Videobrasil celebra 30 anos com instalações e mostra competitiva

Plataforma de mapeamento, exibição e debate da arte contemporânea acontece em novembro, em São Paulo

por Gracie Santos 13/08/2013 00:13

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Videobrasil/Divulgação
Performance 'O samba do criolo doido', de Luiz Abreu: dança ao som da música 'A carne' (foto: Videobrasil/Divulgação)

Contaminada pelo vídeo, a eletrônica, a internet, a arte contemporânea amplia cada vez mais seus espaços e seguidores. De Marcel Duchamp (1887-1968) para cá, muita coisa mudou. O pintor, poeta e escultor francês que sacudiu o mundo no início do século 20 com obras como o Anemic cinema, de 1926 (vídeo experimental feito com duas maquininhas giratórias que produziam efeitos óticos), certamente sentiria orgulho do que é feito hoje. Ainda assim, passados todos esses anos, o sentimento de estranhamento deixado pelo criador do ready made (deslocamento de objeto não artístico para o campo das artes) permanece.

A arte contemporânea e seus “objetos de estranhamento” serão celebrados em novembro, em São Paulo, na edição que vai comemorar os 30 anos do Videobrasil. Uma instalação gigante com 240 monitores de TV exibirá 20 horas de vídeos especialmente editados a partir de um total de 5 mil horas analisadas, uma polifonia de obras, depoimentos, registros e intervenções. Nam June Paik, Kenneth Anger, Walid Raad, Chelpa Ferro, Peter Greenaway, Tunga, Waly Salomão, Rosangela Rennó, Cao Guimaraes, Marcel Odenbach, Fernando Meirelles, Rafael França, Akram Zaatari, Tadeu Jungle, Eder Santos, Marina Abramovic, Gianni Totti, Derek Jarman, Ximena Cuevas, Olafur Eliasson, Bill Viola... Quase 2 mil pessoas compõem o mosaico, entre artistas, curadores, críticos e público. A ambientação sonora é assinada pelo coletivo mineiro O Grivo, expoente das investigações em áudio no âmbito da arte atual.

Plataforma de mapeamento, exibição e debate da arte contemporânea, o 18º Videobrasil terá edição especial de aniversário, de 5 de novembro a 2 de fevereiro de 2014, no Sesc Pompeia e no Cine Sesc. Uma linha do tempo vai mostrar a evolução da criação de vídeo no país, de 1983 a 2013. Na mostra competitiva Panoramas do Sul, haverá 94 artistas do Sul geopolítico (América Latina, Caribe, África, Oriente Médio, Europa do Leste, Sul e Sudeste asiático e Oceania). Entre as instalações, performances, desenhos, esculturas, fotografias, pinturas, livros de artista e vídeos, nove mineiros marcam presença.

Contaminação

Criadora e coordenadora do festival, Solange Farkas afirma que o vídeo começou no Brasil nos anos 1980, com perspectiva ligada ao interesse dos artistas numa relação direta com a televisão. “Foi uma década em que se tentou construir esse lugar na TV. Até que se percebeu que o vídeo poderia ir muito além”. E foi. Tanto que, hoje, na relação com as artes visuais mostra toda a sua potência. “Vemos como o vídeo arejou a cena de arte contemporânea. Se hoje ela tem essa força, essa força está associada à contaminação pelo vídeo”, afirmas Farkas. Ela celebra também o fato de, atualmente, a produção de arte contemporânea estar pulverizada pelo país. Destaca que Minas sempre teve grande concentração de obras no festival e trata Inhotim como “episódio importante no coração do estado”.

Ela anuncia ainda no programa da 18ª edição, a exibição de O deserto azul, segundo longa de Eder Santos, um dos precursores do vídeo experimental no país; o lançamento de um livro; um programa de TV; encontros e debates. Duas mesas-redondas reunirão realizadores que ajudaram a construir a história do vídeo no país: com o Olhar Eletrônico (Fernando Meirelles, Marcelo Tass, Marcelo Machado e Goulart de Andrade) e com a TV Tudo (Tadel Jango, Pedro Vieira e Zé Celso Martinez, que ganhou o primeiro Videobrasil).


