Filosofar em alemão

Livro reúne ensaios sobre pensadores de expressão alemã que influenciaram vários campos do saber no Brasil, da psicologia de Reich e Jung à reflexão política de Lukács e Rosa Luxemburgo

por João Paulo 08/09/2012 14:43

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A Alemanha, hoje no centro de todos os debates sobre a crise na União Europeia, na posição de potência responsável pela superação de parte dos problemas da Zona do Euro, sempre foi um país de destaque no concerto e desconcerto das nações. E por razões diversas. No século 20, está na origem dos dois conflitos mundiais, da divisão do mundo em blocos que marcou a guerra fria, do fim do comunismo com a queda do Muro de Berlim. O que é história, política e economia tem tradução no pensamento. A Alemanha se tornou também um polo irradiador de reflexões e de estilo de pensamento no século 20, que trazem junto uma tradição secular, seja no campo da filosofia, do direito, da religião ou das ciências da natureza.

Se a influência da cultura francesa foi determinante no estilo do pensamento acadêmico brasileiro, nem por isso as marcas da filosofia alemã são menos visíveis, incorporando-se ainda nesse universo as questões da estética e da política. Além da força da reflexão, há elementos de ordem conjuntural que fizeram com que aportassem no Brasil, durante o período da Segunda Guerra, pensadores alemães ou de expressão alemã, que trouxeram ao país não apenas um novo estilo de pensamento como também um campo novo de problemas e autores, como foi o caso de Anatol Rosenfeld (1912-1973), do austríaco Otto Maria Carpeaux (1900-1978), chegando ao tcheco Vilém Flusser (1920-1991). Esse é o terreno abarcado pelo segundo volume de O pensamento alemão no século 20, organizado por Jorge de Almeida e Wolfgang Bader, que acaba de ser lançado pela Cosac Naify.

O livro é resultado de seminário realizado em São Paulo que teve como objetivo aproximar as duas culturas, a partir do estudo de autores de expressão alemã e de sua influência na vida intelectual brasileira no século 20. Trata-se de obra de mão única: a via é sempre da Alemanha para o Brasil. Os artigos analisam de forma enciclopédica e introdutória a obra de nove autores (entre filósofos, cientistas, psicólogos e teóricos políticos) e trazem sempre ao final uma pequena nota sobre a recepção dos pensadores no Brasil. O livro é o segundo volume da série. No primeiro, lançado em 2009, com o mesmo propósito e método, foram estudados os seguintes autores: Max Weber, Freud, Carl Schmitt, Heidegger, Hannah Arendt, Walter Benjamin, Adorno, Ernst Bloch, Marcuse, Habermas e Niklas Luhmann.

O novo livro tem como primeiro autor o psicólogo Wilhem Reich (1897-1957), um autor nem sempre levado a sério, seja pela dissidência da ortodoxia freudiana, seja por sua atuação política. O ensaio de Paulo Albertini analisa o contexto histórico-social do pensamento reichiano, recupera a biografia do psicólogo com seus inúmeros acidentes de percurso (ele morreu numa prisão nos EUA em razão de uma investigação do FDA, órgão responsável pelo controle de alimentos e medicamentos), destaca os aspectos políticos do autor, evoca sua militância por uma clínica social, chegando ao núcleo da reflexão de Reich sobre o corpo e o psiquismo, tratada com seriedade e consequência, e não como um desvio. No que diz respeito à recepção no Brasil, Abertini identifica linhas influenciadas por Reich, como a gestalt terapia, além do diálogo com propostas nas áreas da política, comportamento e educação.

O segundo nome é também de um psicólogo, o suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), apresentado por Laura Villares de Freitas. Depois de um breve panorama da vida de Jung, sobretudo de sua formação, relação com Freud e rompimento com o criador da psicanálise, a autora enfoca a obra de Jung a partir da ideia de diferença. Mais uma vez o polo de comparação é Freud: Jung é psiquiatra, Freud neurologista; Jung desde o início tratava psicóticos, enquanto Freud lidava com neuroses e histeria; para Freud tudo era sexo, para Jung a libido ia além, abrangendo a energia vital; para Freud o desenvolvimento psíquico se completa na puberdade, para Jung a individuação vai até o fim da vida. Freud se concentrava na ciência, Jung buscava saberes na religião e mitologia. São marcos que explicam as divergências teóricas e práticas entre os dois, que terão consequência na vida, na obra e na prática pessoal e política de seus seguidores. No que toca à recepção das ideias junguianas no Brasil, Laura Villares de Freitas mostra que não se trata de um legado único, mas que se divide em escolas e diferentes abordagens (escolas do self, evolutiva e arquetípica), que foram sendo defendidas por analistas como Nise da Silveira, Carlos Byington e Leon Bonaventure, entre outros.

Qual é a atualidade do pensamento de Georg Lukács? Esta é a pergunta que abre o ensaio sobre o pensador húngaro de expressão alemã, de Arlenice Almeida da Silva. Autor de obra imensa, polêmica e variada, por diversas vezes marcadas pela conjuntura, Lukács é analisado em sua dimensão filosófica e, mais especificamente, no campo da estética. Ao articular arte, sociedade e política, o autor participa das transformações pelas quais passou a estética no século 20. Para isso, a autora apresenta as diversas fases do pensamento estético de Lukács (1885-1971), desde a juventude até suas obras mais influentes, como A alma e as formas, A teoria do romance e Filosofia da arte, chegando à obra de maturidade, Estética. O artigo apresenta ainda obras de força filosófica e política do autor, como História e consciência de classe e Ontologia. Sobre a influência de Lukács no Brasil, são apresentados nomes que vão de Antonio Candido a Alfredo Bosi, passando por Roberto Schwarz e Michel Lowy, chegando à geração atual, que vem analisando a reflexão filosófica do autor de uma perspectiva histórica, destacando a relação de seu pensamento com o tempo.

Na sequência, o livro apresenta a vida e obra da polonesa Rosa Luxemburgo (1871-1919), que tem seu pensamento articulado com os grandes fatos da política de seu tempo. Isabel Loureiro mostra que não é possível compreender o pensamento político e econômico de Rosa Luxemburgo fora dos embates de sua época e da ação internacionalista do movimento dos trabalhadores. “O público, que só conhecia a militante, a oradora, a polemista, a teórica marxista, ficou boquiaberto ao descobrir que a ‘sanguinária Rosa’ era uma mulher inteligente, sensível, sempre pronta a consolar os amigos, apaixonada pela natureza e pelas artes, uma intelectual sintonizada com a vida cultural de seu tempo”, sintetiza Isabel Loureiro. Seus amores, a difícil elaboração de sua obra (muitas vezes escrita no cárcere), a defesa da ação revolucionária e a relação entre socialismo e democracia são alguns dos momentos tratados no texto. Sobre a presença de Rosa Luxemburgo no Brasil, a autora lembra desde teóricos como Mário Pedrosa à origem do Partido dos Trabalhadores, chegando aos movimentos sociais, como o MST, em sua defesa da democracia centrada na autonomia das massas, e portanto além da dimensão meramente representativa.

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