Aos 67 anos, José Damasceno completa quatro décadas de dedicação à pintura

Pintor é integrante do grupo dos principais artistas populares de Minas Gerais

por Walter Sebastião 30/07/2014 07:00

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BETO NOVAES/EM/D.A PRESS
(foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS)
“Sou urbano”, afirma José Damasceno, de 67 anos, 40 deles dedicados à pintura. A observação se refere ao motivo das imagens que produz, diferentes das de outros artistas populares mais voltados ao mundo rural. “Belo Horizonte é festiva, alegre. Mesmo com todos os problemas, você encontra coisas boas, como o forró de Belô, que existe há muito tempo”, exemplifica. “Ou subir o morro, qualquer um deles –, e retratar lá de cima a favela. Fiz isso muito, mas hoje o dono do morro não deixa. Por isso tenho de pintar os aglomerados de memória”, conta. O artista gosta ainda de observar prédios, casas, ruas e avenidas. Mas faz questão de destacar que as pessoas são o mais importante em suas pinturas.


Nem adianta provocar, para Damasceno não tem tempo ruim. “Tenho visão positiva da vida, gosto de gente. Vejo as pessoas sempre com alegria, mesmo não tendo motivo para isso. Acho que o Brasil sempre tem um lado bom”, afirma o pintor, traduzindo com palavras o tom que é percebido em suas pinturas. Está em paz com a vida que tem: desde 1999, só pinta, já que, devido a um problema de saúde, teve de deixar o trabalho. Às vezes se preocupa com o futuro. “Tenho uma filha de 17 anos que está grávida. Fico pensando como vão ser as coisas daqui há 20 anos. Dificilmente, no futuro, alguém vai conseguir escapar de questões como a falta d’água e a insegurança”, diz.


Beto Novaes/EM/D.A Press
Há 40 anos, quem fazia arte popular era reticente em chegar à galeria de arte importante. Foram Rodelnégio e José Luiz Soares que abriramcaminho para nós%u201D, José Damasceno, artista (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
O artista é integrante de grupo ilustre das artes em Minas, formado pelos pintores Lorenzato, Rodelnégio, José Luiz Soares, Dionísio, Lindorico, Irma Renault, nomes que ele mesmo evoca como companheiros. Grupo, pode-se acrescentar, que, ainda hoje, está para ser melhor estudado e inserido na história das artes visuais de Minas Gerais. “Eu era o menino do grupo”, recorda o artista, lembrando que a turma era, em média, 15 anos mais velha do que ele. O encontro com os colegas se deu no início dos anos 1970, quando, aos 27 anos, ele começou a participar de feira de arte e artesanato da Praça da Liberdade, apresentado à turma pela crítica de artes Mari’Stella Tristão. “E, desde então, não parei mais”, conta com satisfação.


Damasceno até já fez cerâmica, mas parou. “Escultura deixa a mão bruta. Quem faz pintura, que tem detalhe, precisa de mão mais delicada”, justifica. “Já me perguntaram como tenho paciência para fazer tantas pessoas num quadro. Se faço só meia dúzia, acho que fica incompleto”, conta, lembrando-se de aspecto – o indivíduo inserido no coletivo – que chama atenção nas obras dele. O artista foi o único pintor entre os 13 autores que estiveram na exposição Mestres da Capital, do Centro de Arte Popular da Cemig. “Nunca imaginei ver museu tão bonito dedicado à arte popular e ainda mais com um quadro meu no acervo. Quem não conhece o local não sabe o que está perdendo”, avisa.


“Há 40 anos, quem fazia arte popular era reticente em chegar à galeria de arte importante. Foram Rodelnégio e José Luiz Soares que abriram caminho para nós, incentivando que fôssemos às exposições, a conhecer gente do meio da arte”, recorda. Damasceno defende que, pela qualidade da arte do que fizeram, os pintores citados mereciam uma retrospectiva como a que foi feita para Zizi Sapateiro. Ele lembra que o amigo Rodelnégio, em 2015, completaria 100 anos. “Porta aberta para nós era só o Estado de Minas”, afirma, lembrando-se de apoio dos jornalistas Geraldo Magalhães e Wilson Frade, da crítica Mari’Stella Tristão e do galerista Sálvio Oliveira, que às vezes a substituía.


José Damasceno é cauteloso quanto a conselhos para jovens artistas. Faz apenas uma observação: “Hoje o mercado não é tão bom quanto antes. Quem quer ser artista tem que gostar muito do que faz. O que a gente vê, agora, são pessoas que fazem arte se tornando professores”. Suspeita, inclusive, que vivem-se tempos com menos sensibilidade para a arte e a cultura do que em outras épocas. Se não fosse pintor, gostaria de ser violonista. “Quem toca violão bem é divino”, afirma o admirador de Emílio Santiago e Paulinho da Viola. Ele até já tentou aprender a tocar o instrumento, mas desistiu.

Na escola  da vida

José Damasceno Telles Camilo é o segundo dos quatro filhos de Maria de Lourdes e Alcebíades Camilo Filho. Nasceu no Bairro Cidade Jardim e estudou no Colégio Dom José Gaspar. Diversão, quando jovem, era jogar futebol e curtir as redondezas da casa. “Tempos que em Belo Horizonte chovia na época certa. Cheguei a beber água e a pegar bagre com peneira no Córrego do Leitão, onde é o São Bento. Hoje, lá é esgoto puro”, lamenta. Um curso de artes industriais, depois de concluir o ensino fundamental, trouxe contato com marcenaria e cestaria. Adolescente, foi trabalhar na casa da família da tapeceira Marlene Trindade, tornando-se protegido da artista, quando trabalhava como eletricista na fábrica do pai dela.


O jovem observava os ensinamentos sobre cor que Marlene Trindade passava aos alunos. E fazia, por conta própria, misturas de tintas e alguns quadros. Uma pessoa viu os trabalhos e recomendou que Damasceno se matriculasse em curso de extensão na UFMG. “Marlene não deixou. Disse que ia me influenciar negativamente”, recorda. E ele considera que foi decisão acertada: “Ninguém deve forçar a barra para um artista ser o que ele não é. Se você não tem característica para uma coisa, não vai ter capacidade de fazer”, argumenta. O artista tem boas lembranças das perambulações, com a tapeceira, pelo mundo das exposições, conhecendo a Galeria Guignard, o Palácio das Artes e a Associação Mineira de Imprensa, entre outros espaços.


“Vi e achei lindíssima a exposição de José Luiz Soares no Minas”, afirma Damasceno, recordando de artista cuja obra teve impacto sobre ele. “Ele era detalhista, o que fazia o trabalho ficar muito interessante”, acrescenta. Também tem na memória as mostras de Yara Tupinambá, pelo bom desenho, e de Rodelnégio, pela força das figuras. Considera que Rodelnégio foi o último líder do grupo, por ser o mais velho, ter mais experiência e conhecer jornalistas importantes. Damasceno já participou de diversas coletivas e salões de arte, além de mostrar suas obras em Minas Gerais, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro.

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