Passeio por Belo Horizonte revela acervo de esculturas em mármore

Conjunto das obras de artistas conceituados está espalhado por praças, cemitérios e prédios públicos da capital

por Walter Sebastião 05/05/2014 08:46

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Beto Novaes/EM/D.A Press
Imagem no túmulo do escritor João Amadeo Mucchiut, mestre do ofício, no Bonfim (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Há quem garanta que esculturas em espaço público em Belo Horizonte são poucas, mal colocadas e submetidas a todo tipo de maus-tratos, ainda que com obras de artistas notáveis. Minoritário, posto aos olhos de todos, estão os trabalhos realizados em mármore, material precioso que, no início do século 20, chegava ao Brasil em navios, usado  como lastro. Dispersas, sem identificação, vítimas do vandalismo, são relíquias de paisagem hoje submersa: a da metrópole recém-nascida, moldada por artesãos europeus que criaram ícones da nova capital de Minas Gerais entre os anos de 1910 a 1940.

“Não é comum ver em cemitérios obras com a qualidade das esculturas de João Amadeo Mucchiut. Considero o maior artista que já passou por Belo Horizonte”, afirma o escultor e marmorista Ricardo Bergmann, guia para esta reportagem de uma viagem pelo mundo da arte em mármore. Ele se refere ao austríaco nascido em Gradisca, em 1878, morto em 1938, em Belo Horizonte, onde chegou em 1912, e ainda hoje um artista pouco conhecido e com biografia a ser escrita. A arte dele está em dezenas de esculturas para túmulos, cuja expressividade, refinamento de concepção e realização impressionam.

Sobre a lápide do túmulo do artista, que foi enterrado no Bonfim, está um crucifixo inacabado, a última peça dele. “Tudo que se destaca no Bonfim é de Mucchiut”, ressalta Ricardo Bergmann. O artista raramente assinava as peças, mas é fácil identificá-las, observa Bergmann, enumerando outros escultores com peças no cemitério: Zeferino Salabrini, Carlos Bianchi, Gino Ceroni, Nicola Dantolli, Antônio Folini, Alfeu Martini, José Scarlatelli, Jacob Korman e Jeanne-Louise Milde. “Tivemos boa arrancada na escultura em mármore, mas é uma tradição que não teve continuidade”, explica. “O granito substitui o mármore e os cemitérios ficam negros.”

Frisando a importância de Amadeo Mucchiut, Bergmann defende que um grupo de peças seja apresentado em exposição, fora do cemitério – “para mostrar que ele existe”. Bergmann é crítico quanto à situação do Cemitério do Bonfim: “Falta informação, sanitários, tem capim, buracos, coisas caindo. Muitas famílias responsáveis pelos túmulos não existem mais”, aponta. Modo de enfrentar os problemas, para ele, seria o tombamento. Inclusive para evitar descaracterização vinda da “mistura do ano 2000 com 1920”, como placas negras sobre túmulos brancos.
 
Vandalismo ameaça esculturas
 
É de mármore um dos ícones do conjunto artístico e arquitetônico da Praça da Estação: um tigre de Gino Ceroni, que está na varanda do Museu de Artes e Ofícios. “É uma escultura forte, tem estilo. É exagerada, mas isso é escultura. E, pela cara do bicho, feito por um italiano bravo”, brinca Ricardo Bergmann. A peça ficava originalmente na Praça Rui Barbosa, mas por causa do vandalismo foi trocada por uma réplica. Outra escultura de mármore, também imagem de um felino, pelo mesmo motivo foi deslocada para o jardim zoológico de Belo Horizonte.

As esculturas faziam parte de conjunto que tinha ninfas e representação das quatro estações, que, devido à depredação ou ameaças do tempo, foram espalhadas por vários locais. Duas peças, do conjunto As quatro estações, estão no jardim do Palácio da Liberdade desde 1969. “O vandalismo é o inimigo da arte pública”, lamenta Bergmann, que apoia a substituição de originais por réplicas e até considera que o mesmo deve ser feito com certas obras do Cemitério do Bonfim.

Ricardo Bergmann cita outras atrações do acervo em mármore em Belo Horizonte, como O abraço, de Alfredo Ceschiatti (1918–1989), que está no jardim do Museu da Pampulha. E merece atenção o uso do material em escadarias, no piso ou em outros revestimentos, como podem ser vistos nos prédios antigos do Circuito da Praça da Liberdade. Ou ainda na Casa do Baile, na Pampulha, para o marmorista, “uma construção moderna com material clássico”.

Beto Novaes/EM/D.A Press
Obra de Auguste Petit, que pode ser visitada nos jardins do Palácio da Liberdade (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Itinerário da arte


>> É do artista Joao Amadeo Mucchiut o altar-mor da Matriz São José e o púlpito e o altar da Matriz da Boa Viagem. No último domingo de cada mês, às 9h, a historiadora Marcelina Almeida conduz visita guiada, gratuita, para grupos de até 40 pessoas, pelo Cemitério do Bonfim, com agendamento pelo telefone
(31) 3277-5398 ou agendaparques@pbh.gov.br.

>> Na Praça da Liberdade, esculturas de mármore com estética francesa, como Figura feminina e Dois jovens, no Salão Dourado do Palácio da Liberdade. Grupo de crianças, Casal de jovens namorando, no jardim do palácio, são atribuídas a Auguste Petit pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).

>> Ricardo Bergmann suspeita que seriam do mesmo artista não só as Três bailarinas, mas também as fontes da Praça da Liberdade. A maior delas, a melhor obra da praça na opinião de Bergmann. As peças estão em bom estado, mas Bergmann alerta ser preciso ficar atento ao efeito da poluição sobre as esculturas. As visitas guiadas ao Palácio da Liberdade são gratuitas, aos sábados, domingos e feriados, das 10h às 15h, com acesso pela Avenida Cristóvão Colombo.

MASSA PURA

O uso do mármore pelos escultores, como explica Ricardo Bergmann, se deve ao fato de ser pedra macia, “massa pura” (sem veios ou cristais), que aceita os projetos criados pelos artistas e acabamentos. No geral, as peças são criadas a partir de um desenho, seguido da modelagem em argila e, depois, em gesso, sendo então transferidas para a pedra. Trabalho feito com ferramentas, sendo as mais importantes o escopo (talhadeira) e a maceta portuguesa, um martelo com ponta arredondada. “Ir direto para a pedra, sem estudos prévios, como fazia Mucchiut, é para poucos, gente como Michelângelo”, observa. “Se você perde a proporção, a peça já era”, explica Bergmann. O mármore de melhor qualidade é encontrado na Itália, Bélgica e Grécia.

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