Time de colaboradores é trunfo de autores para manter qualidade das novelas

Tramas com mais de 200 capítulos contam com participação de outros escritores. Com o tempo, muitos se tornam titulares

por Ailton Magioli 16/02/2014 00:13

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Ganhadora do Emmy Internacional 2013 na categoria de melhor telenovela, Lado a lado, da TV Globo, ainda estava no ar quando o autor, João Ximenes Braga, recebeu convite de Gilberto Braga para voltar a trabalhar com ele e Ricardo Linhares em uma das próximas tramas das nove da emissora, prevista para 2015. Antes de se tornar titular da faixa das seis, ao lado de Cláudia Lage, Ximenes já havia trabalhado como autor colaborador da dupla em Paraíso tropical e Insensato coração.

João Cotta/Divulgação
Cláudia Lage é atriz, escritora e professora, mas se realiza como autora de telenovelas (foto: João Cotta/Divulgação)
A condição de colaborador vem se tornando espécie de plataforma para voo solo de novelistas no Brasil, ainda que antes disto a maioria tenha de passar pela já famosa oficina de autores e roteiristas da TV Globo, salvo algumas raríssimas exceções. “Conheço alguns que são gratos por terem participado das oficinas: a Beth Jhin, por exemplo. Assim como Emanoel Jacobina e Andréa Maltarolli, todos porém já com alguma bagagem, incluindo a experiência de escritor. Mas não fiz a oficina”, diz Álvaro Ramos, confirmando a existência daqueles que não passaram pela experiência.

“Ninguém chega a uma oficina da Globo sem ter demonstrado talento”, garante ele, que, além de colaborar com Antonio Calmon (Começar de novo, O beijo do vampiro e Um anjo caiu do céu) e Maria Adelaide Amaral (Sangue bom e Ti ti ti), escreveu episódios para as séries A justiceira e Mulher, além de roteiros para Carga pesada, Brava gente e, mais recentemente, Força tarefa. “Minha especialidade são os formatos curtos e fechados. Sou relativamente novo em novelas, nas quais só comecei a colaborar em 2001”, acrescenta Álvaro Ramos, que se profissionalizou na área em 1978, ao fazer o primeiro curso de roteiro ministrado por Leopoldo Serran, “o maior roteirista de cinema que já tivemos”.

João Ximenes Braga participou da oficina da Globo em 2007, com os professores Décio Coimbra e Flávio de Campos. “Já tinha dois romances, um curta-metragem e uma década de coluna de crônicas num grande jornal carioca, que me dava bastante visibilidade. É preciso estudar, seja literatura, teatro ou cinema. Dê o melhor de si para conseguir ter um livro publicado, uma peça encenada, um filme realizado. Não conheço dois roteiristas que tenham tido caminhos iguais”, admite o autor de Lado a lado.

João Cotta/Divulgação
João Ximenes começou como colaborador e vai integrar trio de autores do horário nobre (foto: João Cotta/Divulgação)
Para ele, a oficina da Globo foi fundamental, porque mesmo com conhecimento teórico ele tinha pouquíssima experiência de roteiro na época. “Um pouco de cinema, mas nada em TV.” E lembra que o processo não é fácil nem rápido. “Quase sempre a pessoa tem oportunidade na TV depois de já ter alcançado alguma visibilidade no teatro, no cinema ou na literatura”, frisa Ximenes. Na opinião dele, desde O direito de nascer a telenovela se tornou das poucas janelas para o encantamento acessível a todos os brasileiros. “Hoje as coisas mudaram, há mais acesso a outros bens culturais, mas a telenovela já está entranhada na cultura do brasileiro.”

Com a vida marcada por obras de Gilberto Braga, João Ximenes Braga lembra que foi alfabetizado assistindo Escrava Isaura, fez vestibular vendo Vale tudo e começou a carreira profissional como jornalista assistindo a Anos rebeldes. Já Ricardo Linhares, diz ele, “é um gênio da estrutura e do ritmo”. Tanto a criação quanto o método de trabalho de Ximenes variam de acordo com cada trabalho e cada parceria. “Para a próxima novela, Gilberto, Ricardo e eu passamos seis meses fazendo três reuniões por semana para criar o perfil dos personagens e a sinopse, que é o arcabouço da história.” Nos dias sem reunião, o trio ia montando a sinopse de trabalho, que é o documento que vai guiar os autores pelo período em que a novela estiver no ar.

