Musical de Rodrigo Alzuguir revela momentos marcantes da vida de Wilson Baptista

Compositor estava à frente de seu tempo e desafiou com bom humor o mestre Noel Rosa

por Ailton Magioli 16/05/2014 06:00

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Kiko Vieira/Divulgação
Cláudia Ventura e Rodrigo Alzuguir mostram como as canções de Wilson Baptista contam a história de seu tempo e de sua via (foto: Kiko Vieira/Divulgação )
Um segredo que precisava ser revelado ao Brasil. Assim Rodrigo Alzuguir define a obra do sambista Wilson Baptista (1913-1968), que ele apresenta amanhã e domingo à noite, no Teatro Dom Silvério, ao lado da atriz e cantora Claudia Ventura. Em cena, o musical 'O samba carioca de Wilson Baptista', que vem de temporada de sucesso. A direção é de Sidnei Cruz.


Fluminense de Campos dos Goytacazes (RJ), Wilson Baptista, que tem a biografia revelada na própria música, teria encantado Rodrigo desde que ele foi convidado a criar a capa do disco 'Ganha-se pouco, mas é divertido', de 2000. Trata-se do resgate de uma obra até então esquecida, com a qual Cristina Buarque presta tributo ao mestre do samba.

De lá para cá, o multiartista (cantor, músico, dramaturgo, designer e biógrafo) não fez outra coisa senão mergulhar na vida e obra do sambista, cujo resultado já gerou um álbum duplo, com a trilha do espetáculo e uma coletânea de sucessos, raridades e inéditas do compositor; um cancioneiro comentado, com direito a perfil biográfico e 105 partituras, e um show, além de oficina, palestra e o musical em si.

“O Rodrigo traz a música de Wilson à cena sem deturpar”, elogia Cristina Buarque, que diz ter se encantado com a obra do sambista por causa da linguagem “bem carioca” de sua música. “O espetáculo é excelente e reafirma a qualidade do trabalho de Rodrigo Alzuguir”, acrescenta o pesquisador Hermínio Bello de Carvalho.

“Encantei-me pela figura de Wilson”, confessa o ator e dramaturgo, que ainda trabalhava como designer quando descobriu as pérolas do sambista. Além da paixão imediata pelo repertório, Rodrigo diz ter ficado abismado como àquela altura a música do compositor estava esquecida e relegada ao segundo plano.

Em 'O samba carioca de Wilson Batista', acompanhados de banda formada por Nando Duarte (violão 7 cordas), Levi Chaves (sopros), Luís Barcelos (bandolim) e Naife Simões (percussão), ele e Claudia Cunha interpretam 67 músicas do compositor fluminense, algumas das quais reunidas em pot-pourri.

Clássicos como 'Louco', 'Emília', 'Oh! Seu Oscar', 'O bonde de São Januário', 'Rosalina' e 'Mundo de zinco' estão no roteiro, com direito a interlúdios (minioperetas), nas quais a dupla incorpora personagens famosos de Wilson, tais como os românticos Hilbedrando e Etelvina e Rosalina e Alberto, além dos amantes do futebol José e Chiquinho. “É um dos melhores compositores da geração dele”, reconhece Rodrigo Alzuguir. Ele destaca que Wilson Baptista teve por parceiros Ataulfo Alves, Ciro de Souza, Roberto Martins, Haroldo Lobo, Marino Pinto, Nássara e Noel Rosa, entre outros. E com convivência nem sempre muito pacífica.

Natura Musical / Divulgação
Wilson Baptista e Noel Rosa protagonizaram uma disputa que começou e acabou em samba (foto: Natura Musical / Divulgação)
Tudo acabou em samba


Wilson protagonizou com Noel Rosa uma famosa polêmica na década de 1930, que deixou marcas na história da música popular brasileira. Na disputa entre os bambas, um provocava o outro por meio de sambas, com temperatura cada vez mais alta. Tudo começou quando Sylvio Caldas gravou o ousado 'Lenço no pescoço', que retratava um malandro orgulhoso “em ser tão vadio”. A canção, ironizada por Noel, seria logo censurada em razão da ideologia varguista, que valorizava o trabalho. Mas o motivo da briga era outro.

