O volume é produto da convivência de Mayra Laudanna por mais de 25 anos com Grassmann, e de duas década de estudos sobre a obra dele. Trabalho que não se reduz a um livro, mas envolveu a realização de exposições, debates e seminários, além de entrevistas, uma delas transcrita no livro. Está no prelo, inclusive, mais um livro, assinado pela pesquisadora e por Leon Kossovitch, dedicado aos anos de formação (de 1949 a 1955) do artista. Serão dois volumes: um com edição em fac-símile de caderno de viagem pela Europa; outro com análise da obra do artista a partir do álbum. “Todo projeto é tentativa de ficar perto dele”, observa, sem esconder afeto pelo amigo falecido em junho, aos 88 anos.
“Não há como enquadrar a obra de Marcello Grassmann em alguma estética sem sacrificar um aspecto do que ele fez”, afirma Mayra Laudanna. Ela considera que ver crítica social no que o artista produziu é atitude equivocada. “A preocupação em enquadrar um artista num determinado rótulo é modo limitado de ver a arte, dificulta a compreensão do que o artista fez e cega o espectador. Todos os artistas têm, ao longo da carreira, trabalhos que fogem às classificações aplicadas às obras”, polemiza. Sobre o homem Marcello Grassmann, conta que foi um cômico, que via tudo com humor. “E por isso um cético em relação ao mundo.”
Mayra Laudanna é professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Realiza pesquisa sobre arte brasileira, em especial sobre gravadores dos séculos 20 e 21 e artistas do período joanino, com ênfase em escultores. Já publicou De Valentim a Valentim: a escultura brasileira – século 18 ao 20, em conjunto com Emanoel Araújo; Ermelindo Nardin, em conjunto com Leon Kossovitch; e Alex Flemming: obra gráfica 1978-1987.
O ARTISTA
Marcello Grassmann (1925-2013) nasceu em São Simão, viveu e trabalhou em São Paulo. Formado em fundição, mecânica e entalhe em escolas técnicas, fez xilogravuras e ilustrações para jornais no começo de carreira. Em 1949, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Frequentou cursos de gravura em metal com Henrique Oswald (1918-1965) e de litografia com Poty (1924-1998), no Liceu de Artes e Ofícios. Conviveu com Lívio Abramo (1903-1933) e Oswaldo Goeldi (1895-1961), que foram suas referências artísticas. Em 1952, foi para Salvador, onde trabalhou com Mário Cravo Júnior. Ganhou prêmio de viagem ao exterior em 1953, do Salão Nacional de Arte Moderna, tendo viajado para Viena, onde estudou na Academia de Artes Aplicadas.
três perguntas para...
MAYRA LAUDANNA
PESQUISADORA DE ARTE
Qual a importância da dedicação de Marcello Grassmann ao desenho e à gravura?
Ela se mostra quando se considera que o mercado de arte brasileiro, ainda hoje, valoriza pouco a gravura. O desenho tem certa valorização, por ser peça única, no entanto há muito preconceito em relação à gravura, uma vez que o valor dela está distribuído entre a quantidade de obras da edição. Na Europa e nos Estados Unidos a gravura é mais valorizada.
Como você avalia a geração que se afirma a partir dos anos 1940?
Artistas como Marcello Grassmann, Octávio Araújo, Luiz Sacilotto, entre outros, são de importância para se entender a arte brasileira daqueles anos e dos posteriores. Eles fazem uma arte que conversa com o mundo. A obra deles e de outros artistas que começam a expor no final dos anos 1940 permite pensar a arte brasileira sem os modelos já fixados pela historiografia. A partir do realizado por gravadores, pintores e escultores cuja produção se afirma nos decênios sequentes à Segunda Guerra, é possível pensar a arte sem se fixar no discurso hoje padronizado sobre a Semana de Arte Moderna. A semana é de importância capital para a história, mas o Brasil é maior do que aquele momento.
O que contribuiria para a qualidade da pesquisa sobre arte hoje no Brasil?
Seria importante evidenciar a necessidade das instituições de artes, arquivos, bibliotecas e outros centros, de construírem arquivos sobre os artistas, com correspondências pessoais, cadernos de anotações e outras fontes primárias. E colocá-los à disposição de futuros pesquisadores. Do mesmo modo como se faz com os arquivos de escritores, que servem para várias pesquisas, só que os de artistas ainda são mínimos. Como não temos o hábito de reunir documentos de artistas, eles acabam se perdendo.