perseguidos, ameaçados de prisão ou de morte em seus países.

De acordo com Helge Lung, a Icorn, que foi criada em 2006, é hoje uma entidade forte, que continua a crescer. "Nosso objetivo é que ela possa se expandir ainda mais, chegando a outros continentes. Aqui em Ouro Preto, a receptividade está sendo das melhores”, diz Helge Lung.

Para fazer parte da Rede Internacional de Cidades de Refúgio (Icorn), segundo Sylvie Debs – que de 2006 a 2010 foi adida cultural da França em Belo Horizonte –, é necessário que a cidade ofereça hospedagem aos escritores por dois anos. “De início, até que consigamos mais recursos, aceitamos com muita alegria os quatro meses que nos foram oferecidos pela Ufop. Já é um ótimo começo, ainda mais porque o Brasil sempre teve uma forte tradição de hospitalidade e também teve seus escritores e artistas perseguidos por motivos políticos”, lembra.

Silvie conta ainda que atualmente, em todo o mundo, existem cerca de mil escritores perseguidos. Entre os amparados pela Icorn estão representantes do Irã, Iraque, Síria, Sudão, Etiópia e Palestina, entre outros. O primeiro escritor que virá para Ouro Preto, onde ficará hospedado numa casa de estudantes, na Rua das Flores, 177, será Koulsy Lamko, do Chade. Ele enfrenta sérios problemas em seu país e atualmente vive no México.

Da América Latina, a ONG já hospedou escritores oriundos de Cuba, El Salvador e Honduras, caso da poeta e administradora de empresas Diana Vallejo, que esteve no Fórum das Letras de Ouro Preto para contar sua experiência. Nascida em La Ceiba e atualmente vivendo numa pequena cidade europeia, cujo nome preferiu não revelar por questões de segurança, Diana conta que seus problemas começaram a partir de 2010, “durante o governo de Roberto Micheletti”, quando passou a ser perseguida devido à luta pelos direitos humanos.

“Primeiro recebi uma carta ameaçadora, dizendo que iriam me prender e torturar. Depois tentaram me atropelar e cheguei a ser vítima de uma tentativa de sequestro, quase tudo de uma vez”, lembra a escritora. Como as perseguições prosseguiram, ela se mudou para a Nicarágua, onde passou a viver na casa de uma amiga. Esteve ainda no México, onde não se sentiu segura, até seguir para a Europa, em 2012.

Também fotógrafa e promotora cultural, Diana Vallejo, que chegou – ainda por questões de segurança – a usar nome falso em seu país, pertencia ao grupo de poesia Casa Tomada. Em 2005, seu livro de poemas Dias urbanos, ainda não traduzido no Brasil, foi um dos premiados no Concurso Hispano Americano da Academia de Língua Feminina. Seus trabalhos também foram publicados na Dinamarca, Suécia e Eslovênia.

Perseguição

Outro escritor que esteve em Ouro Preto para contar sua história foi o iraniano Mohsen Emadi. Com 38 anos, ele relatou que seus problemas começaram em 2009, com a chegada do conservador Mahmoud Ahmadinejad ao poder, depois de ter vencido o reformista Hussein Mussavi. “Na época, com outros colegas, fiquei durante dois meses nas ruas participando do Movimento Verde, que lutava pela retomada da democracia e pelos direitos humanos em meu país”, conta Mohsen.

Como a barra começou a pesar, com vários companheiros seus sendo presos e torturados, resolveu deixar o Irã. De início foi para a Finlândia e atualmente mora na Cidade do México, onde sobrevive dando aulas na Universidade Ibero-Americana e com uma bolsa de US$ 1,2 mil oferecida pela Icorn. “Isso tem me permitido ter paz para pensar, participar de comunidades e círculos literários e começar a publicar os meus trabalhos em espanhol. Mas sinto muitas saudades do meu país, onde ainda vive a minha família, e para o qual não posso voltar, pelo menos no momento ", diz o escritor. Apaixonado por Machado de Assis e Clarice Lispector, que leu ainda no Irã, Mohsen Amadi já traduziu para o persa poemas de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e textos de Mário de Andrade.

Entre as atrações de hoje no Fórum das Letras, às 14h, no Cine Vila Rica, está programado o debate Centros, periferias e outras margens literárias, com Ana Paula Maia, Ferréz, e Fabrício Carpinejar. Às 18h, o tema será Há limites entre a ficção e a realidade?, com a participação de Mário Prata, Mário Hélio Gomes e Care Santos.

* O repórter viajou a convite do Fórum das Letras.

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