Biógrafo de Marighella critica artistas que pretendem restringir circulação de livros

Para Mário Magalhães, "só existirão no país biografias chapas-brancas" caso projeto seja aprovado

por Fellipe Torres 11/10/2013 15:47

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Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
"Escrever biografias no Brasil é um péssimo negócio financeiro. Sem paixão pela reportagem, ninguém encara uma biografia", declara Mário Magalhães (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
A crescente polêmica em torno da proibição de biografias e da cobrança de direitos autorais por parte dos biografados estará na pauta da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco nesta quinta-feira, 11. Mário Magalhães, jornalista e autor de 'Marighella - O guerrilheiro que incendiou o mundo', é um dos convidados do evento, e conversará com Weydson Barros Leal, biógrafo de Francisco Brennand. Com quase 30 mil exemplares vendidos, Magalhães venceu o Prêmio APCA de melhor biografia, está entre os finalistas do Jabuti deste ano e, em 2015, será adaptado para o cinema sob direção de Wagner Moura.

Em entrevista exclusiva ao portal do Diário de Pernambuco, veículo dos Diários Associados, Mário classificou a censura prévia de biografias como "antidemocrática" e defendeu que memória e a verdade são reconhecidas universalmente como direito do povo. "Obrigar biógrafos a pagar a biografados equivaleria a obrigar compositores a pagar aos homens e mulheres que inspiram suas músicas", comparou, para em seguida prever que corremos o risco de, no futuro, termos apenas obras "chapa branca". "Precisaremos de novas comissões da verdade, no futuro, para contar o que pretendiam revelar biografias abortadas por censura prévia", alfineta.

Para o autor, escrever biografias no Brasil é um "péssimo negócio financeiro" e, portanto, quem deseja se aventurar por esse caminho precisa de paixão pela reportagem. "Somando tudo o que ganhei com a venda do livro e o que vou receber pela adaptação cinematográfica, o valor representa apenas 15% do total de salários que eu embolsaria [trabalhando] em jornal se não me dedicasse exclusivamente ao livro", revela.

Confira entrevista com Mário Magalhães:

Qual seu posicionamento sobre questões como a proibição das biografias e a ideia de os biografados recebem porcentagem da venda dos livros?
A memória e a verdade são reconhecidas universalmente como direito dos povos. Quem gosta de censura prévia é ditadura. A legislação atual permite censura prévia. Se os biografados ou seus herdeiros quiserem, só serão veiculados relatos bajuladores dos protagonistas dos livros. No Brasil, um eventual descendente de Adolf Hitler poderia vetar uma biografia crítica do genocida nazista. Essa regra é antidemocrática. Obrigar biógrafos a pagar a biografados equivaleria a obrigar compositores a pagar aos homens e mulheres que inspiram suas músicas. A sugestão constitui recurso retórico para impedir a livre expressão.

A lei autoriza impedir que se publique uma biografia do Cabo Anselmo contando que, aqui nos arredores do Recife, ele entregou a mulher, grávida, para repressores a matarem. Um biógrafo, além de elogiar um monstro como Anselmo, também seria forçado a brindá-lo com uns camaminguás, de acordo com a proposta do grupo Procure Saber. A lei assegura o direito de recorrer à Justiça a quem se sentir vitimado por crimes como o de calúnia. É o que deve ocorrer. Caso contrário, só existirão no país biografias chapas-brancas. Precisaremos de novas comissões da verdade, no futuro, para contar o que pretendiam revelar biografias abortadas por censura prévia.

Você chegou a afirmar que o mergulho na produção da biografia consumiu todas as suas economias, principalmente depois de ter deixado emprego de repórter especial. Como lidou ao assumir tantos riscos? Biografar, para você, é um processo de completa entrega?
Escrever biografias no Brasil é um péssimo negócio financeiro. Sem paixão pela reportagem, ninguém encara uma biografia. Ainda mais que a legislação permite que biografados e herdeiros proíbam biografias independentes. Tive a enorme sorte de a família Marighella se pautar pelo espírito público e por convicções democráticas. Não pediram para ler os originais antes da publicação. São de uma generosidade de que jamais esquecerei. Serei eternamente grato à sua tolerância e à confiança que depositaram em mim. Mas escrevi uma biografia não autorizada.

