Eva Wilma relembra momentos marcantes das seis décadas de carreira

Em entrevista, a atriz, uma das damas da dramaturgia nacional, celebra os 80 anos de vida

por Diego Ponce de Leon 22/09/2014 09:29

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João Caldas/Divulgação
Atriz contabiliza mais de 70 passagens pela tevê, cerca de 40 peças e 24 filmes (foto: João Caldas/Divulgação)
“Eu não era só bonita não. Também era uma boa atriz.” A frase não foi dita por Eva Wilma, mas por sua personagem na peça 'Azul resplendor', que percorre o país desde o ano passado. Eva poderia, facilmente, tê-la dito. Um dos mais delicados rostos dos “anos dourados”, a atriz figura entre os grandes nomes da dramaturgia nacional, ao lado de Fernanda Montenegro, Bibi Ferreira e outros poucos artistas.

O espetáculo marca os 80 anos de vida e 60 de carreira da atriz, que estreou na televisão em 1953 no programa 'Namorados de São Paulo', ainda na extinta Tupi. Lá pelo meio da peça, a personagem recorda, em tom melancólico: “Sou de uma época na qual fazíamos teatro de terça a domingo”. Assim como Eva.

'Azul resplendor', no entanto, costuma ficar em cartaz somente de sexta a domingo. As coisas mudaram. O teatro não é mais o mesmo. Mas Eva Wilma insiste. “Não posso viver somente de televisão. Não compreendo quem se nega a passar pelo teatro, onde melhor evoluímos enquanto artista”, comenta, em entrevista.

Sempre dedicada ao ofício, ela ainda espera novos papéis para incorporar. “Todos os meus personagens continuam comigo quando saio de cena.” A frase, também dita durante 'Azul resplendor', ressoa em Eva, que a ratifica. As gêmeas Ruth e Raquel, de 'Mulheres de areia', a Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque, de 'A indomada', a Hilda Pontes, de Pedra sobre pedra, que o digam. Entre tantos outros personagens, que continuam com Eva. E com o público.

(Arquivo/TV Globo
Eva Wilma em 'Pedra sobre pedra', de 1992 (foto: (Arquivo/TV Globo)
Entrevista Eva Wilma


O seu sonho, na verdade, era ser bailarina clássica?
Dos 9 aos 19 anos, eu desenvolvi uma carreira no balé que me fez crer que seria essa minha grande paixão, a qual seguiria para o resto da vida. A música sempre se fez presente. Tive aulas com Inezita Barroso, imagina! Mas eram os “anos dourados”, a década de 1950. O José Renato apareceu com o Teatro de Arena, a Vera Cruz lançava filmes e, por fim, o Cassiano Gabus Mendes surgiu como primeiro diretor artístico da televisão. E eu participei disso tudo. Todos eles me convocaram para projetos. Foram escolhas difíceis, mas acho que deu certo, né?!

Na infância e na juventude, a senhora passou por duas grandes dificuldades. A primeira delas por conta do seu pai, que era alemão…
Meu pai faliu. Muitos não lembram o quão difícil foi, por exemplo, quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial. Foi terrível. Os alemães que viviam no Brasil foram, quase todos, presos. Meu pai perdeu o emprego e nunca mais se recuperou. Ele escapou por pouco da prisão. Mas o que ele fez? Ensinou-me que era preciso trabalhar para vencer na vida.

Alguns anos depois, já casada com o John Herbert e no início da carreira, a senhora mesmo chegou a falir…
Por conta da ditadura. Eles proibiram a peça 'Os rapazes da banda'. Honramos os salários do elenco, da equipe, da produção, mas não subimos no palco. Aquilo nos arruinou. Passamos por momentos muito difíceis. Além do próprio período, que não foi fácil para ninguém. Mas foi ali que aprendemos a lutar pelos direitos humanos, pela liberdade. De alguma forma, deu-nos força. Mais uma vez, um período sofrido, mas de aprendizado.

Brasília, inclusive, fez parte desse seu engajamento pela liberdade…
Exato. Brasília me traz uma recordação muito importante. Eu e o Zara (Carlos Zara, ator e segundo marido da atriz, morto em 2002) lideramos um grupo de artistas que lutava em prol da anistia (promulgada em 1979). Produzimos um documento, com mais de 700 assinaturas, e levamos aos dirigentes do Arena (partido político da época). Em São Paulo, fazíamos visitas semanais aos presídios, para conversar com os colegas da cena encarcerados.

Aquela realidade do teatro “de terça a domingo” parece cada vez mais distante, não?
A bilheteria pagava as contas, veja você! Pode perguntar para Nicette Bruno, Nathalia Timberg, e elas te contam a mesma história: a gente levantava um dinheiro no banco, estreava o espetáculo, trabalhava quase todo dia da semana e, no fim da temporada, pagava o banco, saldava a dívida (risos). Era assim. Mas havia público! Era a principal diferença. Essa realidade tecnológica mudou muito o panorama.

A senhora é sempre lembrada por tantos papéis na tevê, mas não abandona o teatro…

O teatro é a escola do ator. Eu sempre volto para me reciclar, senão meu trabalho cristaliza. Se eu recorrer somente à televisão, eu deixo de evoluir enquanto atriz. O exercício de estar ao vivo de corpo inteiro, diante de uma plateia, é insubstituível.

A senhora costuma dizer que os 80 anos trazem “perdas e limitações”…
Recentemente, fiz uma cirurgia. Coisas da idade. Mas carrego as limitações com humor, vital para levar a vida. Principalmente, o humor crítico (risos). Outro dia, assisti a uma entrevista da (escritora) Nélida Piñon. Em certo momento, ela diz: “Eu trago meus mortos, todos eles”. Gostei disso. São perdas das quais fazemos ganhos. Aos 80 anos, precisamos aprender a lidar com isso.

Este título de “dama do teatro” traz um pouco de fardo, além de alegria?
Tudo junto! (risos). Estou brincando… Acima de tudo, traz consciência da minha responsabilidade.

Principais trabalhos


» Namorados de São Paulo (1953 - 1964)

» Mulheres de areia (1973)

» O direito de nascer (1978)

» Guerra dos sexos (1983)

» Roda de fogo (1986)

» Sassaricando (1987)

» Pedra sobre pedra (1992)

» O rei do gado (1996)

» A indomada (1997)

» Mulher (1998-1999)

» Os maias (2001)

» Fina estampa (2011)

*No teatro, a atriz recebeu os principais prêmios da área, a exemplo do Shell e do Molière

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