Envolvidos em uma disputa por uma dançarina de dancing – a verdadeira causa da disputa entre os dois – que Wilson Baptista acabaria conquistando, os sambistas travaram uma verdadeira guerra cuja arma maior foi o samba, que um fazia em resposta ao outro. Em alguns momentos a barra pesou. Num ato de destempero, Wilson chamou Noel de “Frankenstein da Vila”. Mas a disputa rendeu pérolas que vão além da provocação inicial, como 'Feitiço da Vila', de Noel Rosa, que se tornaria um clássico por si só. Ao fim, Wilson e Noel tornaram-se parceiros.

Segundo Claudia Ventura, Wilson Baptisa é autor de um tipo de música deliciosa para atores. “As composições dele são cômicas, em sua maioria”, justifica a atriz. Ela salienta a importância do roteiro do musical permitir o uso da música como dramaturgia, como ocorre nos interlúdios. “Wilson foi um grande cronista da época dele”, diz a atriz, que lembra que muitos sambas do compositor são autobiográficos. Malandros, donas de casa frustradas e a mulher fogosa, que adora carnaval, são alguns dos personagens presentes na obra do sambista.

MARCHINHAS Além de samba em si, de acordo com Rodrigo Alzuguir, Wilson Baptista compôs marchinhas de carnaval, com as quais fez sucesso, como 'Balzaquiana', que chegou a ganhar uma versão francesa, e 'Sereia de Copacabana'. “A essência da obra dele, no entanto, é o samba”, destaca o ator e autor do musical. Em sua extensa obra, Wilson exercitaria ainda gêneros como o samba-choro e o samba-canção.

Autor de melodias que surpreendiam pela elaboração, ele compunha apenas com uma caixa de fósforos para marcar o ritmo. Era também dono de uma visão original de mundo que, de acordo com Rodrigo Alzuguir, passava obrigatoriamente pelas letras das canções.

“Em plena década de 1940, uma época bem machista, ele fez o samba 'Chinelo velho' em primeira pessoa, no feminino”, destaca. O biógrafo cita ainda a canção 'Lealdade', que Caetano Veloso regravou, na qual um homem propõe a uma mulher que vivessem uma relação aberta. O bamba, como se vê, estava mesmo à frente de seu tempo.


O SAMBA CARIOCA DE WILSON BAPTISTA
Sábado, às 21h, e domingo, às 19h, no Teatro Dom Silvério, Av. Nossa Senhora do Carmo, 230, São Pedro. Duração: 1h30. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Hoje serão realizadas no local uma oficina (Quando a canção é dramaturgia) e uma palestra (Wilson Baptista e seu tempo), a cargo dos autores.


TRÊS PERGUNTAS PARA...
. RODRIGO ALZUGUIR
. Cantor e biógrafo

O que faz de Wilson Baptista um grande sambista?
Acho que é uma visão de mundo muito particular que ele tem. Wilson é dono de uma obra musicalmente muito à frente de seu tempo, que trouxe novos elementos para o samba, tais como o uso abundante da síncope – ele foi um especialista do chamado samba sincopado, ao lado de Geraldo Pereira – e de temas mais ligados ao cotidiano.

Além do preconceito racial, ele também teve de enfrentar a pecha de malandro?
Sim, ele acabou muito associado ao estereótipo do malandro para as gerações futuras. No caso do preconceito racial, o racismo na música da época era muito velado. Wilson teve parceiros brancos que, obviamente, tiveram maior facilidade para serem reconhecidos. Chegou a abordar o tema em Preconceito, parceria com Marino Pinto, que diz: “Eu nasci num clima quente/ Você diz a toda gente/ Que eu sou moreno demais...”.

Qual é, na sua opinião, a obra-prima de Wilson Baptista?
Em uma obra tão fértil – ele fez mais de 600 músicas – fica difícil eleger uma só. Talvez duas delas sintetizem a filosofia de vida dele: Meu mundo é hoje , com José Baptista (“Eu sou assim/ Quem quiser gostar de mim/ Eu sou assim”), gravada por Paulinho da Viola, e Acertei no milhar, da parceria com Geraldo Pereira, que ressalta a teatralidade da música dele. Trata-se de uma miniopereta, gravada por Moreira da Silva, em que ele cria os personagens por meio da letra da canção.

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