Parceria

Álvaro Ramos, por sua vez, se diz metódico, disciplinado e ordenado no trabalho. “Tenho ampla formação técnica. Entre os vários cursos que fiz, estudei roteiro na Universidade de Nova York. Tento cumprir horário diante do computador: das 8h às 20h, se possível. Sou diurno e procuro dedicar a noite a meus filhos e família. Quando dá, assisto ao noticiário e a um bom filme ou seriado antes de dormir”, diz o autor.

A propósito da declaração recente do autor de Amor à vida, Walcyr Carrasco, de que ele deixa “uns buracos” nos capítulos de suas tramas para os colaboradores (na recém-encerrada novela das nove eram quatro) escreverem, Álvaro reage: “Escrevo muito mais do que ‘buracos’ deixados pelo titular. Colaboração em novela é uma relação de parceria. Quando isso não acontece, é chato. Acredito que ninguém seja tão brilhante a ponto de escrever sozinho uma novela de qualidade”, desabafa.

Dizer que se faz cinema em novela é, na opinião de Álvaro, uma rematada besteira. “A concentração dramática no cinema pode ser absurda. Cinema é síntese, novela é expansão. Seria como comparar poesia e prosa”, argumenta. “Novela é uma corrida, uma ultramaratona de 217 quilômetros, como a que vocês têm aí em Minas, na Serra da Mantiqueira. É escrever um volume estupendo de páginas, diariamente, tentando manter um mínimo de coerência.” Afinal, lembra ele, o espectador espera e merece qualidade.

Segredo de Estado

Antes mesmo de estrear em teledramaturgia, Cláudia Lage, que também é professora e atriz, já era escritora. Parceira de João Ximenes Braga em Lado a lado, seu mais recente livro é Labirinto da palavra, com crônicas sobre literatura. “Apesar de os instrumentos da narrativa serem bem próximos, são construções totalmente diferentes. Concilio isso encontrando tempo para fazer as duas coisas, raramente escrevo dramaturgia e prosa ao mesmo tempo”, confessa ela.

A última vez que Cláudia trabalhou como atriz foi em 2000 e, segundo revela, não tem planos de voltar a atuar. “Continuo trabalhando como professora de criação literária sempre que posso. Dar aulas me alimenta e energiza para a escrita, é muito estimulante”, acrescenta a autora, que, depois de fazer oficina na Globo, foi colaboradora de Manoel Carlos em Páginas da vida e Viver a vida. Em Lado a lado, em que estreou como autora principal ao lado de João Ximenes Braga, contou com a supervisão de texto de Gilberto Braga.

“Cada autor tem uma forma diferente de trabalhar e de montar equipe. E geralmente é segredo de Estado. Aprendi muito com o Maneco, um mestre na construção dos personagens e de tramas fortes”, afirma. Ela destaca que Manoel Carlos e Gilberto Braga são dois mestres da teledramaturgia. Com João Ximenes ela garante ter-se casado na dramaturgia e na visão da narrativa da novela. “Foi uma experiência muito criativa e produtiva. Fizemos uma novela com a nossa cara. Há muito da gente nesse trabalho e isso só é possível quando há afinidade entre os parceiros”, garante Cláudia Lage.

“Em Lado a lado, o que nos uniu foi o interesse pela época e os temas da novela. Por conta do convite do Gilberto, não vamos emendar outra parceria, mas no futuro pode voltar a acontecer. Somos muito amigos”, acrescenta João Ximenes Braga. Em Lado a lado, ele e Cláudia tiveram como colaboradores Chico Soares, Douglas Tourinho, Fernando Rebello, Jackie Vellego, Maria Camargo e Nina Crintzs. “Acho que o trabalho fica mais rico assim.” No momento, ela prepara a sinopse de uma novela de época.

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