Muitos escritores, incluindo biógrafos, criticam o mercado editorial brasileiro ao dizer que em nosso país é preciso circular muito, pois os autores costumam ganhar mais dinheiro falando (em feiras, palestras e outros eventos literários) do que escrevendo...
Somando tudo o que ganhei com a venda do livro e o que vou receber pela adaptação cinematográfica, o valor representa apenas 15% do total de salários que eu embolsaria em jornal se não me dedicasse exclusivamente ao livro, por cinco anos e nove meses (ao todo, a biografia consumiu nove anos de trabalho). Ou seja, escrever livro de reportagem é pessimo negócio. Falo por mim: hoje vivo do trabalho de jornalista, escrevendo em jornais, revistas e na internet, na qual mantenho um blog no UOL. Cachês pela participação em eventos são simbólicos, sem maior expressão.


Após nove anos de intensa dedicação ao projeto, qual ou quais objetivos alcançados mais relevantes? Existe um senso de "fazer justiça" à memória de Marighella, cuja biografia foi tantas vezes distorcida, de revelar fatos até então não muito claros sobre o período da Ditadura?
Mais do que descrever Carlos Marighella (1911-69) como um bandido sanguinário, certa historiografia oficial tentou eliminá-lo da história nacional. Meu maior prazer foi contar esssa história escondida, omitida. Não produzi uma hagiografia, promovendo o protagonista da história. É uma biografia não autorizada, com os grandes e os pequenos momentos do personagem principal.

A um repórter, que é o que eu sou, cabe contar escrupulosamente o que seu personagem fez, disse e, na medida do possível, pensou. Para que cada leitor, por conta própria, faça o seu próprio julgamento. Como costumo dizer, é legítimo amar ou odiar Marighella, mas impossível ficar indiferente à sua vida fascinante. Sobre a ditadura pós-1964, há numerosas revelações, inclusive sobre as circunstâncias em Marighella foi morto.

De que maneira a figura desse militante comunista se mantém atual? É possível estabelecer um diálogo entre as ideias disseminadas por ele, por exemplo, com o Minimanual do guerrilheiro urbano, e o momento de manifestações populares ocorridas em várias partes do mundo, incluindo-se o Brasil? Marighella deixou heranças ideológicas?
É importante enfatizar que o Minimanual foi escrito para emprego em um momento específico da vida brasileira, de uma ditadura instaurada por força das armas. Marighella foi guerrilheiro por dois anos e meio. Por 34 anos, não pegou em armas. Suas mensagens ecoam ainda hoje, mais ainda com o conhecimento crescente de sua trajetória. Nas manifestações de junho, viam-se faixas, bandeiras e camisas com o nome de Marighella. Sua maior herança é a atitude, condensada na frase célebre "o conformismo é a morte".

O que representa para você ter a biografia de Marighella adaptada para o cinema, com direção de Wagner Moura? Pela extensão da obra, imagina algum recorte? Você se envolverá de alguma forma na produção?
Ajudarei no que me pedirem. O que poderia fazer de mais importante já fiz: oferecer matéria-prima, a narrativa do livro, capaz de gerar um filme de ação de tirar o fôlego. De acordo com Wagner Moura, que fará sua estreia como diretor de longa-metragem, a ideia é exibir os últimos anos de vida de Carlos Marighella, de 1964 a 69. É possível que o filme comece como o livro: com Marighella baleado e preso em um cinema carioca, no dia 9 de maio de 1964.

Como recebeu a notícia da indicação ao Prêmio Jabuti?
Não escrevi o livro para ganhar prêmios. Mas me sinto feliz com os reconhecimentos, sobretudo com a generosidade dos leitores.

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