Obra universal


Recluso na Islândia, numa casinha entre as montanhas, de frente para o mar, Marcellvus L., de 33 anos, um dos nove mineiros da mostra competitiva, está há oito anos radicado na Alemanha. Distante de seu local de origem, ele questiona essa identificação por estado e exemplifica: “Eder Santos, Carlos Magno e Cao Guimarães são unidos pela geografia, mas têm trabalhos de propostas estéticas distintas”. Em 9493 (numa barraca de camping um garoto joga game, alheio ao mundo, em meio a tempestade na Islândia), Marcellvs mostra “certa indiferença humana a uma ordem estabelecida e compartilhada se movimentando em paralelo à indiferença da natureza em relação ao homem.” O que interessa ao artista é que “ambas as indiferenças não são conflitantes e em nenhum momento se contradizem.” Para ele, arte deve ser entendida além dessa realidade estabelecida, que todos compartilham. “Prefiro entender 1% de um filme ou obra de arte do que um discurso óbvio, que faz parte de um controle. Desconfio de quem não passa para a terceira página do livro porque não entendeu a segunda,” declara.

Várias leituras


Mineira radicada em São Paulo, Lais Myrrha, cobriu metade de um piso com granitina branca, metade com granitina preta em Teoria das bordas. Andando sobre a obra, cria-se a mistura das cores, uma reconfiguração. Para a artista, arte não tem função de portadora de mensagem. “Até pode ser, mas não é a questão. Arte pega você por outras vias, o que interessa é o que ela pode despertar como pensamento”. Lais conta que nos livros de registros de suas mostras sempre se depara com comentários inusitados. Há quem escreva algo ininteligível; quem reclame do uso do dinheiro público; e os que dizem que os neurônios da artista são instáveis. “Houve um caso em que a pessoa escreveu um tratado sobre  sociologia e arte, de páginas e páginas, em mais de uma visita ao museu.”

Criolo doido


Luiz de Abreu tem 50 anos, nasceu em Araguari, vive em Salvador. O samba do criolo doido, mistura de samba, carnaval e erotismo. É coreografia criada há 10 anos, que questiona a objetificação do corpo do negro. “Acho curioso a perenidade do solo. Quase todos os meus trabalhos falam sobre questões negras, de gênero, e o samba é um meio pelo qual consigo síntese disso. A relação do negro com o país é de amor e ódio”. Como figurino, ele usa apenas a bandeira do Brasil sobre o corpo nu. “Quero mostrar que faço parte dessa pátria, não sou uma coisa à parte, mas algo que se mistura, um está impregnado do outro”. Na trilha, destaque para a música A carne (de Marcelo Yuka , Ulisses Cappelletti, Seu Jorge), com Elza Soares: “A carne mais barata do mercado é a carne negra.”

Guimarães Rosa

Roberto Bellini tem 34 anos, nasceu em Juiz de Fora e mora em BH desde 1998. Cordis (codirigido com Sérgio Borges), feito em Cordisburgo, “é um pouco enraizado em Guimarães Rosa, nessa coisa de terra, nas questões amplas sobre vida e morte”. O vídeo tem o estado como objeto de contemplação. O diretor, que não acredita em mineiro como adjetivo, destaca a riqueza imagética e simbólica do estado. “A experiência da paisagem mineira é muito intensa e interessante em si mesma. De tão potente que são as pedras, montanhas, igrejas, o berro.” As influências do estado, para ele, podem vir também, com certo peso, pelo fato de “daqui se extrair ferro, de sermos extrativistas”. “Minas é um estado muito bruto. A poética daqui está nas mãos dos mais pobres. Tudo que valorizamos como cultura vem das pessoas humildes, enquanto, contraditoriamente, o que se valoriza no estado é o oposto disso.”

Os mineiros

Alexandre Brandão com a escultura Galhos; Ana Prata com a pintura O russo; Gui Mohallem com Welcome home (fotografia); Lais Myrrha com a instalação Teoria das bordas; Luiz de Abreu com a performance O samba do criolo doido; Marcellvs L. com a instalação 9493; Pablo Lobato com a instalação Nascente; Pedro Motta com Estatuto da divisão territorial (fotografias);  e Roberto Bellini com o vídeo Cordis (codirigido por Sérgio Borges).

O trófeu

Os premiados do Videobrasil recebem troféus. O deste ano será criado pela artista paulistana Erika Verzutti, recentemente selecionada para a Carnegie International, tradicional mostra norte-americana realizada desde 1866. Em anos anteriores, os troféus foram projetados pelos artistas como Tunga, Carmela Gross, Rosângela Rennó e Luiz Zerbini, entre outros.

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