Dalton Trevisan: maior escritor brasileiro vivo evita exposição e se mantém fiel à arte

Vampiro de Curitiba equilibra tom apocalíptico e radical com textos sucintos na construção

por Carlos Marcelo 14/04/2013 06:30

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O Cruzeiro/Arquivo EM
O reservado Dalton Trevisan, em foto rara, da década de 1970, feita para reportagem da revista O Cruzeiro (foto: O Cruzeiro/Arquivo EM)
– Não fale, amor. Cada palavra, um beijo a menos.
Dalton Trevisan não é homem de floreios ou digressões. Maneja frases, remove adjetivos, arranca verbos, insere vírgulas com destreza de cirurgião. Revolve a nervura da escrita até chegar à carne e ao osso. Aí ele não hesita; perfura. Médico, não. Monstro. 
 
 
A escolha de Trevisan como o mais importante escritor brasileiro da atualidade pode surpreender os que acompanham a (tentativa de) sobrevivência da literatura no mundo das celebridades. Afinal, o curitibano não está nas redes sociais, nunca foi à Flip, não promove noites de autógrafos nem dá entrevistas. Ao contrário do comportamento ambíguo de Rubem Fonseca, convenientemente arredio apenas no Brasil, Dalton não se expõe em lugar algum. Preserva a própria imagem, desvia as luzes para os livros. A postura foi destacada pelos jurados do Prêmio Camões, que assim justificaram a escolha de Trevisan para receber em 2012 a mais importante premiação da língua portuguesa: “Ele fez uma opção radical pela literatura enquanto arte da palavra”. 
 
Radicalidade e arte caminham juntas há décadas na obra do Vampiro de Curitiba, alcunha que nunca fez questão de renegar – ao contrário, até a cultua, com ajuda das ilustrações de Poty, onipresentes nas edições de sua casa literária, a Record. Personagem mítico da “cidade verde” (até há pouco tempo saudada como modelo de desenvolvimento urbano e qualidade de vida), avança contra o seu habitat, revestido pela autoridade só conferida pela íntima convivência: “Cinquenta metros quadrados de verde por pessoa/ de que te servem/ se uma em duas vale por três chatos? (…) não Curitiba não é uma festa/ os dias da ira nas ruas vêm aí” (“Em busca de Curitiba Perdida”). 
 
Os textos longos sobre a capital paranaense, alguns em tom apocalíptico, são exceção. Usualmente o escritor não utiliza mais do que três páginas para engendrar obras-primas como o conto 'Uma vela para Dario', de 'Cemitério de elefantes' (1964). Uma década antes de Chico Buarque erguer a sua 'Construção', Trevisan descreve a indiferença coletiva diante da morte de um transeunte (e a pilhagem do cadáver) na rua de uma grande cidade: “Dario em sossego e torto no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso (…). Apenas um homem morto e a multidão se espalha”. Não há tempo nem para carpideiras nem para elegias: a vida segue e atropela quem fica pelo caminho, adverte o escritor. Como percebeu o crítico e poeta José Paulo Paes (1926-1988), a literatura de Trevisan é “arte impiedosa, mas não desumana”, baseada na “presentificação do assombro de viver”.
 

 
Na hora de assinar, todo soberbo o velhote, no seu oclinho torto: 
– O meu nome, qual é? Quem mesmo sou eu?
 

 
Desilusão e desconcerto são as engrenagens que movem a prosa elíptica de Trevisan. Ele também costuma recorrer ao diminutivo em cenas de extrema violência (“Não com o facão, paizinho”) para amplificar o grito oculto nas casas de família. Dispensa verbos (“Agora feliz numa casinha de madeira no Cristo-Rei”, em 'A guerra conjugal', outra obra-prima, adaptada para o cinema em 1975 por Joaquim Pedro de Andrade) e exerce a síntese ao extremo nas narrativas mais recentes: duas, no máximo três frases. Haicais nada “poéticos”, que perturbam em vez de enlevar: 
 
 
A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
– Assim que ele morra eu começo a viver.
 
 
Ao expor a brutalidade infiltrada entre quatro paredes, a temática de Trevisan tangencia a obra de outro gigante do século 20, Nelson Rodrigues. Mas, se no dramaturgo o trágico e o patético se misturam, no contista não há aceno para a farsa. Aqui a escrita é de uma faca só lâmina. Urge. Arde. Sangra. 

OS MAIORES ESCRITORES VIVOS
 
1) Dalton Trevisan, Paraná (1925)
2) Ferreira Gullar, Maranhão (1930)
3) Lygia Fagundes Telles, São Paulo (1923)
4) Milton Hatoum, Amazonas (1952)
5) Rubem Fonseca, Minas Gerais (1925)
6) João Ubaldo Ribeiro, Bahia (1941)
7) Manoel de Barros, Mato Grosso (1916)
8) Ariano Suassuna, Paraíba (1927)
9) Raduan Nassar, São Paulo (1935)
10) Adélia Prado, Minas Gerais (1935)
11) Sérgio Sant’Anna, Rio de Janeiro (1941)
12) Luiz Ruffato, Minas Gerais (1961)
13) Augusto de Campos, São Paulo (1931)
14) Bernardo Carvalho, Rio de Janeiro (1960)
15) Luis F. Verissimo, Rio Grande do Sul (1936)
16) João Gilberto Noll, Rio Grande do Sul (1946)
17) Nélida Piñon, Rio de Janeiro (1937)
18) Cristóvão Tezza, Santa Catarina (1952)
19) Silviano Santiago, Minas Gerais (1936)
20) Affonso R. de Sant’Anna, Minas Gerais (1937)
21) Paulo Henriques Britto, Rio de Janeiro (1951)
22) Alberto Mussa, Rio de Janeiro (1961)
23) Armando Freitas Filho, Rio de Janeiro (1940)
24) Carlos Heitor Cony, Rio de Janeiro (1926)
25) Evandro Afonso Ferreira, Minas Gerais (1945) 
26) Glauco Mattoso, São Paulo ( 1951)
27) Ignácio de Loyola Brandão, São Paulo (1936)
28) Rui Mourão, Minas Gerais (1929)
29) Angela Lago, Minas Gerais (1945)
30) Edney Silvestre, Rio de Janeiro (1950)
31) Antonio Torres, Bahia ( 1940)
32) Chico Buarque, Rio de Janeiro (1944)
33) Francisco Alvim, Minas Gerais (1938)
34) Francisco Azevedo, Rio de Janeiro (1951)
35) Luiz Vilela, Minas Gerais (1942)
36) Lya Luft, Rio Grande do Sul (1938)
37) Ana Miranda, Ceará (1951)
38) João Almino, Rio Grande do Norte (1950)
39) Raimundo Carrero, Pernambuco (1947)
40) Zulmira Ribeiro Tavares, São Paulo (1930)
41) Antonio Cícero, Rio de Janeiro (1945)
42) Ana Martins Marques, Minas Gerais (1977)
43) Beatriz Bracher, São Paulo (1961)
44) Cintia Moscovich, Rio Grande do Sul (1958)
45) Maria Esther Maciel, Minas Gerais (1963)
46) Miguel Sanches Neto, Paraná (1965)
47) Paulo Coelho, Rio de Janeiro (1947)
48) Reinaldo de Moraes, São Paulo (1950)
49) Ruth Rocha, São Paulo (1931)
50) Ruy Espinheira Filho, Bahia (1942)
51) Sebastião Nunes, Minas Gerais (1938) 

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